sexta-feira, dezembro 10, 2010

A História da Radiodifusão

Os primórdios da radiodifusão em Cabo Verde remontam à década de 30 do sec. XX com as primeiras iniciativas para instalação de uma emissora no país, acompanhando a avalanche de marketing publicitando os primeiros aparelhos receptores da marca Philips. As Câmara municipais da Praia e São Vicente são as primeiras a adquirirem esses aparelhos. Em finais de 30 já era possível ouvir a Emissora Nacional, músicas e notícias do mundo através de altifalantes, instalados pela Câmara Municipal de São Vicente, na Praça Serpa Pinto. "

A historiografia oficial nasce com a criação da “Rádio Clube de Cabo Verde”, apelidada pelos populares de “Rádio Praia”. Criada pelo alvará nº2/1945, com emissões diárias entre às 18h30 e às 20 horas, e uma programação variada que incluía música nacional e estrangeira, palestras, serviços noticiosos e programas de humor. Além da parte da radiodifusão funcionou ainda como clube recreativo, onde os sócios organizavam bailes e récitas. Foram alguns dos primeiros sócios, Lino Paulino Pereira, Bento Levy, Clarence Mendes, Manuel Serra, o governador João de Figueiredo, sócio honorário e Manuel Tomaz Dias o principal impulsionador da iniciativa, tendo-se realizado a primeira assembleia nos edifício da SAGA que, curiosamente em 1954, passaria a ser a sede da Rádio Clube de Cabo Verde declarada corporação de utilidade pública pelo governo da colónia em 1950.

A partir de 1947, com inauguração da Rádio Clube do Mindelo e da “Rádio Pedro Afonso” ou posto experimental CR4AC (Junho de 1949), por iniciativa do radiotelegrafista português José Pedro Afonso, São Vicente assume as rédeas da história da radiodifusão nacional.

Em Junho de 1954, o Grémio Recreativo do Mindelo, fundado em 1938, apresentava aos sócios a aparelhagem destinada ao seu serviço de radiodifusão seguido de uma proposta de alteração dos estatutos tendo em vista essa nova faceta da radiodifusão. Um ano mais tarde, em 1955, com apoio estatal, nascia a Rádio Barlavento, emitindo diariamente em ondas curtas, das 18h30 às 19h30. Funcionando no edifício do Centro Nacional de Artesanato e antiga casa do senador Vera-Cruz, sede do Grémio

A revista Cabo Verde Boletim de Propaganda e Informação no seu nº 69, de 1 de Junho de 1955, página 21, saúda a criação da Rádio Barlavento com o seguinte texto:

“ Têm sido escutadas nesta cidade em boas condições as emissões especiais do “Rádio barlavento” do “Grémio Mindelo”. Ao iniciar os seus trabalhos, a direcção do Grémio endereçou a S. Ex.ª o Governador o seguinte telegrama:

“Tendo iniciado ontem emissões experimentais banda 50 metros Rádio Barlavento saúda efusivamente V.exa. respeitosos cumprimentos”.

Eram membros da direcção da Rádio Barlavento, Dr. Fonseca, Dr. Adriano Duarte Silva, Mendo Barbosa da Silva, Dr. Aníbal Lopes da Silva, Dr. Júlio Vera Cruz, Engenheiro Graciano Cohen, Francisco Lopes da Silva e Abel Pires Ferreira.

Inicialmente a rádio funcionava com ondas curtas, posteriormente em Frequência Modelada. As emissões começaram inicialmente com duas horas e logo foi aumentada para seis horas diárias.

As notícias, vindas da metrópole, eram fornecidas pela agência noticiosa Press Lusitana, uma agência governamental que enviava as notícias já trabalhadas. O conteúdo em código morse era decifrado pelo telegrafista Francisco Cabral. As informações vindas da Praia eram fornecidas pelo Centro de Informação e Propaganda. A nível local, amadores forneciam informações sobre entidades que visitavam a ilha. A maior parte das informações emitidas era sobre Portugal.

Na Rádio Barlavento realizaram-se as primeiras gravações realizadas no arquipélago e que vieram a ser editadas em disco. Mité Costa, a cantar mornas de Jotamonte e acompanhada por um grupo dirigido por ele próprio, foi a primeira da série de 45 rpm "Mornas de Cabo Verde", editada pela Casa do Leão. Seguiram-se Amândio Cabral - no disco com a primeira gravação da hoje célebre "Sodade" - Titina, Djosinha e outros.

