Folgo em saber que ainda, apesar de não estares a trabalhar na área para a qual passaste quatro anos e meio a graduar-te, continuas com a mesma preocupação de estares informada. Ainda me vais ter que explicar um dia desses como é possível que alguém formado em Ciências da Comunicação tenha como principal actividade profissional estar atrás de um balcão a vender grogue, cigarros e outras bugigangas. Adiante…
Tens toda a razão, já me tinha apercebido disso. De facto, nos últimos dias os políticos, de um lado e do outro do corredor do poder, têm-se desdobrado em visitas e contactos com os profissionais da comunicação social. É como se estivessem a preparar-se para algum debate sobre a comunicação social, daqueles que por mais que se fale, dão sempre em nada.
Depois das muitas declarações sobre a liberdade de imprensa – a propósito, a TCV passou uma reportagem interessante na qual se percebe que em Cabo Verde existem vários níveis, ou se quiseres, velocidades, da liberdade de imprensa, o que quer dizer que não se pode generalizar – os actores políticos dão a sensação de estarem a preocupar-se um pouco mais com a comunicação social.
Digo sensação porque tenho que te confessar, fiquei desiludido com o debate do programa do governo no Parlamento, no que concerne à comunicação social. Já ia dizer “nenhuma palavra”, mas a um jornalista exige-se rigor. O programa do executivo é bastante lacónico em relação ao sector, preferindo tecer loas sobre as suas virtualidades enquanto esteio da Democracia. Ao incluir, e bem, os media no eixo Reforma do Estado, esperavam-se propostas e medidas de política concretas com vista a erigir a comunicação social num vigilante dos vários poderes, numa peça fundamental do sistema de pesos e contrapesos característico das democracias modernas…
Caso tenhas acompanhado o debate pela rádio, recordas-te com certeza da bateria de perguntas sobre o sector da comunicação social desferida pela deputada estreante, Eva Marques, do MPD. Algumas até muito sensíveis, como é o caso da privatização da Rádio Nacional e da Televisão Nacional e da criação da Entidade Administrativa que um dia há-de regular a actividade da Comunicação Social. Nenhuma reacção por parte do Governo. Nada! A ministra Cristina Fontes lá desfiou as peças que enfeitam a paixão do executivo, a reforma do Estado, mas sobre a comunicação social… zero.
Confesso-te que sempre que o MPD fala na privatização da RTC sinto calafrios. Não sei se as perguntas da jovem deputada espelham a sua convicção enquanto cidadã, se eram ingénuas, lançadas assim ao jeito de “quem não quer a coisa”, ou se se tratou de uma casca de banana atirada sub-repticiamente para o ministro da tutela, Rui Semedo, escorregar e cair no politicamente incorrecto.
Sim porque, se me recordo, o manifesto eleitoral do MPD em nenhum momento fala em privatizar os órgãos de serviço público. Pelo contrário, as ventoinhas vão até muito longe nas propostas que fazem para reforçar os órgãos públicos. Mas sei que há gente da esfera do maior partido da oposição que defende a privatização pura e simples da RTC. Por ora, peço-te que não esgotemos esse debate.
O que certo é que nestes dias, dirigentes dos dois partidos têm sido pródigos nas propostas sobre a comunicação social. O próprio Primeiro-Ministro admite que o governo vai engajar-se na busca de financiamentos para continuar o processo de modernização tecnológica da RTC; A deputada Filomena Vieira garantiu que vem aí, finalmente, o tão aguardado plano estratégico para os media nacionais que beneficiarão ainda de alguns investimentos que estarão previstos no Orçamento do Estado para este ano. Aliás, achei curioso a deputada ter-se limitado a pedir um centro de produção digital e não uma televisão regional para S. Vicente. É disso que a ilha e a região norte precisam, não tenhamos ilusões.
A propósito esqueci-me na minha última carta de me referir às declarações do PM sobre o pluralismo, que considera existir sobretudo no serviço público. Não sei como é que os privados hão-de reagir… Um outro dado importante dessa curta intervenção, depois da visita às instalações da TCV, prende-se com a necessidade de haver mais qualidade nos conteúdos produzidos. Apetece-me dizer: espetou o dedo na ferida! Havemos de falar sobre isso um dia destes, de preferência antes de as minhas férias terminarem.
Depois de andar à deriva, regresso ao assunto que motivou esta troca, por enquanto, fluida de comunicação. Na minha anterior mensagem julgo ter-te esclarecido sobre os mecanismos de nomeação do Director, Delegado e Chefe de Divisão.
Pois bem, falemos agora de algumas aspectos que, não tenho pejo em dizê-lo, continuarão a emperrar qualquer dinâmica que se queira introduzir na rádio pública. Comecemos pela gestão dos recursos humanos que, diga-se, nunca constituiu prioridade das sucessivas administrações. Foram anos de laxismo e de deixa andar, a tal ponto de hoje a situação requer reformas consistentes, e não paliativos. Como se não bastasse, os Directores das estações sequer detêm poderes disciplinares, porquanto estes são da estrita competência da administração.
Por serem do domínio público, não me coíbo de te falar de dois casos gritantes de indisciplina que não mereceram do conselho de administração qualquer reparo.
