sexta-feira, novembro 12, 2010

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Nos últimos dias têm vindo a público algumas reacções menos positivas em relação a recentes decisões da direcção da Rádio de Cabo Verde no âmbito da alteração da grelha de programas, em vigor desde o dia 4 de Outubro.

Pela leitura dos comentários publicados na Internet e no programa “Clube da Meia-Noite” – cujos ouvintes foram oportunamente esclarecidos – conclui-se que parte substantiva das críticas resulta de uma campanha de desinformação intencional. No entanto, ciente de que é indispensável apostar no reforço da participação dos cidadãos no funcionamento do serviço público, a direcção da Rádio de Cabo Verde, no estrito respeito do princípio do escrutínio a que estão sujeitos os meios de comunicação social, esclarece o seguinte:

O programa “Quando o Telefone Toca” foi suspenso temporariamente da grelha até que se criem as condições para a sua transmissão em directo. A progressiva aplicação das novas tecnologias à rádio redundou em novas modalidades participativas, o que se traduziu numa maior interactividade entre o meio e os ouvintes. O que a direcção pretende é justamente estimular a interactividade, apostando em formas e suportes mais expeditos que reforcem a participação dos ouvintes nos programas da rádio.

No momento em que se aposta na inovação tecnológica e na criatividade, não se justifica que esse espaço de entretenimento continue a ser gravado. Volvidos mais de 30 anos sobre a criação do “Quando o Telefone Toca” (QTT), não faz sentido algum que para ouvir a música da sua preferência no domingo às 10 horas o ouvinte tenha que telefonar no sábado de manhã. É evidente que a transição do analógico para o digital é um processo moroso que requer recursos materiais e financeiros, mas o salto qualitativo tem que ser empreendido sem titubeio, pois o futuro da rádio é o digital.

A inovação, a criatividade e a qualidade são bandeiras que o operador público de radiodifusão deve defender, ou não fosse ele uma referência (pelo menos deve sê-lo) para os privados. Como entender que haja espaços de entretenimento na programação da própria RCV, do tipo discos pedidos, em que o ouvinte ouve na hora a música da sua preferência, uma prática, aliás, generalizada na paisagem radiofónica cabo-verdiana, e sermos forçados a continuar a transmitir o QTT “em diferido”.

Quem gere os conteúdos de uma estação de rádio sabe que pela sua natureza efémera, volúvel, etérea, sensorial, ela é o meio que mais influencia a mensagem. Daí a procura constante, por parte dos programadores, da inovação, da criatividade e da qualidade, sob pena de se cair na rotina, a principal inimiga da rádio. Sendo o QTT, como asseveram alguns ouvintes, um património da rádio, deve ser preservado, conservado, restaurado sempre que se justificar, para que não desapareça, jamais!

A direcção da RCV regozija-se com o amplo movimento cívico de apoio ao “Quando o Telefone Toca”, uma atitude que só demonstra o carinho e a preferência dos ouvintes pela rádio pública. Aliás, a iniciativa de recriar o programa na internet só prova que a modernização tecnológica é a solução e alternativa ao mais velhinho programa da rádio. No facebook, dizem os promotores da iniciativa, o QTT é todos os dias e o “ouvinte” tem a sua música na hora… escusa de esperar um dia para ouvir aquela canção da sua preferência. Às razões aduzidas acresce o facto de nos últimos tempos o QTT se ter transformado num espaço de divulgação de mensagens publicitárias, numa clara deriva ao seu princípio de utilidade pública na promoção e sensibilização em tornos de causas e valores. A mercantilização do programa transforma os jornalistas em agentes publicitários, violando assim o seu estatuto.

À guisa de conclusão, refira-se que a direcção da RCV apresentou há menos de duas semanas na cidade do Mindelo um projecto da RTC, orçado em cerca 18 mil contos, que tem como principal objectivo a modernização tecnológica da Rádio de Cabo Verde. A Radio Assist da NETIA irá permitir a integração dos processos de produção, gestão e difusão dos conteúdos em formato digital. Mas mais: o sistema permite aceder a elementos sonoros constantes dos arquivos tanto na sede como na delegação de S. Vicente, podendo ser utilizados na produção de programas. É nesta lógica que se enquadra o programa “Quando o Telefone Toca” que, tão logo seja possível, regressará ao convívio dos ouvintes.