A Rádio Barlavento emitiu programas de produção própria alargada onde se destacam programas como: “Miradouro”, programa cultural produzido por António Aurélio Gonçalves (Nhô Roque).“Golo” um programa desportivo de grande audiência produzido por Daniel Crato Monteiro;

“Raiz Nacional” - um programa de actualidade e cultura produzido por Dr. Aníbal Lopes da Silva; “Roupa do Pipi” de Nho Djunga - um programa de intervenção, onde se fazia a crítica social com humor e que foi um dos programas e com muita audiência, como nem todos tinham rádio em casa, autênticas multidões reunirem-se à volta do coreto da Praça Nova para a escuta deste e de outros programas; Ou “Mosaicos Mindelenses” – um programa sobre vivências da sociedade mindelense produzido por Sérgio Frusoni.

Quanto à censura, era obrigatória a entrega dos relatórios no dia a seguir à emissão de cada programa. Como havia um controlo prévio, os responsáveis pela programação faziam uma auto-censura. Por vezes, dada a baixa escolaridade dos guardas da PIDE, havia mensagens de intervenção que passavam através dos programas sem o conhecimento dos mesmos.

A Rádio Barlavento foi extinta em 9 de Dezembro 1974, data em que foi invadida e ocupada por populares, transformando-se em Rádio Voz de São Vicente; que funcionou até 1985 data em que se fundou a Rádio Nacional de Cabo Verde à qual foi anexada.

terça-feira, dezembro 07, 2010

Jornalismo & Política

Na próxima quinta-feira sentamos os jornalistas e os políticos à mesma mesa e vamos procurar analisar o relacionamento entre estes dois actores sociais, cujo contributo é inestimável para a consolidação das instituições democráticas. Pode ser que para os mais desavisados a reflexão que ora se propõe se mostra prematura, uma vez que não existe, aparentemente, nada de anormal nesta relação. Esclarece-se, desde logo, que não se procura fazer uma abordagem rotineira partindo dos dois lados da barricada em que cada um destes campos defende as suas posições de trincheira.

É sabido que o mundo dos media e o meio politico são “amantes malditos”, condenados a andar lado a lado, a influenciarem-se mutuamente, mas sempre desconfiando um do outro e nalguns casos detestando-se. O Estado deve proteger a imprensa, mas pode sentir-se tentado a proteger-se a si próprio contra ela, limitando-lhe a liberdade de acção. A imprensa, por seu turno, dispõe de um grande poder de influência sobre a vida social, pelos efeitos que repercute, às vezes até pelo seu silêncio

De uma coisa todos estão de acordo: a imprensa não pode servir de base para a acção politica, porque ambas são eternas irmãs inimigas, e isso pelas razões que se expõe.

O jornalismo na sua origem é informativo. Dá notícias, narra factos. O seu objectivo é o rigor. Idealmente conta histórias do ponto de vista de ninguém. A sua limitação porém é que vive num ciclo de 24 horas. Esgota-se na procura estonteante do agora. Vive para o acontecimento e do acontecimento. As causas e os temas sociais são-lhe estranhos. Só os acontecimentos súbitos o servem. As situações crónicas, por graves que sejam, não o podem interessar. Num relato ela destaca sempre o novo, mesmo que com isso falseie o contexto, ou sacrifique o importante. A sua âncora são os nomes, as caras. O seu motor, a competição.

Mas o pior é quando o jornalismo informativo, que já sofre destas limitações que o seu ciclo de curto prazo lhe impõe, transforma-se num jornalismo interpretativo, considerado, hoje, um grau acima na escala de respeitabilidade da profissão.

Para esses jornalistas os factos são apenas pretexto para especular sobre os jogos de poder e os interesses inconfessáveis que fontes secretas lhes revelam. O jornalismo interpretativo cultiva o cepticismo, prefere expor, por sistema, as meleitas do poder, em vez de dar notícias, prefere gerar controvérsias.

Esta moda em que o jornalista é a estrela e o político um objecto pode envenenar a fonte e ser responsável pela má imagem da política junto do cidadão. Ao não distinguir nos seus escritos e nas suas manchetes o real abuso do poder do mero acidente de percurso, esse jornalismo enfraquece o elo de confiança entre políticos e os cidadãos, que é afinal a condição essencial para a democracia.

