sábado, junho 26, 2010

Aos chicotes da publicidade




A atitude do presidente do conselho de administração dos TACV de mandar retirar publicidade das páginas dos jornais A Semana e Expresso das ilhas, apenas por se ter sentido “afrontado” devido à publicação de matérias que não lhe terão caído no agrado, representa um sinal perigoso à liberdade de imprensa num estado dito democrático.


Felizmente que retaliações do género não são frequentes, embora constituam um risco nada desprezível na relação de dependência dos meios de comunicação social face ao poder económico.

Quem está nestas lides sabe que a influência da publicidade pode assumir dois modelos: Em algumas ocasiões adopta a forma de uma pressão directa sobre os media ou sobre aqueles que neles trabalham, como foi, aliás, a decisão da administração da TACV. Os anunciantes com grandes volumes de investimento publicitário reclamam um certo direito a interferir na actividade dos media, pretendendo alterar o seu conteúdo quando convém os seus interesses e contrariando, assim, a neutralidade e a independência.


Afinal, Sean McBride tem razão quando, ao estudar a influência dos anunciantes na selecção das notícias e o seu eventual papel de censores, conclui: “mesmo se ela não tenta influenciar directamente os textos de opinião e a selecção das notícias, nem por isso a publicidade deixa de ameaçar a liberdade das reportagens, incitando os media a uma certa autocensura, na medida em que a sua própria existência depende desta publicidade. Os media são obrigados a manter boas relações com as suas fontes de financiamento. A qualidade das reportagens pode também ser afectada pelo facto de os media se basearem sobre os critérios mínimos dos gostos do público, a fim de conservar o maior número de leitores e de oferecer as condições mais favoráveis para atrair os anunciantes”.


No caso de Cabo Verde, onde o mercado é bastante incipiente, e os “grandes” anunciantes se resumem a quatro ou cinco empresas que, ainda assim, não vêm a publicidade como um investimento, a retirada intempestiva da publicidade pode criar um sufoco financeiro a qualquer empresa de comunicação social, podendo, inclusive, ditar o seu desaparecimento. No caso do jornal A Semana, parece que esse cenário está, para já, afastado, uma vez que o jornal promete “escrever outras peças mais, sempre que o interesse público assim o ditar”.


Convém lembrar, contudo, que a percentagem da publicidade no montante de receitas dos media – que ascende a cerca de 50% na imprensa escrita – e é praticamente o total no caso da rádio e televisão privadas – confere-lhe um protagonismo chave. Daí a tentação do controlo como, de resto, sublinham Chomsky e Heman, dois renomados especialistas: “Com a publicidade, o mercado livre não oferece um sistema neutro no qual, finalmente, é o comprador que decide. As escolhas dos anunciantes são as que influenciam a prosperidade e a sobrevivência dos media”.

Se vasculharmos a história das relações entre a publicidade e a imprensa, sobretudo a informativa, industrial, constatamos que sempre que o poder económico, o capital, se sente acossado pelo jornalismo, socorre-se dos meios ao seu dispor. Ou seja, manda fechar a torneira do financiamento. É caso para dizer: “quem dá pão, dá castigo”.


A medida do PCA dos TACV, claramente injustificável, até porque estamos a falar do jornal mais lido do país, assemelha-se à atitude do presidente da confederação do grande patronato chileno que, em plena campanha eleitoral que haveria de resultar na eleição do socialista Salvador Allende, enviou uma circular aos seus filiados recomendando-lhes que “se abstenham de financiar projectos jornalísticos em que se ataque permanente e sistematicamente a empresa privada e se ponha em causa o sistema em que se baseia…”

J. Fontaine fez questão de clarificar, quando se referiu ao caso da publicidade, que a confederação actua sempre abstendo-se da política e que não pretende causar dano à liberdade de informação, “já que temos o mais absoluto respeito por todas as opiniões. A única coisa que nos interessa é que os programas em que se ataque sistematicamente a empresa privada não sejam financiados por ela própria, mas por outro tipo de recursos. Mas dentro de um regime de absoluta liberdade de expressão”. A diferença é que estamos a falar de uma empresa que consome o dinheiro de todos os contribuintes cabo-verdianos.

Carlos Santos
Jornalista

sexta-feira, junho 25, 2010

“O que sai na rádio virou facto"

Horácio Semedo, PCA da RTC


É lugar-comum agradecer o convite para participar num evento como este e é da praxe dizer que é uma honra. Para mim é muito mais do que isso porque, para além da minha responsabilidade como Presidente do Conselho de Administração, estou aqui como ouvinte assíduo e apaixonado pela Rádio de Cabo Verde, que escuto desde que acordo até à hora de ir para a cama. Ah! Escuto o Luís Carlos Vasconcelos, na madrugada. Portanto, estou quase permanentemente ligado à nossa Rádio!

A Rádio de Cabo Verde tem realizado, ao longo de décadas, um percurso sempre ascendente e ao lado do desenvolvimento do próprio país. É parte da nossa cultura colectiva que “o que sai na rádio” virou facto e, por isso, ouvir a RCV é saber o que, na realidade, acontece no país e no mundo. Não raras vezes, ouvimos alguém dizer “há dois dias que não sei o que se passa em Cabo Verde e no mundo, porque não tenho ouvido a RCV”.