Em relação ao programa Palavras Cruzadas, a direcção estranha todo o alarido à volta da sua retirada da grelha, porquanto as explicações constam do relatório do Conselho de Programas, órgão consultivo da direcção, e são do conhecimento do coordenador desse espaço de antena. Desde logo se avisa que qualquer tentativa de colocar o director da estação contra cidadãos que emprestaram, durante meses, a sua colaboração prestimosa com análises e comentários sagazes e pertinentes em relação a temas de interesse nacional, cairá em saco roto. Igualmente desprovida de qualquer sentido é a tentativa de acusar a RCV de estar a silenciar S. Vicente.

A delegação do Mindelo detêm na actual grelha a coordenação directa (realização, produção e difusão) de 11 programas, podendo, como de resto acontece com qualquer outro centro de produção, incluir nos blocos de emissão conteúdos (grandes reportagens, entrevistas, debates, etc.) de interesse local, regional ou nacional. Para além dos programas, os estúdios do Mindelo coordenam diariamente a edição do principal espaço noticioso da RCV: o Magazine 13-14 informação. Ainda, seguindo o modelo de rotatividade, os estúdios do Mindelo apresentam os programas Palco RCV, Tarde Musical, Tarde Desportiva e a edição informativa do fim-de-semana. Também, como as demais estruturas, dispõem de dois espaços regionais, às 12 e às 18 horas.

Longe vai o tempo em que os programas, uma vez inseridos na grelha, ganhavam lugar cativo, só saindo do ar mediante vontade expressa do seu autor ou do jornalista incumbido de os realizar e apresentar. Hoje, pese embora não existirem muitos dados científicos de apuramento do nível de interesse e das expectativas dos ouvintes, a direcção baseia a avaliação da produção através de vários critérios profissionais objectivos, de entre os quais se destacam a pertinência, a criatividade, a precisão, etc. que enformam a cultura radiofónica.

No caso do programa Palavras Cruzadas, a decisão legítima da direcção remonta na verdade a Julho deste ano, altura em que o formato não integrou a grelha de verão, ao contrário do Quarta à Noite, Discurso Directo e Espaço Público. Ora, existindo já na grelha um programa semanal de comentários/análises de temas de relevância social, política e económica, de interesse dos cabo-verdianos, contando com a colaboração dos representantes dos três partidos com assento parlamentar, para quê replicar o modelo em S. Vicente? Atenção: que não se confunda o formato com o conteúdo, consubstanciado aliás na excelência das opiniões e comentários expendidos, tanto pelas personalidades que passaram pelo programa, como pelos próprios ouvintes.

Temos por várias vezes defendido a necessidade de se adoptar mecanismos legais e outros que reforcem o poder e a participação dos ouvintes na formatação e funcionamento do serviço público de radiodifusão. Isso passará, nomeadamente, pela criação da figura do provedor do ouvinte, da associação dos ouvintes e do conselho de opinião. Por acreditarmos que não existe serviço público sem público, continuaremos receptivos às queixas, críticas, mas também às propostas de melhoramento da grelha por parte dos ouvintes...