Thomas Petterson, director do Shorenstein Center, da Universidade de Havard, acha que a relação entre a política e a informação é má, porque a informação distorce a política ao concentrar-se na dimensão “luta pelo poder”, ignorando a dimensão “governação”.

Diz ele que há pouca correspondência entre informação sobre o mundo que normalmente a imprensa nos apresenta e o mundo real em que vivem as pessoas. “A informação deixou de querer ser um espelho reflector da sociedade, para ser um espelho que a distorce e lhe agiganta as facetas”.

Entre nós, não há dúvidas de que a imprensa vai ainda atrelada aos interesses e a agenda dos políticos, embora haja já sinais de um tipo de jornalismo muito em voga nos Estados Unidos, com ramificações na Europa. Um jornalismo politico que olha para os políticos com desconfiança, cepticismo e cinismo, obliterando a responsabilidade social que deve enformar a missão da imprensa.

O debate faz-se no auditório da RTC, a partir das 17:30.

terça-feira, novembro 30, 2010

Programação Infantil

Se respeitar o princípio de igualdade, um serviço público de rádio não pode negligenciar uma faixa etária específica: a das crianças e adolescentes que constituem um público em formação e, por isso, mais vulnerável a influências. Se não se esquecer um valor estruturante da rádio pública, o da diversidade, qualquer projecto de programação infantil deve ser pensado em função da pluralidade de experiências e de realidades socioculturais do respectivo público, e isso traz responsabilidades para o operador de SPR.

Relativamente aos conteúdos, parece-nos que a produção nacional (falada na língua materna ou em português) e assente numa realidade mais próxima da nossa idiossincrasia, seria preferível aos conteúdos importados (como as estafadas histórias contadas em brasileiro). Faz todo o sentido o investimento em adaptações de contos cabo-verdianos, em contadores de “estórias” que valorizem a nossa tradição oral, os jogos e brincadeiras tradicionais. A RCV deve também estimular a produção de músicas e literatura infantis.

Um canal generalista de rádio com obrigações de serviço público deve desenvolver uma estratégia de envolvimento dos ouvintes a montante, durante e a jusante da emissão. Atender às expectativas das próprias crianças, auscultar as suas opiniões seria, no fundo, atender aos direitos inscritos na Convenção sobre os Direitos das Crianças, ou seja, ao direito das crianças à opinião, à participação nos assuntos que lhes dizem respeito, à consulta directa. Basta ver à laia de exemplo os artigos 12º e 17º que versam sobre a participação das crianças.

Segundo esta Convenção, ratificada por Cabo Verde, os media têm o dever de divulgar informação para as crianças que seja benéfica do ponto de vista social, moral, educacional e cultural, e que o Estado deve tomar medidas para estimular a publicação de materiais adequados e para as proteger de elementos prejudiciais. Por isso, a RCV continuará a apostar na programação infantil que valorize o seguintes vectores:

  1. as crianças devem ter programas de alta qualidade, feitos em especial para elas, e que não as explorem. Esses programas, que se somam ao entretenimento, devem permitir-lhes desenvolver as suas potencialidades físicas, mentais e sociais;
  2. as crianças devem ouvir, ver e expressar a sua cultura, a sua linguagem e a sua experiência de vida, através de programas de rádio que afirmem o seu sentido de pessoas, de comunidade, de lugar;
  3. os programas para crianças devem promover a consciência e a apreciação de outras culturas em paralelo com o seu contexto cultural;
  4. os programas para crianças devem ser variados em género e conteúdo, mas não devem incluir expressões que indiciem (ou instiguem) violência ou sexo;
  5. os programas para crianças devem ser emitidos de forma regular quando elas estão disponíveis para as ouvir e/ou serem distribuídos por outros meios e tecnologias acessíveis;
  6. devem ser postos à disposição dos programadores fundos suficientes para que esses programas tenham elevada qualidade;

Conceber e realizar programas que se apoiem em investigações apropriadas, centrados nas necessidades, nas características e nos desejos das crianças de diversos grupos de idade; que respeitem a inteligência, o julgamento crítico e a capacidade de reflectir da criança; que estimulem a imaginação e apresentem os diferentes meios de vida das crianças e que assegurem uma abertura ao mundo são pistas a seguir na formatação da próxima programação infantil da Rádio de Cabo Verde.


terça-feira, novembro 23, 2010

Sindicato, já!

