terça-feira, dezembro 20, 2011

Vez e voz aos portadores de deficiência

A Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, em parceria com a ADVIC, lançou, na semana passada, a primeira edição em Braille do jornal Expresso das Ilhas. O projecto, que também irá abarcar os demais semanários, reveste-se de uma dimensão social incalculável.

Não obstante a periodicidade ser, no imediato, mensal, este gesto vai permitir que os invisuais, sobretudo os alfabetizados em braille, acompanhem a actualidade informativa através da imprensa escrita. Num contexto de manifesta carência de conteúdos em formato passível de usufruto por parte das pessoas totalmente cegas ou amblíopes, com baixa visão, a iniciativa é, a todos os títulos, louvável, representando um marco importante na história da imprensa cabo-verdiana.

De acordo com o I Relatório Nacional de Direitos Humanos, em Cabo Verde, não obstante se consagrar em forma de lei que os grupos vulneráveis – em que se incluem as pessoas com necessidades físicas e mentais especiais – devem merecer especial protecção da família, da sociedade e dos poderes públicos, o que pressupõe a observância dos deveres de respeito e de solidariedade para com os portadores de deficiência, existe um quadro de inquestionável défice de inclusão, de protecção e de dignificação dessas pessoas.

Pese embora alguns ganhos tímidos nesta área, nomeadamente, na educação, saúde e cultura, há, contudo, um longo caminho a percorrer rumo à verdadeira inclusão e à satisfação dos direitos humanos das pessoas com necessidades especiais. Infelizmente os media nacionais, temos que o admitir, só colocam a problemática dos portadores de deficiência na sua agenda por força das efemérides ou para publicitar alguma celebração a eles associada. Num mundo em que tudo aquilo que “não passa” na televisão fica na penumbra, torna-se fundamental que essas pessoas não sejam ignoradas pela caixinha mágica, sob pena de a sua aceitação social piorar em vez de melhorar.

Na verdade, se queremos melhorar a acessibilidade, que é como quem diz, a possibilidade de as pessoas usufruírem de bens, recursos ou conteúdos que são colocados ao seu dispor, a abordagem ideal deve ser sempre a do “desenho universal”. Isto significa que tudo o que é concebido procura responder às especificidades ou necessidades do maior número possível de indivíduos.

Uma televisão de serviço público, como é o caso da TCV, que deve reger-se pelo princípio da igualdade – o que pressupõe uma atenção equitativa aos valores das maiorias e das minorias – obriga-se, entre outras medidas, à dobragem de programas em língua estrangeira; ao emprego de tecnologia que permita a conversão das legendas escritas em informação sonora (áudio captioning); à utilização de auto-descrição que se consubstancia na introdução de informação sonora sobre determinados aspectos que são essenciais para alguém que não consegue acompanhar cabalmente a narração visual da história a possa compreender. Essa informação incidirá, designadamente, sobre o contexto, as acções, expressões faciais, gestos e movimentos.

Concordamos que talvez seja pedir à nossa modesta televisão. Pensamos, no entanto, que, volvidos 27 anos de emissão, já é altura de a TCV proceder à tradução para a língua gestual e para a legenda de toda a informação relevante apresentada sob a forma sonora. Já agora, porque não começar pelo Telejornal? É apenas uma sugestão!

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Regulação pela Metade

A regulação efectiva da imprensa poderá tornar-se realidade, depois de anos de profunda letargia em esteve embalado o conselho de comunicação social. Os estatutos da nova entidade administrativa independente foram aprovados no início deste mês pelo parlamento, abrindo assim as portas a uma etapa que se adivinha morosa, complexa, uma vez que requer aturadas negociações entre as duas principais forças políticas. Estamos a falar, obviamente, da escolha das personalidades que irão integrar o órgão regulador.

Apesar de se tratar de um órgão constitucionalizado, que se espera venha a ter poderes alargados no domínio dos media, as dúvidas quanto à sua independência em relação ao poder político vão existir sempre – convém, aliás, não esquecer que esta autoridade nasce por influência do poder político, e não da própria imprensa -, sobretudo devido à composição e nomeação dos seus membros. O pior que poderá acontecer à ARC é transformar-se em arena para barganhas político-partidárias. Estará ferida de morte! Por isso, do regulador espera-se maturidade e credibilidade. Ela não se compadece com amadorismos.

