quarta-feira, maio 02, 2012

Vencemos, mas não convencemos!


Como já vem sendo hábito, remetemos para o dia mundial da liberdade de imprensa, 3 de Maio, quaisquer reflexões sobre os meios de comunicação social, o seu percurso, a sua missão e os desafios que se lhe colocam enquanto peça fundamental na consolidação da democracia. 

Este ano, adivinha-se, os discursos do costume serão apimentados com a recente façanha do nosso país que integra o grupo dos dez países a nível mundial com maior liberdade de imprensa. Trata-se de facto de um feito importante que, contudo, não nos deve envaidecer, mas antes orgulhar-nos e servir-nos de alento para continuarmos a criar as condições com vista a uma comunicação social mais plural, imparcial e, sobretudo, de qualidade. 

O pior é que esta posição de Cabo Verde no ranking da ONG, Repórteres sem Fronteiras, está a inebriar muita gente. São muitos aqueles que confundem, talvez deliberadamente, a esfera de liberdade de que goza a imprensa e os jornalistas em Cabo Verde, com a qualidade da informação produzida. Um bem de valor simbólico indispensável para a formação da opinião dos cidadãos, condição sine qua non para a sua participação activa no processo de tomada de decisão nos assuntos públicos que lhe dizem directamente respeito. 

É inegável que a esfera de acção dos jornalistas cabo-verdianos tem vindo, cada vez mais, a alargar-se e isso não é nenhuma dádiva, resulta antes de um esforço partilhado entre os jornalistas e fazedores de opinião, actores políticos e a sociedade civil hoje mais exigente em relação à prestação dos media.
 
Temos mais jornais (poderíamos ter muitos mais), mais rádios, em virtude da proliferação de estações comunitárias; há mais televisões, embora, volvidos quase cinco anos desde que entraram em funcionamento, a sua afirmação quer como complemento quer como alternativa ao operador público pareça cada vez mais uma miragem. Julgo que o crescimento mais acentuado se regista no webjornalismo e na blogosfera, quiçá responsável pelo alargamento da esfera pública mediática. 

Mas daí a concluirmos que temos melhor jornalismo que o que se faz na Itália, em Portugal, no Brasil e noutros tantos países que têm uma tradição de imprensa muito mais consolidada do que nós, só porque ficamos à frente deles no índice da RSF é não ter a noção do ridículo. Recordo-me de uma passagem do relatório da Repórteres sem Fronteiras segundo a qual a crise económica e financeira que assola a Europa está a contribuir para acentuar o controlo dos governos e dos agentes económicos sobre os órgãos de comunicação social. 

Convém ainda recordar que a definição dos níveis de liberdade de imprensa resulta de um questionário com perguntas muito precisas do tipo: Houve jornalistas assassinados no ano passado no decorrer da sua missão de informar? As autoridades policiais perseguem jornalistas? Os jornalistas são livres para decidirem reportagens a fazer? Existe pressão política nas redacções, etc, etc? 

Olhando para o catálogo de perguntas, e comparando com o que se passa em muitos países, é evidente que Cabo Verde aparece como um oásis nesse deserto de brutalidades contra a imprensa. Mas convém reflectir sobre o seguinte: Se o nosso jornalismo (não confundir com os comentários atentatórios ao bom nome das pessoas) de repente passasse a ser mais acutilante, agressivo no sentido de vigiar, fiscalizar, exigir a transparência e a prestação de contas por parte dos poderes… em suma, se a nossa imprensa se transformasse no verdadeiro contra-poder, será que ostentaríamos tão honrosa classificação? A história recente da democracia cabo-verdiana mostra-nos que não. 

Os decisores políticos tecem loas à comunicação social enquanto esta se prestar aos seus interesses, através de um jornalismo assente nas agendas oficiais, dócil, recheado de conferências de imprensa, seminários, workshops, fóruns e recados e contra-recados vindos da situação e da oposição… próprio de uma caixa de ressonância. Mas quando os media se permitem investigar, criticar, fugir desse “país sentado” e colocam as preocupações dos cidadãos e a procura da verdade no centro da sua missão de informar, os políticos reagem com azedume e com condicionamentos de toda a espécie. 

É verdade que longe vão os tempos em que o ministro da Informação telefonava directamente aos directores dos órgãos de comunicação social dando-lhes orientações em matéria de conteúdo e interferindo de forma descarada no alinhamento dos noticiários. Também não é exagero algum afirmar que paira ainda na memória das redacções a sanha dos assessores brasileiros que a todos submetiam aos caprichos do poder reinante. Uma coisa é certa: Lá porque desapareceu a censura institucional, documentada e indelevelmente acentuada com o carimbo e o lápis azul dos censores, não desaparecem as censuras. Estas são perigosas, porque insidiosas, subliminares, invisíveis, mais daninhas porque não declaradas e, ainda para mais, trazem roupagem nova.