A proposta de criação de um sindicato de jornalistas foi lançada pela direcção da AJOC há vários meses, mas parece que agora este repto se coloca com mais acutilância. Caso não é para menos, uma vez que a associação da classe se prepara para ir a votos antes do fim de ano.

Nessa altura os jornalistas cabo-verdianos serão chamados a dizer se querem ou não transformar a AJOC numa associação sindical. Convenhamos que não se trata de uma decisão fácil a avaliar pelo desinteresse que muitos jornalistas têm demonstrado quando o assunto é a união para a defesa dos direitos e interesses da classe.

Não tenhamos dúvidas, é chegado o momento. Os desafios que se colocam ao jornalismo cabo-verdiano são de monta e a lógica de funcionamento da associação mostra-se desajustada e incapaz de os enfrentar e vencer. Lembro-me de em artigos anteriores ter defendido a continuação da AJOC, enquanto associação dos jornalistas em paralelo com um sindicato que trataria dos problemas profissionais e laborais da classe. Hoje duvido que isso vá resultar.

Como já dizia Alexis de Tocqueville na sua lendária obra “Da Democracia na América" que "não existe nenhum país onde as associações sejam mais necessárias do que naquelas onde o estado social é o democrático”. Pelo mesmo diapasão alinha a União dos Jornalistas da África Ocidental que assegura que o direito sindical está (…) no centro da liberdade de imprensa.

A liberdade de informar e o direito de informar são realidades que se devem conquistar e defender permanentemente. Daí ser indispensável que os jornalistas se agrupem em associações capazes de defender estes direitos.

A questão que se nos coloca é simples: será que necessitamos de um sindicato? Da nossa parte a resposta só pode ser afirmativa, pois os interesses da nossa profissão só poderão ser defendidos pelos jornalistas activos que constituam sindicatos fortes, de maneira a que nem os empregadores, nem os políticos se apoderem do controlo dos media.

Apesar de as associações desempenharem um papel-chave na defesa profissional dos jornalistas (claro que a AJOC poderia estar a fazer muito mais…) não pode defender directamente os interesses laborais dos seus membros. Torna-se por isso imprescindível o papel dos sindicatos, sobretudo se considerarmos que é precisamente a deterioração do mercado de trabalho que mais afecta a actividade do jornalista.

Há vários e bons exemplos de sindicatos a seguir. Nalguns países europeus, os representantes sindicais têm, com frequência, ultrapassado as reivindicações puramente salariais e laborais e assumido um protagonismo destacado na defesa da liberdade e da pluralidade informativas, assim como no estabelecimento de mecanismos para promover a independência dos profissionais, como por exemplo, os estatutos de redacção.

Como forma de representar o conjunto da profissão jornalística (tenho reservas quanto a englobar todos os profissionais da comunicação no mesmo sindicato... quando muito os equiparados a jornalista, como são os casos dos correspondentes e os repórteres de imagem), será importante que o futuro sindicato seja uma organização sem perfil ideológico e de carácter exclusivamente profissional, o que significa abster-se de integrar as duas centrais sindicais, nossas conhecidas.

Para além das reivindicações salariais e laborais, igualmente fundamentais para a melhoria do jornalismo, há outras batalhas que o futuro sindicato deve perseguir. As questões próprias de uma actividade qualificada, com um protagonismo social, cultural e político que coloca problemas específicos e com um compromisso iniludível para com os valores e as normas deontológicas, constituem outras tantas prioridades.

Continua…

segunda-feira, novembro 22, 2010

O Impacto da TV nas Crianças

Antes de mais se me permitem, gostaria de felicitar a Fundação Infância Feliz por esta brilhante iniciativa… ainda ontem dizia o Presidente da Republica que falar das crianças é falar de nós mesmos.

O desafio de hoje é falar do papel da comunicação social e das novas tecnologias, enquanto instrumentos de promoção e defesa dos direitos das crianças mas também como poderosas ferramentas na construção da personalidade dos mais novos.

