Ainda não
consegui perceber muito bem por que razão a presidente da AJOC se mostra tão
surpreendida pelo facto de os jornalistas terem sido ignorados na composição da
Autoridade Reguladora para a Comunicação Social. Quem acompanhou com alguma
atenção o processo de criação da ARC ter-se-á apercebido que desde o início da
constituição dessa entidade, a intenção dos dois maiores partidos políticos foi
a de impedir que os jornalistas tivessem uma palavra a dizer no seio do órgão
que, em princípio, vai regular a actividade desenvolvida pelos media nacionais. Em abono da verdade,
importa ressalvar que a proposta de lei inicialmente submetida ao parlamento
pelo Governo destinava dois assentos aos jornalistas, para cuja eleição
deveriam sujeitar-se à logica político-partidária (ainda que num quadro
parlamentar) que tem marcado a escolha dos membros.
Pelo que retive
do calor dos debates, essa ideia de ter os regulados dentro do regulador nunca
foi do agrado do maior partido da oposição. No entanto, para o MPD era
impensável que do rol de competências da futura Autoridade Reguladora não
constasse a de emitir, suspender e revogar licenças de emissão às operadoras de
rádio e televisão. Lembro-me de ter ouvido a deputada Eva Marques, na declaração
de voto, afirmar que o seu partido tinha votado formalmente o diploma porque
reconhecia a importância de uma entidade reguladora independente para o sector
da comunicação social, mas que, ainda assim, o partido iria levar uma série de
propostas para a comissão especializada para eventuais entendimentos com o
partido que sustenta o Governo, o que poderia ditar a votação final.
Desconheço os
meandros das negociações havidas nessa tal reunião da comissão especializada,
mas julgo que o que terá acontecido foi, basicamente, um conluio entre os dois
partidos. Explico-me: o PAICV, que suporta o governo, deixou cair a
obrigatoriedade da presença de jornalistas no órgão regulador; o MPD, por seu
turno, abdicou da exigência de se dotar o conselho regulador de competências
para o licenciamento dos canais de rádio e televisão. Um recuo que, está visto,
enfraquece a entidade reguladora, uma vez que esse poder, usado, por vezes, de
forma discricionária, ficou nas mãos do Governo, através da Direcção Geral da
Comunicação Social. Neste momento o que se assiste é uma manobra de transferir
estas competências para a ANAC, agência que se prepara para acolher, em breve,
os quadros e o fiapo de atribuições da DGCS.
Aquando do
debate no parlamento, o ministro da tutela, confrontado com esta questão,
respondeu muito candidamente, como se isto fosse uma coisa de somenos, que de
entre os múltiplos modelos de regulação da comunicação social existentes por
este mundo fora, Cabo Verde adoptou um. Ora, não é preciso ser jurista para ver
que o estatuto da nossa ARC é uma cópia à letra do estatuto da ERC portuguesa.
Faço, contudo, notar que desse meticuloso labor jurídico, foram ignoradas duas
normas que são o fulcro de toda e qualquer acção regulatória neste campo.
Atentemo-nos ao que diz a lei da Entidade Reguladora para a Comunicação Social
no concernente às competências do conselho regulador: “Atribuir os títulos habilitadores do exercício da actividade de rádio e de
televisão e decidir, fundamentadamente, sobre os pedidos de alteração dos
projectos aprovados, os pedidos de renovação daqueles títulos ou, sendo o caso,
sobre a necessidade de realização de novo concurso público (art.º 24, e)”. As competências da ERC saem ainda mais reforçadas, pois os
estatutos permitem-lhe “aplicar normas sancionatórias
previstas na legislação sectorial específica, designadamente a suspensão ou
revogação dos títulos habilitadores do exercício da actividade de rádio ou
televisão…” A nossa ARC viu-se amputada, cirurgicamente, do importante
poder de atribuir licenças aos operadores de rádio e televisão, tendo-lhe sido
apenas permitido “pronunciar-se
previamente sobre o objecto e as condições dos concursos públicos para a
atribuição de títulos habilitadores do exercício de actividade de rádio e de
televisão”.
É inacreditável que o Governo não tenha tirado as devidas ilações da
confusão criada em 2007 aquando da abertura do mercado televisivo a operadores
privados. As críticas sobre a forma pouco transparente como decorreu o concurso
fazem-se sentir até hoje, legitimadas, aliás, pela prestação sofrível dos novos
canais televisivos. Mas mais, basta analisar as competências dos principais
reguladores dos media por este mundo fora, nomeadamente, a Federal Communications Comission (FCC), dos EUA, o Conseil Superieur de l’Audiovisuel
(CSA), da França, a Autorità per le
Garanzie nelle Comunicazioni, da Itália, o Office of Commucations (OFCOM),
da Inglaterra, e a ERC, de Portugal, para se constatar que todos são
responsáveis pelo licenciamento da actividade das estações de rádio e
televisão. Só o desejo de controlar os media,
justifica essa estratégia de viés centralizador.