Embora a lei não exija competências académicas e um saber fazer específicos, os membros da Autoridade Reguladora deverão ser personalidades públicas reconhecidas, com curricula inatacável adequado à missão. Devem pelo menos possuir competências a nível de coordenação de estudos técnico-científicos; de projectos de investigação no sector, e, pelo menos, experiência de docência na área dos media e da comunicação. Sem esse arcabouço, os membros deparar-se-ão, porventura, com fragilidades e dificuldades no seu desempenho, o que poderá levar a ARC a defraudar as legítimas expectativas dos cidadãos em relação à sua acção de regulação dos media.

Infelizmente a Autoridade para a Regulação da Comunicação Social nasce amputada de um dos pilares que sustentam a sua credibilidade e independência. Ao recusar à ARC a competência para a atribuição de licenças para o exercício da actividade da rádio e televisão, o parlamento mostrou não estar sintonizado com os rumos que a regulação deste sector tem vindo a trilhar desde a década de 80, com a desregulamentação e a queda dos monopólios do Estado nestes dois meios.

Fosse a Constituição da Republica a atribuir à ANAC a responsabilidade pelo licenciamento de canais de rádio e televisão, até se compreenderia. Escudar-se em legislação ordinária, com a tese de que o ordenamento jurídico cabo-verdiano assim o determina, ou que não fica bem ao regulador ser juiz e player (autorizar o funcionamento) ao mesmo tempo, acabam por ser argumentos falaciosos. Pode-se, já agora, perguntar, por que motivo deve ser a ANAC a atribuir licenças para o exercício da actividade da rádio e televisão, quando ela apenas responde pelos parâmetros técnicos dos candidatos submetidos a concurso. Por exemplo, no caso de um canal não estar a cumprir o seu caderno de encargos, que fará a ANAC? Mandará, por e simplesmente, cortar o sinal? Neste caso, seríamos forçados a concluir que a agência nacional de comunicações teria competências para fiscalizar a execução da programação, o que não é o caso. Infelizmente, o parlamento optou por sobrevalorizar a regulação tecnológica (e nalguns casos, económica), em detrimento daquilo que é a essência do sector mediático, os conteúdos, e que importa de facto salvaguardar.

A experiência de vários países onde existem entidades ou autoridades com as responsabilidades e a filosofia que se pretende para a ARC, mostra que a competência para o licenciamento de canais é um das principais funções do regulador dos media.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a Federal Communications Comission (FCC), em matéria de comunicação social, exerce competências que se estendem desde a outorga, renovação e cancelamento de licenças para o exercício das actividades de rádio e televisão, ao controlo das respectivas emissões. Em França, o Conseil Superieur de l’Audiovisuel (CSA) detém o poder de nomeação de quatro membros do conselho de administração da rádio e da televisão públicas, incluindo os respectivos presidentes, o que constitui uma importante garantia de independência dos órgãos de comunicação social públicos perante o poder político. Ora aí está um exemplo a seguir em relação ao modelo de governação da RTC. As questões relativas à gestão do espectro radioeléctrico passam também pelo CSA, que para além de disponibilizar frequências para as emissões radiofónicas e televisivas, planifica as redes de difusão no que concerne à sua extensão e desdobramentos.

Em Itália, a Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni assume tarefas de regulação, controlo, administração e arbitragem nos sectores das telecomunicações, rádio, televisão e imprensa. Comete à AGC, através da Comissão para as Infra-estruturas e redes, a elaboração e aprovação dos planos de atribuição de frequências. Em Inglaterra, a rádio e a televisão privadas são reguladas pelo Office of Commucations, entidade com intervenção alargada a todo o sector das comunicações electrónicas. Compete a OFCOM, na prossecução do interesse dos cidadãos e consumidores, assegurar a gestão do espectro radioeléctrico, a disponibilização de um leque alargado de serviços de comunicações electrónicas e de serviços de programas de rádio e de televisão de qualidade, abrangentes e plurais, bem como a defesa das audiências perante a difusão de conteúdos prejudiciais, ofensivos, desequilibrados ou que ponham em causa a privacidade das pessoas. O sector público de rádio e televisão é representado pela BBC.