Um primeiro diz respeito a uma carta aberta publicada no jornal A NAÇÃO por um jornalista, como forma de protestar pela instauração pelo conselho de um processo disciplinar a um seu colega. Na carta, o jornalista, que já desempenhou funções de chefia na RTC durante vários anos, desanca o director, mimoseando-o com atributos que nem a um inimigo repulsivo desejamos. Na ocasião, pedi ao Conselho que analisasse o caso, pois estávamos perante uma situação insólita, quanto mais não seja porque a AJOC, sem se dar ao trabalho de esclarecer junto da administração e da direcção o que de facto teria acontecido, achou por bem acusar a direcção da rádio de estar a perseguir o trabalhador.
Sabes qual foi a resposta da administração? É de morrer a rir: pedir-me para, demonstrando a minha nobreza de espírito, convidar o jornalista para um café. É de facto risível! Repara que em nenhum momento requeri qualquer sanção disciplinar para esse jornalista, pretendia apenas conhecer as suas motivações para agir da maneira como o fez nas páginas dos jornais. Resultado: acabei por ficar com os mimos e os desaforos… É evidente que esse tipo de impunidade faz escola e contribui para fragilizar o director.
Os feitios, as manigâncias e as arrogâncias, sejam de quem for não me impressionaram, sobretudo quando vindos de colegas de profissão. Tenho-me como uma pessoa frontal. Não sou do género de dar palmadinhas nas costas e depois trucidar a pessoa na sua ausência. Não me escondo debaixo da saia do anonimato para, em comentários demolidores, mas covardes, nos on-line, apoucar e enxovalhar pessoas. Não decanto em público tiradas de proeminentes pensadores, nem apregoo valores espiritualistas grandiloquentes que, acto contínuo, são contraditados pelo meu comportamento mesquinho nas relações sociais. Isto é hipocrisia e cinismo, fraquezas que a minha evolução neste planeta já extirpou.
De quem aliena os valores sacrossantos da profissão de jornalista, quais sejam, a ética, a independência e a credibilidade, só para citar estes, desempenhando, ao mesmo tempo, a actividade de propaganda, incompatível com o ofício de informar, a troco de patacos, não tenho lições de probidade, honestidade e muito menos profissionalismo a receber, ainda que a minha postura tenha sido sempre (e continuará a ser) de abertura de espírito, de humildade para aprender. Lá diz o povo na sua eterna sabedoria, quem tem telhados de vidro…
Um outro caso gritante de indisciplina aconteceu na sequência de uma decisão da direcção de não incluir na grelha principal da rádio, depois da pausa do verão, o programa de debate feito a partir do Mindelo, “Palavras Cruzadas”.
Depois de me ter disponibilizado a dar explicações ao jornalista, fundamentando a decisão da direcção, sou surpreendido com uma carta escrita pelo editor do programa, na qual acusa-me de ter “faltado à verdade”. A carta, num tom deveras insolente, para além de ser remetida às pessoas que semanalmente colaboravam no programa, foi enviada através da internet para uma vintena de pessoas amigas ou próximas do jornalista, estranhas, contudo, ao assunto. Apesar de ter dado conhecimento ao presidente do conselho dessas manobras, este se manteve quedo e mudo… no seu quadrado.
Incentivado com o silêncio dos gestores da empresa, o jornalista voltaria à carga no seu jornal on-line “Notícias do Norte”, ridicularizando o director e amplificando, inclusive com juízos de valor, como é timbre desse escriba, os insultos e as ofensas veiculados no facebook contra a minha pessoa.
Coligi os textos publicados nesse pasquim on-line e pedi ao conselho que se pronunciasse. Na nota remetida ao PCA dizia-lhe que caso não houvesse uma posição inequívoca da empresa em relação a mais este caso de rebeldia que seria forçado a concluir que já não tinha a confiança institucional do conselho. Até hoje desconheço qualquer iniciativa desencadeada pela administração da empresa visando por cobro a esse acto a todos os títulos inqualificável. O jornalista, cujo nome prescindo de “mentar”, deixa entender que tem contas velhas a ajustar comigo, quiçá desde a minha passagem pela chefia da delegação do Mindelo. Pois bem, cá as aguardo, pelo menos agora posso defender-me, uma vez que já não me encontro preso ao colete-de-forças da chefia e nem me considero mais sujeito ao dever de reserva.
Deves também ter dado “fé” da celeuma desnecessária que se criou em torno da suspensão temporária do programa musical “Quando o Telefone Toca”, legitimamente decretada pela direcção. Não me vou alongar nos comentários a esta e outras decisões consideradas polémicas, pois tenciono pronunciar-me em breve, e em detalhe, sobre estes “casos” que tantos mal-entendidos fizeram correr.
O que me deixou deveras perplexo foi ter sabido que houve alguns políticos, pessoas a quem devotava a máxima consideração e respeito, mas que se mostraram autênticos liliputianos, que exortaram o governo no sentido de intervir e pôr cobro aos desmandos da direcção da RCV. Alegavam que não se podia tolerar que a direcção da rádio tomasse medidas (explicitamente referiam-se ao programa musical QTC) susceptíveis de mergulhar uma ilha e toda uma região no silêncio! Agora não tenho dúvidas: a culpa por S. Vicente ter parado no tempo, ruminando os tempos áureos do Porto Grande e da radiodifusão, é dos políticos. Talvez coragem terá faltado a essa gente para, abertamente, trazerem a lume, o “Palavras Cruzadas” e, já agora, o “Noite Ilustrada”.
A isso se chama resvalar para o chavascal da política. Com tantos problemas por que passa S. Vicente, sobretudo os de índole social, e os nossos políticos entretidos a discutir a suspensão temporária pela direcção da rádio, de um programa de música. Convenhamos!
Teu amigo
Carlos Santos
Sem comentários:
Enviar um comentário