sábado, outubro 13, 2012

Os magos da gestão moderna


Os trabalhadores da RTC vão para greve nos dias 18 e 19 deste mês. Importa saber como chegamos a este ponto. Desde logo, convém sublinhar que a nossa luta não se restringe ao atraso no pagamento do salário de Setembro. 

Ela visa também garantir o direito de o trabalhador receber a sua retribuição numa data fixa, como, de resto, estipula a lei laboral. Quem tem acompanhado mais de perto o funcionamento da Rádio Televisão Cabo-Verdiana nos últimos anos, sabe que a instabilidade no pagamento dos salários tem sido uma constante. Uma situação que coloca os colaboradores da empresa numa situação de stress, desmotivação e incerteza quanto ao futuro.

Na verdade, o atraso no cumprimento, por parte dos gestores da empresa, das obrigações para com os trabalhadores é, se quisermos, a ponta do iceberg, de uma crise que se adivinha bem mais funda. A sustentabilidade da RTC está claramente em causa. O modelo de financiamento do serviço público de rádio e televisão há muito que se esgotou. 

A Constituição da República diz taxativamente que o Estado garante o funcionamento do serviço público de rádio e televisão. Do nosso ponto de vista esta imposição constitucional está claramente a ser negligenciada. Estamos a falar de um bem simbólico essencial para a democracia. 

Ao longo dos últimos quatros anos, a RTC foi contaminada por um estilo de gestão completamente fechada, no mais absoluto secretismo. Como se a empresa fosse uma coutada dessa gente que faz do “quero, posso e mando” o estilo de liderança, esquecendo-se que estamos a falar de um operador que presta um serviço, cujo financiamento depende quase 80% do dinheiro dos contribuintes. É no mínimo intrigante como é que uma empresa que “gere” dinheiros públicos não presta contas aos cidadãos, e muito menos aos trabalhadores. 

Durante o mandato de que se orgulha o presidente do CA da RTC, por ter batido o recorde de longevidade - como se passar mais tempo à frente de uma empresa fosse sinónimo de boa gestão - os planos estratégicos e de actividade, os projectos, a visão, os relatórios de actividades e contas da empresa (se é que alguma vez existiram) foram deliberadamente sonegados aos trabalhadores. 

É verdade que a saúde financeira da empresa não foi a mais famosa, ou, para utilizar uma expressão do dr. Horácio Semedo ela é “a mesma de sempre”. Se assim é, como se explica que a RTC tenha honrado, num passado recente, os seus compromissos para com os trabalhadores e, ainda, fez ela própria avultados investimentos. Quem lê o relatório de actividades e contas da RTC referente ao ano de 2007, nunca haveria de prever que hoje a empresa estivesse a passar hoje pelo cabo das tormentas, às portas da implosão. 

Diz o actual conselho de administração que a ELECTRA deve neste momento à RTC mais de 150 mil contos. Isto significa que já lá vão mais de sete meses que a empresa de produção e distribuição de água e electricidade não transfere um único centavo à Rádio Televisão Cabo-Verdiana. Como é possível que gestores que recebem um salário superior ao que aufere o primeiro-ministro deste país, além de outras benesses, tenham permitido que a divida galgasse a este montante?

É o eterno fado deste país. Os decisores públicos não prestam contas dos seus actos, não são responsabilizados. Agora grita-se por socorro do Estado, claro! Que venha o Governo extinguir o fogo ateado por esses magos de gestão moderna. Devo recordar que por causa de “gestores” dessa estirpe, na sua história recente, a RTC já foi saneada financeiramente duas vezes pelo Estado. Como dizia noutro dia um trabalhador, se calhar seja mais previdente facultar à administração da Electra o número da nossa conta bancária para que nos transferira mensalmente o dinheiro das taxas.

No final do ano passado o PCA da RTC prometia-nos que, em breve, a empresa teria o seu próprio satélite e, mais, a TCV teria um segundo canal. Promessas que só quem não conhece este sector se atreve a fazer. Bem, de todo o modo, importa saber como é que passamos da euforia à lamúria… o que se passou entretanto para estarmos de novo de mãos estendidas ao Governo, transformados em chacota nacional? Até quando?