Em Portugal, a ERC herdou as competências da Alta Autoridade para a Comunicação Social em matéria de atribuição de licenças para o exercício das actividades da rádio e televisão. Ou seja, sempre que nos interessa copiamos a legislação e imitamos as instituições portuguesas, quando não nos convém, inventamos a nossa caboverdura. Assim, não admira que em matéria de liberdade de imprensa estejamos no pelotão da frente!





quinta-feira, dezembro 01, 2011

Jornalismo para o Desenvolvimento

José Mário Correia não se limita nesta obra a reconstruir os aspectos ligados ao funcionamento da agência nem tão-pouco às condições materiais de produção da informação. O autor discorre também sobre a orientação editorial que decorre dos dispositivos legais que norteiam a actuação da agência. Escorado na tese de que a notícia varia consoante as épocas históricas, os regimes políticos e os sistemas sociais, Correia admite, que ao longo da sua existência, o órgão guiou-se por quase todos os modelos de jornalismo. Não obstante esta incursão, a agência sempre lidou mal com a parcialidade e a subjectividade jornalísticas… com o jornalismo de cumplicidade.

José Mário não tem dúvidas: o jornalismo para o desenvolvimento é o modelo que atravessa toda a história da Cabopress/Inforpress. Esta asserção baseia-se no facto de sobressair dos suportes legais indicações claras sobre que tipo de jornalismo se esperava que a agência fizesse: Uma prática jornalística virada, particularmente, para o combate ao analfabetismo e à pobreza, à promoção do homem e da mulher, educação cívica, saúde, cultura, luta contra a violência, enfim para o desenvolvimento humano de Cabo Verde.

As necessidades de desenvolvimento sobrepunham-se à liberdade de imprensa. Era o pensamento político e ideológico das décadas de 70 e 80 que traçava o rumo ao jornalismo. Pedro Pires, então Primeiro-Ministro, citado pelo autor, desfaz todas as dúvidas sobre qual deveria ser a responsabilidade da comunicação social no processo de desenvolvimento de Cabo Verde: “a comunicação social não deve ignorar o grande esforço que está sendo feito com vista à viabilização económica do país (…) ela deve ajudar a incutir isso na cabeça das pessoas (…) Não há comunicação social apolítica. Os jornalistas não devem só pôr fora a notícia, mas, primeiro, têm de saber qual o impacto que ela terá nas pessoas.”

Vale lembrar que a teoria do jornalismo de desenvolvimento preconizada e adoptada pelo relatório MacBride, na década de 70, defende que a imprensa deve cooperar com os esforços de desenvolvimento das jovens nações surgidas após a descolonização, utilizando a informação como “recurso nacional” e “meio de educação”.

O jornalismo de desenvolvimento prefere as notícias positivas às negativas, privilegia os processos e não os acontecimentos; escolhe o tom pedagógico em detrimento do efeito espectacular.

Há outras características essenciais: opta pela cooperação com os governos das jovens nações pós-independência, pondo de lado o antagonismo e a suspeição perante o poder político que constituem o núcleo central, se não da realidade, pelo menos da teoria e da encenação do jornalismo ocidental.

Até 1997, altura em que é substituída pela Inforpress, a Cabopress manteve-se amarrada ao mesmo modelo jornalístico. Apesar de o país ter abraçado a democracia o apego ao jornalismo para o desenvolvimento encontra suporte legal.

Ainda hoje, as marcas do jornalismo para o desenvolvimento estão bem patentes na lei da comunicação social, cujas alterações introduzidas no ano passado atestam as intenções do poder político: o nº 2 do artigo 5º diz taxativamente que “a comunicação social constitui-se em parceira do desenvolvimento e, nesta medida, tem ainda por função a) incentivar e apoiar políticas económicas e serviços de qualidade; e) facilitar o acesso dos agentes culturais, económicos e outros aos órgãos de comunicação social para divulgação dos seus produtos e serviços. O estado pode premiar os órgãos de comunicação social que melhor contribuírem para a defesa da cidadania, o desenvolvimento e a notoriedade da economia nacional, é que estipula o nº 4 desse artigo.