O Inquérito à Satisfação e Audimetria dos Órgãos de Comunicação Social realizado pela Afrosondagem em Março de 2009 revela que cerca de 8 em cada 10 cabo-verdianos afirmam que nas suas casas, de uma a 4 pessoas escutam a rádio habitualmente, representando um aumento de dez pontos percentuais, comparativamente a 2007.

Isto prova que, apesar da massificação das novas tecnologias e da globalização digital, a rádio está presente, cada vez mais, no dia-a-dia dos cabo-verdianos. Escusado será lembrar que é o meio de comunicação mais popular e mais consumido em Cabo Verde.

O mesmo inquérito conclui que a RCV é a rádio sintonizada com mais frequência por mais de metade dos cabo-verdianos, com 54% a afirmarem que têm o hábito de a sintonizar. A RCV foi indicada espontaneamente por cerca de 4 em cada 10 inquiridos.

Por outro lado, e citando o inquérito da Afrosondagem, a RCV é a rádio que conquista a maior simpatia dos cabo-verdianos no que concerne à avaliação da qualidade de uma forma geral. Em 2009, a Rádio de Cabo Verde liderou a “tabela classificativa” com cerca de 83% de avaliação positiva, contra os 76% alcançados em 2007. Em conclusão, parece que a RCV nem se deu da concorrência que agora lhe bate à porta.


Minhas senhores e meus senhores,
Esta reflexão proposta pela Direcção da RCV não podia acontecer na melhor altura. Apesar do lugar consolidado no rating cabo-verdiano, estamos perante um novo cenário mediático, com mais estações de rádio, mais canais de televisão, mais jornais, mais meios electrónicos. Ao mesmo tempo, o país tem uma nova Constituição, a legislação sofreu fortes alterações e a regulação do sector vai impor novos limites e mais rigor aos fazedores da comunicação social.

No que tange à RCV, em particular, 2010 é um ano de viragem com a assinatura - considero para muito breve - do tão esperado contrato de concessão de serviço público entre o Estado e a RTC. Este instrumento constitui de per si um ponto de ruptura e a largada para uma nova forma de fazer rádio pública.

Considero o contrato de concessão de serviço público um instrumento definidor da rádio pública que se quer para o país nesta nova fase de desenvolvimento do sector de comunicação, em particular, e de Cabo Verde, em geral. De um lado, ou seja dos poderes públicos, há expectativas de uma programação mais abrangente, mais diversificada e cada vez mais próxima de cada cantinho do território nacional e da diáspora. Do lado dos fazedores da rádio, aguarda-se, finalmente, por uma definição clara das competências e responsabilidades da rádio, mas também de mais meios para se conseguir os resultados que os próprios profissionais tanto anseiam.

Por sua vez, a audiência - fiel à sua rádio - continuará a confiar na programação que a RCV lhe irá proporcionar como sendo de qualidade e de referência que satisfaça as necessidades informativas, culturais, educativas, e recreativas dos diversos públicos específicos, e assente no pluralismo, no rigor e na objectividade.

Nesta encruzilhada, surge este evento que reputo de maior importância por permitir ao destinatário final de todo o trabalho da RCV – a audiência – opinar, sugerir, criticar e apresentar as suas ideias sobre a programação e, principalmente, o papel da Rádio de Cabo Verde no actual estágio de desenvolvimento do país.


Subscrevo, por inteiro, a justificação da Direcção da RCV para este encontro ao afirmar que “a qualidade de um serviço público se afirma não apenas pelos conteúdos que difunde mas igualmente pelos processos de participação sociocultural que promove e valoriza”. Este, além de ser um profundo e maduro exercício de democracia, é um processo que permite à RCV e audiência, juntos, trilharem um interessante e comum percurso de confluências e afluências para uma rádio pública de qualidade e de referência.


Prezadas amigas e caros amigos,
O contrato de concessão de serviço público não irá resolver todos os problemas que a RCV enfrenta, inerentes ao nível de desenvolvimento do país e da nossa realidade. Acredito, no entanto, que abrirá novas oportunidades e possibilidades à RCV que, com uma gestão criteriosa e assente em parâmetros administrativos, financeiros, económicos e de conteúdos clara e legalmente definidos, atingirá patamares mais elevados ao nível da sua programação e da capacidade de cobertura.

Entretanto, onde não poderemos ter limitações é em propor, inovar, criar, sonhar. Espero e desejo que este dia de reflexão, seguido da reunião sempre muito criativa do Conselho de Programação da RCV que se realiza a partir de amanhã, seja muito produtivo e que, definitivamente, a RCV, com a participação de todos, dê início a uma nova fase da sua existência e lance as bases para continuar a marcar a pauta como a rádio pública por excelência, num país ainda carente de informação, arquipelágico e com uma diáspora como a cabo-verdiana.

Para terminar, quero felicitar a Direcção da RCV por esta iniciativa, incentivar os profissionais da casa a continuarem com o mesmo zelo e a pensarem uma RCV ainda melhor, agradecer a presença dos convidados e a preciosa ajuda que aqui vieram trazer.

Declaro, finalmente, aberto o encontro de reflexão conjunta para a avaliação da qualidade e diversidade da programação da RCV.