Nota final: Em relação ao programa Discurso Directo citado como malha desta enorme “cortina de silêncio” urdida pela direcção da RCV para calar S. Vicente e a região circundante, impõe-se o seguinte esclarecimento:

O programa das Grandes Entrevistas – o Discurso Directo – nasceu de uma proposta do jornalista Júlio Vera Cruz Martins nos idos de 1998. Tendo sido chamado para desempenhar as funções de chefe de informação da RCV, o programa passou a ser coordenado pelo jornalista Orlando Lima, primeiro na Praia, e depois em S. Vicente, para onde se deslocou em 2008 para ocupar o cargo de delegado da RTC. Por uma questão de estratégia informativa, visando, sobretudo, realinhar o programa com a sua filosofia e esqueleto iniciais, a direcção, depois de ter feito a avaliação do Discurso Directo, (que nos últimos tempos vinha se afastando do seu formato inicial), transferiu a sua coordenação para a sede. As poucas edições já realizadas parecem dar razão à decisão tomada.
Texto da direcção da RCV publicado no Portal da RTC

Leituras Interessadas

A margem de erro estatístico das sondagens é conhecida, a qual se junta uma percentagem de erro acrescentado pela leitura apressada e rotineira dos dados. As pesquisas lêem-se mal e muitas vezes os órgãos de comunicação social transmitem uma realidade que nelas não é detectada. Não se pode contudo generalizar.

Na maioria dos casos introduzem-se incorrecções ou desvios informativos involuntários que mediatizam a leitura dos estudos de opinião. Estes são alguns dos erros mais comuns: a informação eleitoral relativa às sondagens, e em especial as manchetes redigem-se de forma incorrecta. Independentemente de que acertem ou não nos resultados, as manchetes sobre o futuro eleitoral estão por si equivocadas.

É corrente encontrar na primeira página de um qualquer jornal: “O partido X ganhará as eleições” ou “o partido y não alcançará a maioria absoluta”. Da leitura de uma sondagem não se podem tirar conclusões futuras. Quando muito, indicam tendências.

A leitura atenta da ficha técnica das sondagens permite ver como na maioria dos casos da amostra obriga a tomar certas precauções, que se omitem na redacção da informação. Se a amostra é recente, costuma ser excessivamente pequena para atribuir assento, ou, pelo contrário, se é suficientemente ampla, já passaram vários dias desde a sua realização.

Em períodos eleitorais, quando a opinião pública está em autêntica ebulição, uma semana é demasiado tempo para actualizar a publicação de uma sondagem com o título: “O partido x tem 10 pontos de vantagem sobre o partido Y”, ou, “Se as eleições fossem hoje o Partido Y alcançava…” No melhor dos casos, essa poderia chegar a ser a situação política uma semana antes da publicação da notícia.

Em outras ocasiões, as manchetes, ou a notícia, obtêm-se de perguntas que medem o clima de opinião e não a intenção de voto: “que partido ganhará as eleições?” Outras vezes, esquece-se da existência, ou a análise, de importantes grupos de indecisos. Convém por isso rever algumas práticas do jornalismo de precisão antes de se aventurar numa caça às bruxas demoscópicas.

Outro erro frequente corresponde ao tratamento informativo dos resultados obtidos nas sondagens realizadas à porta das assembleias de voto, que costumam ser tomados como dados definitivos. As rádios e as televisões, em feroz competição, apressam-se, às oito da noite, a dar os assentos que cada força politica obtém. As sondagens realizadas na porta da assembleia de voto não medem os resultados eleitorais, mas o clima de opinião em que os comícios se desenvolveram. É sim um indicativo do resultado final das simpatias dos votantes.

Neste sentido, convém recordar o conceito de simpatizante esposado por Maurice Duverger. “A figura política do simpatizante é vaga e complexa. O simpatizante é mais que um eleitor e menos do que um membro. Como eleitor dá ao partido o seu voto, mas não se limita a isso. Manifesta o seu acordo com o partido; reconhece a sua preferência política. O eleitor vota em segredo na sua cabine de voto e não revela a sua escolha; a precisão da mesma e a amplitude das medidas tomadas para garantir a descrição do escrutínio mostram a importância do facto. Um eleitor que declara o seu voto não é um simples eleitor: começa a converter-se em simpatizante” (Duverger, 1957,145).

Por assim dizer, as sondagens que se realizam à boca das urnas não fazem senão exigir ao entrevistado que converta o seu voto secreto em público, que passe de eleitor a simpatizante.

Fonte: Jornalismo e Actos da Democracia, 2007, edições MinervaCoimbra.