Informatização / Modernização Tecnológica

A introdução de novas tecnologias já não podia ser mais adiada. A produção artesanal de informação que marcou uma boa parte da história da inforpress já não fazia mais sentido. No entanto, a agência teve que esperar até 1990 para ver os primeiros computadores – os famosos Tandy 102 e os COMPAQ, financiados pela UNESCO.

Convém sublinhar que antes de as máquinas chegarem às redacções da Cabopress/Inforpress, os profissionais viveram tempos difíceis. Se os jornalistas perdiam muito tempo na elaboração de um único texto, com o recurso às famosas máquinas Querty e Azerty, já o teletipista atrapalhava-se no momento de manipulação do dispositivo de perfuração das fitas, em resultado das dificuldades de descodificação de textos, muitas vezes manualmente elaborados.

O processo de modernização tecnológica da Inforpress tem altos e baixos. A adesão à auto-estrada de informação e comunicação foi protelada durante vários anos. Para a montagem da sua website na internet, uma vez mais, o apoio técnico da LUSA se revelou decisivo. Era preciso fazer face aos desafios da internet e tirar partido do poderoso mundo da diversificação e da multiplicação da informação e da sua globalização.

Pior Crise da Agência / Idade de Ouro

A partir de 2006 a Inforpress experimenta o regresso ao passado, já não havia site, a agência praticamente descaracteriza-se funcionando à margem da sua função primeira: recolha, selecção, tratamento final da informação e distribuição aos órgãos, mediante pagamento em prazos fixos e de acordo com as leis e costumes comerciais… assegurando desta forma um serviço de informação completo, imparcial quanto possível.

A Agência continuava a perder clientes. A solução passava por oferecer aos clientes um produto de qualidade. O descalabro é visível com reflexos no trabalho jornalístico. A descrição que o autor faz desse período não iluda, a empresa estava em vias de fechar as portas. Oiçamo-lo: “A produção era extremamente baixa, a diversidade noticiosa fraca e a actualização das notícias processava-se de uma forma muito lenta. Confundia-se informação com notícia e quase tudo quanto era divulgado privilegiava a informação geral e tinha como base os comunicados e as notas de imprensa.

Alguns jornalistas haviam perdido o empenho em dar a volta ao texto. Notava-se uma grande inércia em nada combatida, nem pelo director nem pelos editores. Estes não conseguiam contrapor dinamismo à sonolência laboral instalada. Os jornalistas esperavam que lhes fosse distribuído trabalho pela chefia. Faziam apenas o que lhes apetecia ou era pedido.

A rapidez na escrita de uma notícia e na sua distribuição imediata – não era uma realidade. Tornou-se quase que imperativo interromper diariamente a distribuição de notícias por várias horas por altura do almoço, dado a inexistência do editor de serviço. Para quem não sabe as portas da inforpress eram, até essa altura, encerradas aos fins-de-semana e feriados, impreterivelmente. A agência possuía um reduzido corpo redactorial, mas podia fazer muito mais. Tudo uma questão de agendamento e de programação.

Como diz o povo, depois da tempestade, vem a bonança. José Mário Correia considera 2007 e 2008 como os anos de glória para a inforpress. Depois de anos a trabalhar no vermelho, finalmente, a empresa recebia do Estado alguma verba para modernização tecnológica.

Utilizador / Pagador

A aposta numa nova plataforma digital traz ganhos evidentes, com destaque para a rapidez, instantaneidade, e maior eficiência no processo de produção e distribuição do seu produto informativo. Esta nova janela de conteúdos aberta em 2007 coloca a agência, pelo menos neste domínio, em pé de igualdade com muitas das suas congéneres espalhadas pelo mundo virtual. Mas os investimentos não se restringiram à rede. Agência apetrechou os jornalistas com equipamentos de reportagem. O actual presidente do Conselho de Administração da Inforpress acredita que hoje existem condições para que a redacção evolução para mais de 100 despachos diários.

É esta “verdadeira transformação nas regras de produção e difusão de informação”, para utilizar uma expressão do autor, que estimula a empresa a avançar para o princípio utilizador / pagador. Trata-se de um momento de viragem que doravante exige uma qualidade muito superior. É uma mudança de paradigma: o acesso gratuito aos conteúdos é substituído pelo princípio de quem utiliza paga.