Voltemos à
ausência dos jornalistas no órgão regulador da comunicação social. Sabe-se que
a AJOC indicou aos deputados encarregues das negociações com vista à composição
da Autoridade Reguladora alguns jornalistas que, na óptica da direcção do
sindicato, detêm o perfil adequado para integrar a ARC. A lista foi, por e
simplesmente, ignorada. Ora, se é certo que a lei que acabou por ser aprovada
no Parlamento não se refere explicitamente à participação de jornalistas na
composição do órgão, também não é menos verídico que não existe qualquer
interdição à presença dos profissionais da comunicação social. Dizem então os
estatutos: “o conselho regulador é
composto por cinco personalidades eleitos pela Assembleia Nacional de entre
pessoas com reconhecida idoneidade, independência e competência técnica e
profissional, com mais de cinco anos de experiência…” (art.º 14, nº1). Não
me digam os srs. políticos que não há neste país nenhum jornalista que preencha
esses requisitos! Há de haver outra razão indizível que os leva a esconjurar a
participação de jornalistas no exercício da regulação. Um dos argumentos é o
infundado receio de o regulador ser capturado pelos regulados. Que poder (já
agora, com que interesses) tem um ou dois jornalistas para inquinar ou
obstaculizar a tomada de decisão dentro da Autoridade Reguladora?
Por princípio,
não me simpatizo muito com o estabelecimento de quotas de participação de
jornalistas, seja em que instância for, mormente no conselho regulador da
comunicação social, quanto mais não seja por se tratar de um vasto e
diversificado “mercado de ideias”, que se alarga constantemente mercê da
convergência tecnológica. Não sendo os únicos actores do panorama mediático, os
jornalistas jogam nele, no entanto, um papel central na promoção e defesa do
direito constitucional do cidadão à informação. Eles, mais do que ninguém,
conhecem por dentro a organização e as condições de produção informativa, pelo
que não podem ficar de fora do modelo de hétero-regulação que se quer
instituir.
Já
que é na ERC portuguesa que fomos beber, ou melhor, copiar, importa conhecer quem
são os actuais membros que compõem essa entidade administrativa independente. A
Dra. Raquel Alexandra foi jornalista na SIC desde a sua fundação (1992-2011) e integrou sempre a
sua Editoria de Política. Passou por várias rádios e jornais. É Vogal do
Conselho Regulador, desde 9 de Novembro de 2011. Portanto, quando foi convidada
para integrar a ERC exercia o jornalismo. O Dr. Rui Alberto Gomes é licenciado
em Comunicação Social pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa (1983). Possui ainda o Curso de Jornalismo de Rádio
do Centro de Formação da RDP. Iniciou a sua actividade na comunicação social,
em 1982, enquanto jornalista na Revista de Informática. Seguiram-se
experiências na RTP (1984), Rádio Comercial (1985-87), revista Grande
Reportagem (1986-87) e na Televisão e Rádio de Macau (1987-1990). Entre 1990 e
1995, integrou a TSF como repórter e editor de Política Nacional. O
vice-presidente, o Dr. Alberto Arons de Carvalho, é especialista em direito de
comunicação, foi deputado e Secretário de Estado da comunicação social. É autor
de sete livros (três deles em co-autoria) sobre matérias relativas ao Direito e
à política de comunicação social. O próprio presidente da ERC, o Dr. Carlos
Magno, é licenciado em jornalismo pela Escola Superior de Jornalismo do Porto.
O seu percurso no jornalismo iniciou-se na Rádio Universidade. Já na RDP,
especializou-se em política, enquanto repórter. Nos anos que se seguiram,
assumiu o cargo de Director-Adjunto de Informação da Antena 1, foi Editor do
Expresso, no Porto, durante 10 anos, onde fundou a TSF. Esteve também na
Direcção do Diário de Notícias e fundou o canal de televisão por cabo que deu
origem à RTPi. Dos cinco membros que compõem a Entidade Reguladora para a
Comunicação Social portuguesa, apenas a deputada, Luísa Roseira, não possui,
pode dizer-se, qualquer ligação directa com os media.
Pergunto: por que é que há-de ser diferente em Cabo Verde? Dizer que os jornalistas
que estão não activo não podem integrar a ARC é uma falácia. Basta que o
jornalista convidado deposite a sua carteira na Comissão de Carteira para
desaparecerem as eventuais incompatibilidades neste sentido. Estamos com a AJOC
neste combate em prol de uma Autoridade Reguladora verdadeiramente independente
e autónoma, que não seja capturada pelos interesses partidários.