Infelizmente esta continua a ser uma área menor da investigação e da decisão. Não existe entre nós um debate substancial nem uma pesquisa sistemática sobre a televisão para os mais novos.

A nível mundial a televisão para as crianças tem sido estuda em diferentes ângulos e seguindo várias metodologias. Os estudos centram-se, basicamente, na análise da programação e dos programas que são emitidos, na abordagem de questões como a violência e a publicidade nos espaços para os mais novos; na reflexão e na discussão dos critérios para uma programação de qualidade; no debate sobre a desregulamentação da oferta e na identificação das vantagens e desvantagens de uma indústria televisiva global.

Ao longo dos anos 90, assistiu-se a um interesse crescente pelo estudo da televisão produzida e difundida para um público infantil. E isso devido a muitos factores, como as mudanças na paisagem televisiva; a crescente consciência internacional da importância e da influencia da televisão na vida dos mais novos; a maior visibilidade social da infância e das crianças, e finalmente o reconhecimento destas como sujeitos de direitos, sobretudo a partir da aprovação, em 1989, da Convenção sobre os Direitos da Criança.

É nesta década que começa a emergir uma nova ordem mediática. Esta nova ordem permite às pessoas espalhadas pelo mundo, ouvir sons e ver imagens de muitos e variados lugares. Porem esta situação só aparentemente envolve todas as nações.

Enquanto as crianças dos países desenvolvidos são chamadas de “geração multimédia”, dizendo-se que estão a viver uma infância electrónica, muitas crianças no mundo ainda não têm sequer acesso à televisão em suas casas. Assim, enquanto se discutem nos países desenvolvidos as pressões comerciais, a que os operadores não resistem, e o papel regulador do Estado, em muitos outros países da África, Asia e América Latina, não só os operadores televisivos trabalham em condições mais difíceis, como o Estado tem ainda por resolver algumas necessidades básicas da população, alimentação, habitação, electricidade, serviços de saúde, entre outras.

Na segunda cimeira da televisão para crianças que decorreu em Londres, em 1995, os delegados do continente africano sublinharam a importância da rádio neste continente, e realçaram a importância de um melhor financiamento para a produção de programas educativos e de programas locais, produzidos na língua materna das crianças e a necessidade de cooperação entre países da mesma região. A rádio continua a ser o principal meio de comunicação e a alcançar uma vasta audiência, no entanto emite poucos programas destinados às crianças.

A violência

Na discussão sobre a televisão para crianças, a questão da violência aparece, com frequência, como o elemento principal para avaliar se um programa é o não de qualidade, alertando-se para a falta – ou incumprimento - de legislação que regule a oferta televisiva em geral e em particular a que se destina às crianças. Porem, a avaliação da qualidade não se deve reduzir a um único critério. A ausência de violência não é o único critério para garantir que um programa é de qualidade, há outros atributos igualmente importantes na sua avaliação. Como por exemplo, a diversidade, a identidade cultural, a regulamentação da tv para crianças, etc.

No Canadá, o Instituto de Radiodifusão para crianças definiu um conjunto de critérios para classificar a qualidade na programação para a infância:

Centrada nas Crianças

  • Ser concebida e realizada em função das necessidades e interesses das crianças de diferentes faixas etárias;
  • Permitir que as crianças desempenhem um papel activo;
  • Visar o desenvolvimento integral da criança;
  • Desenvolver a inteligência, o pensamento crítico e a capacidade de reflectir da criança;
  • Apoiar-se em investigações apropriadas;
  • Estimular o imaginário e apresentar os diferentes contextos de vida das crianças;
  • Assegurar uma abertura ao mundo
  • Ser produzida e realizada com meios técnicos e financeiros adequados e de igual importância relativamente aos da programação para os adultos;
  • Ser realizada de acordo com os padrões reconhecidos das regras de arte;
  • Dar espaço aos grupos menos favorecidos.

segunda-feira, novembro 15, 2010

O Melhor da Imprensa Cabo-Verdiana

A história da imprensa cabo-verdiana começa a 24 de Agosto de 1842 com a publicação do primeiro número do Boletim oficial do Governo geral de Cabo Verde, impresso na vila de Sal Rei, Boa Vista. Apesar do atraso de 7 anos em relação ao decreto de 07 de Dezembro de 1836 que o criava. Cabo verde consegue ser a primeira colónia portuguesa em Africa a publicar um boletim oficial.