A administração da empresa tem consciência de se trata de um passo ousado, que engendra algum risco. Por isso, dirigindo-se por carta aos jornalistas, José Mário Correia apela a um profissionalismo total: “se é verdade que cada um pode escrever um texto, resultará em verdade inequívoca que o melhor texto jornalístico – esse que mais interessa ao utilizador pagador – só sairá da pena daquele que se entregar a fundo. Daquele que for simultaneamente hábil, rápido e rigoroso. Daquele que se revelar correcto em termos linguísticos. Daquele que cultivar e lograr o acesso às melhores fontes. Daquele que não se der conta do passar das horas. Daquele que fizer da actualidade e do rigor ético e deontológico a sua bíblia de todos os dias. Os clientes exigirão rigor textual, rapidez, novidade, diversidade, persistência e credibilidade.”

Desafios da Inforpress

Desenganem-se aqueles que pensam que Da Cabopress à Inforpress – Duas décadas de Jornalismo - narra apenas o percurso histórico e as peripécias porque passou a agência nestes 27 anos de funcionamento. O autor antecipa também os principais desafios que se colocam “ao grossista de informação”. Vejam apenas alguns:

A activação dos serviços de Inforpress TV e Inforpress Rádio. É projecto acalentado há vários anos e que poderá ser concretizado já no próximo ano. No fundo, está-se a dar sentido a noção de convergência tecnológica na sua dimensão avança de multimédia. Basicamente a Inforpress quer passar a efectuar um número razoável de serviços diários de recolha de vídeo/imagem, e som da palavra (registos áudio) que serão depois colocados à disposição das televisões e rádios mediante pagamento.

A agência ambiciona uma evolução para o jornalismo especializado, o que, a breve trecho, redundará em ganhos na profundidade investigativa, assim como na produção de textos mais acutilantes.

O Estado, afirma o autor, deve assumir as suas responsabilidades para com a Inforpress SA, reconhecendo clara e descomplexadamente a importância e o interesse público dos serviços noticiosos e informativos por ela prestados, e abrindo espaço a assinatura de um contrato-programa.

Convém recordar que é Estado quem suporta o orçamento de funcionamento e investimento da inforpress. Um financiamento que se tem revelado, segundo a administração, magro e insuficiente para abandonar em definitivo a carácter amador, provinciano e local, próprio da doméstica agência nacional preconizada nos anos 2000.

No entanto, conclui José Mário Correia, de nada valem os investimentos se a Inforpress não evoluir para uma actualização noticiosa mais rápida, se a produção geral for baixa e a diversidade da notícia não se fizer sentir; se a agência não conseguir fixar sua agenda nacional própria.

Dito de forma mais simples: QUALIDADE PRECISA-SE!

sábado, novembro 26, 2011

Da Cabopress à INFORPRESS - Duas décadas de Jornalismo

Esta obra reveste-se de suma importância uma vez que vem preencher uma lacuna existente em termos do conhecimento histórico de Agência Cabo-verdiana de Notícias. Há com efeito um desconhecimento a nível quase geral do funcionamento de uma agência de notícias. Ao contrário dos jornais, da televisão, do jornalismo online e da rádio, as agências noticiosas não têm merecido a devida atenção por parte dos académicos, dos investigadores, não obstante a sua importância na paisagem mediática.

São órgãos de comunicação social que trabalham para outros órgãos. A sua actividade enquanto “grossista de informação” desenvolve-se nos bastidores da arena mediática, e só indirectamente se reflecte no diário informativo das ocorrências notáveis promovidas a notícia. Para muitos de nós as agências de informação constituem entidades abstractas, das quais temos apenas um conhecimento muito superficial. Só nos percebemos da sua existência quando lemos ou ouvimos frases como: “uma informação de última hora; de acordo com o despacho divulgado há instantes pela agência Inforpress...”; “esta é uma informação avançada pelo correspondente da agência LUSA na cidade da Praia…”

Trata-se com efeito de um desconhecimento imerecido e prejudicial para a compreensão do funcionamento do campo jornalístico, pois, mostra a realidade, as agências noticiosas desempenham um papel fulcral na recolha, filtragem e difusão de notícias. Constituem importantes “gatekeepers”, ou, se quisermos, os decisores primários das ocorrências que poderão ascender à notícia e das que permanecerão ignoradas. Podemos então concluir que as agências são definidoras por excelência da agenda jornalística.

Quem conhece, minimamente, a história da imprensa cabo-verdiana sabe que durante muito tempo a informação internacional chegava até nós através das agências mundiais. Facto possibilitado pela instalação do primeiro-cabo submarino na cidade do Mindelo, em Março de 1874, passando o arquipélago a estar no cruzamento dos cabos que uniam os grandes continentes.

À laia de curiosidade, importa referir igualmente que foi por causa da agência, no caso, a Press Lusitânia, que a radiodifusão nasceu em Cabo Verde, em Maio de 1945. É pelo menos o que nos conta Manuel Tomas Diaz, considerado o pai da Rádio Praia, que depois viria a evoluir para a Rádio Clube de Cabo Verde.

Se a rádio nasceu de iniciativa privada, a agência cabo-verdiana de notícias é um projecto pensado e concretizado pelo Estado. Ao contrário do que foi a génese daquela que é considerada a primeira agência mundial, a Havas, fruto da perspicácia do poliglota, ex-banqueiro e ex-negociante, Charles-Luis Havas, nos idos de 1835, em Cabo Verde é o Estado (através do Governo) que reconhece a importância de uma agência nacional de notícias.

Desde logo, a agência deveria contribuir para reforçar os laços entre os cabo-verdianos residentes e os milhares de conterrâneos espalhados pelas sete partidas do mundo. Impunha-se também como forma de preservar a soberania nacional, reforço da coesão e identidade nacionais.

Era um serviço personalizado do Estado e como tal não devia pôr-se à margem do processo de desenvolvimento do país. Pelo contrário, a agência era vista como uma aparelho fundamental para consciencializar os cabo-verdianos da ingente tarefa de reconstrução do Estado que acabara de ascender à independência.

Aristides Pereira, o primeiro Presidente da Republica, citado pelo autor, clarifica a missão da futura agência cabo-verdiana de notícias, num contexto em que era imperioso “fazer face aos poderosos meios de difusão de ideias existentes, que chegam a dissolver as fronteiras nacionais”. À informação estava pois reservado um papel decisivo na preservação da nossa personalidade, do nosso património cultural e na informação e formação do homem novo, indispensável para a reconstrução do país.

À agência estava reservado um papel militante e pedagógico. Devia, no dizer do então secretário de Estado-Adjunto do Primeiro-Ministro, tutela da comunicação social, Corsino Fortes, levar a “verdade” a todos os cantos da nossa terra, seja ela a bela verdade das nossas vitórias e conquistas, seja o reconhecimento humilde dos nossos erros. A informação deveria ecoar em todos os cantos do nosso país cada passo dado no sentido de ultrapassar o desastre económico e a injustiça social que herdamos, indo assim ao encontro das imensas esperanças que conseguimos despertar no povo.

Esta imposição de sentido põe em causa alguns princípios basilares de uma agência de notícias: ela não toma partido em conflitos políticos ou armados, nem em questões sociais, laborais, religiosas ou ideológicas. Não tem opiniões, simpatias ou antipatias. É rigorosamente factual. A sua missão é informar, transmitindo aos clientes os acontecimentos de que tem conhecimento.

Ainda assim, importa enquadrar essa opção política/editorial no contexto social, político e económico em que surge. Para já, como lembra José Mário Correia, o país vira-se para dentro tentando refazer-se do golpe de estado que pusera fim à integração política e económica de Cabo Verde com a Guiné-Bissau.

Estamos em plena Guerra Fria. Uma nova estrutura dos sistemas internacionais de informação instituiu uma espécie de (re) divisão global das agências de notícias: do lado capitalista: AP, UPI, Reuters e AFP, constituíram um novo oligopólio, apelidadas de “Quatro Grandes” (ou Big Four), enquanto a TASS de Moscovo actuava como agência principal no bloco socialista, embora não exercesse monopólio de recolha e distribuição nos países satélites.

O terceiro mundo, por sua vez, ficou a mercê das quatro ou cinco agências internacionais, que detinham não só as tecnologias de transmissão como praticavam preços competitivos. Nos países em desenvolvimento, portanto, o jornalismo de agência foi desenvolvido como uma espécie de resposta às frustrações com a cobertura feita pelas agências do “Norte” (incluindo aí não só as potências ocidentais, mas também a URSS) e com um acentuado papel político no processo de construção das identidades nacionais que se seguiu à descolonização.

Em diversos casos, as agências nacionais eram uma questão de política de Estado, o marco regulatório sobre as suas actividades frequentemente lhes garantia o monopólio sobre a assinatura e a redistribuição interna do conteúdo das agências internacionais. Graças a esta estratégia, as agências nacionais do mundo em desenvolvimento exerciam um filtro primaz sobre o que se passava e dizia no exterior – particularmente o que fosse publicado a respeito do próprio país em questão. A agência era a mão do Estado fechando e abrindo, directamente, a porteira do gatekeeping, numa altura em que não existia a Google à disposição para mapear, buscar ou encontrar outras fontes de informação.

Na África, a enorme diversidade do continente e o longo e desigual processo de descolonização impedem uma categorização uniforme do jornalismo de agências africano. Contudo, podem-se detectar alguns traços comuns: o carácter demasiado oficial (institucional) no tratamento das matérias, por exemplo, a atenção dada a assuntos de viés positivo (em contraste com a ênfase em guerras, violência, tragédias naturais e humanas, dadas pelas agências transnacionais…

Além disso, as agências africanas foram pioneiras nas iniciativas de cooperação com as agências de outros países em desenvolvimento para ampliar e melhorar a circulação de notícias no sentido Sul-Sul, e não só Sul-Norte. É basta ver como as agências do Gana e da Nigéria lideram o movimento pela formação da agência de Noticias Pan-Africana (PANA), até hoje existente. Aliás, como nos faz saber José Mário Correia, a Cabopress mal viu a luz do dia, tratou de tecer uma parceria com a PANA, que era descrita pelo seu director como uma “voz africana para distribuir a sua informação sobre África… informação que é parte da soberania dos estados-membros…”

João Nobre de Oliveira, autor da monumental História da Imprensa Cabo-Verdiana (1820-1975), citado pelo autor, é mais peremptório na definição do controlo dos media pelo regime: “O peso do Estado na imprensa em Cabo Verde independente era assumido naturalmente pelo Governo do PAIGC. Este partido via-se a si próprio como o partido guia da sociedade, com legitimidade conquistada na luta pela independência e por conseguinte com legitimidade para impor o rumo que achava melhor à sociedade. Como todos os regimes de partido único, o PAIGC procurou controlar todos os mecanismos do exercício do poder e a imprensa era vista apenas como mais um desses mecanismos. Assim definiu muito rapidamente uma política para o sector e levou-a a cabo.

Se do ponto de vista político e a ideológico havia um rumo traçado para a agência, o mesmo não se poder dizer em relação às condições logísticas e humanas para o seu funcionamento. Criada oficialmente em 1984, embora os preparativos remontem a 1981, só em 86, o governo dota a Cabopress de um quadro de pessoal restrito, colocando-a em desvantagem em relação aos demais órgãos. A ausência de profissionais com perfil adequado é uma das razões que justificam o adiamento do início de funções da Cabopress. Não havia jornalistas na praça. Os poucos que existiam estavam integrados nos outros órgãos de comunicação social, nomeadamente, na RNCV, TNCV, Voz di Povo e Tribuna. Portanto, a agência precisava de gente que soubesse fazer um jornalismo especializado de agência.

A lógica de funcionamento da agência é a do funcionalismo público. Os directores e colaboradores estão ao serviço de uma Secretaria de Estado, que tinha a prorrogativa de definir as linhas gerais da actuação dos mesmos. A Cabopress estava totalmente dependente do Estado, entidade que suportava todo o orçamento de funcionamento e investimento da empresa e, naturalmente, decidia, sobre o perfil dos seus dirigentes e conformava os suportes legais que lhe conferiam existência formal.

1997 é o ano charneira na história da agência cabo-verdiana de notícias. Foi nesse ano que Cabopress foi extinta, 13 anos após a sua criação (1984) para dar lugar à Inforpress EP (1997). Portanto, no total são 27 anos de funcionamento, comemorados há dias com o fórum internacional das agências e o seu papel no reforço da democracia. Um percurso que esta obra pretende assinalar.

Não houve apenas a mudança de nome de Agência. Tratou-se, como explica o autor, de uma transformação do ponto de vista do reforço do poder dos órgãos de gestão, da própria filosofia de acção do meio, com a inforpress a assumir uma vocação empresarial. Os ventos da democracia também sopravam pela agência. Em teoria a Inforpress EP estava mais livre para agir.

Se a Cabopress encontrava-se amarrada aos Decretos e regulamentos, a Inforpress EP passa guiar-se por estatutos próprios. Um respaldo para a expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, permitindo-se, ao mesmo tempo, o fomento da participação cívica, social, cultural e política dos cidadãos. De igual modo, garantia-se “ a independência dos jornalistas e a liberdade de expressão e de informação (…) tendo como limites o direito de todo o cidadão à honra e o bom nome, à imagem e à intimidade da vida familiar.”

A tutela ocupar-se-ia mais da criação das condições para o exercício da actividade jornalística, dando mostras de querer afastar-se do controlo dos conteúdos. Pela primeira vez aparece o Conselho de Utentes, um órgão de consulta da Inforpress, com responsabilidades na definição da qualidade dos conteúdos e do pluralismo de expressão. No entanto, a tentação do poder político de se imiscuir na esfera editorial dos órgãos (uma vez que havia também o jornal Horizonte) ainda fala mais alto. É assim que o Governo se reserva o direito de designar três cidadãos de reconhecida idoneidade e competência para o Conselho de Utentes.

Com a reestruturação dos meios da comunicação social operada em 1997, dá-se a junção administrativa da agência noticiosa e Novo Jornal de Cabo Verde, na forma da Inforpress EP. Isto, apesar de alguns pareceres em sentido contrário. A própria Lusa advertia que a “fusão da Cabopress com o Novo Jornal (…) é mais um elemento de agravamento das dificuldades, em virtude da duplicação de redacções e outros serviços.

Diga-se, como de resto no-lo demonstra José Mário Correia, que desde o início o processo de reestruturação se revelou conturbado, com protestos generalizados do colectivo profissional dos dois órgãos fortemente apoiados pelo sindicato. Os trabalhadores diziam-se marginalizados em todo o processo para a qual não haviam sido minimamente envolvidos.

Franklin Palma, jornalista, que desempenhara funções de director e membro do conselho de administração da Inforpress, em declarações recuperadas pelo autor, confessa não guardar boas recordações desse controverso processo que juntou a agência e o jornal: “Há uma triste memória dessa coabitação, senão mesmo a pior fase da agência que, em meados de Setembro de 2000, viu a sua redacção tomada de assalto pelas hostilidades do exército do jornal Horizonte comandado por Apolinário das Neves assessorado por um grupo de brasileiros ao serviço do MPD/Governo de Carlos Veiga.”

A empresa parece afundar-se em dívidas para com terceiros, nomeadamente junto do Fisco e do INPS, para além de outros fornecedores. Na verdade, o percurso que vai da Cabopress à inforpress é descrito pelo autor como penoso e eivado de atritos, se se tiver em conta a própria história dos sucessivos periódicos (Voz di Povo, Novo Jornal de Cabo Verde, e Horizonte) que estiveram directa ou indirectamente ligados à empresa.

Assim que ganhou as eleições, em 2001, governo do PAICV confirma a sua determinação em desengajar-se da imprensa escrita. De resto, havia estudos que demonstravam que as dificuldades de sobrevivência do Horizonte iam absorvendo também os recursos da Agência. Esta era cada vez mais arrastada para uma posição de menor relevância no contexto dos órgãos de comunicação social, perdendo assim a quase totalidade dos seus clientes. Com a agência em situação de agonia, a ministra Sara Lopes ironizava, no encerramento do Fórum Comunicação Social em Momento de Viragem, realizado em 2006, que “o Horizonte comeu, literalmente, a agência de Notícias, ficando com todos os recursos humanos e financeiros e a agência praticamente desapareceu.”


Texto de apresentação do livro "Da Cabopress à Inforpress - Duas Décadas de Jornalismo"

Continua