Trinta e cinco anos depois, aparecia o primeiro jornal nacional– o“independente”- dado á estampa a 1 de Outubro de 1877, com periodicidade semanal, lançado por um grupo de indivíduos que em 1880 lançaria o Echo de Cabo Verde. Os primeiros jornais nacionais, surgidos entre 1877 e 1889, nasceram na cidade da Praia e foram eles: o independente (1877–1879), Correio de Cabo verde(1879), Echo de Cabo Verde, Imprensa (1880-1881), Cidade da Praia (1881), A Justiça (1881), O Protesto (1883), O povo praiense(1886), O Praiense (188) e Praia (1889). Uma proliferação de jornais que se pode explicar pela aproximação do centro do poder e pela existência de uma tipografia pertencente ao grupo fundador do Independente. A década de 90, para além da viragem histórica, marcada pelo ultimatum inglês e pela expansão do ideário republicano que atinge a classe intelectual e por acréscimo a imprensa, marca também deslocação geográfica no centro da actividade jornalística. A zona de Barlavento comanda a produção com o surgimento do Almanach Luso-Africano (1895/98) e o Revista de Cabo Verde, fundada em Mindelo por Luís Loff em Janeiro de 1899, tendo Eugénio Tavares como principal colaborador.

Nos anos seguintes, marcados pela fome que assolou o arquipélago, com expoente em 1902-1903, Mindelo detém a primazia com os Jornais “A Liberdade” (março1902 – Abril 1903) dirigida por Aurélio e Tomaz Martins, “Salve”(1902) e “A Opinião” (1902-03) sob direcção e edição de Luís Loff, “O Espectro”(Fev.1904).

Em São Nicolau circulava em 1901 “A Esperança” sob direcção do cónego Teixeira. Santiago retoma a dianteira, apenas por um dia, para publicar a 21 de Setembro de 1907 o “Cabo Verde” número comemorativo da visita do príncipe real Luís.filipe, tendo Augusto Miranda como director e editor.

Com a implantação da república assiste-se á uma proliferação sem antecedentes de títulos, a maioria de curta duração, dos quais se destacam A voz de Cabo Verde, fundado na Praia por Abílio Macedo do qual Eugénio Tavares foi colaborador (1911-19), o independente (Praia, 1912-13); O Progresso (Praia, 1912-13), O Mindelense (Mindelo, 1913); O Futuro de Cabo Verde (Praia, 1913-16); A Defesa (Fogo, 1913-15); O Popular (Mindelo,1914-18); O Caboverdeano, (Praia, 1918-19); A Seiva (Praia, 1920); Cabo Verde (Mindelo, 1920); A Acção (Praia, 1921-22); A Verdade (Praia, 1922); O Manduco, de Pedro Cardoso (Fogo,1 de Agosto 1923-24).

A década de 30 é marcada pelo jornal de maior longevidade na história da imprensa caboverdeana, o Notícias de Cabo Verde. Fundado por Leça Ribeiro, na cidade do Mindelo, começou a circular a 22 de Março de 1931 e editou o último número a 28 de Agosto de 1962. Caso ímpar e, um recorde então. Do mesmo período destacam-se ainda as publicações “O Eco de Cabo Verde”(Praia, 1933-35); Ressurgimento (Santo Antão,1933-35); Orvalho (SantoAntão, 1936-37); as revistas “Claridade”(Mindelo, 1936-60), Certeza (Mindelo, 1944) e Cabo Verde - Boletim de propaganda e informação publicado entre Outubro de 1949 e Junho de 64, dirigido por Bento Levy onde todos os intelectuais da época deram corpo e onde se estreiaram os mais novos como foi o caso de Amílcar Cabral logo no primeiro numero com o texto “algumas considerações acerca das chuvas e até uma tentativa frustrada de se criar na Praia o Diário de Cabo Verde que ficou pelo número espécime de 8 de Março de 1956; acresce-se o Boletim dos alunos do Liceu Gil Eanes de Março de 1959, e jornal o Arquipélago ( publicado de Agosto de 62 a Junho de 74) que marcam uma época efervescente em termos de produção jornalística que antecede á independência nacional, Os jornais Mais Além dos estudantes do Liceu Adriano Moreira, e a Voz paroquial, ambos em 1967.

Destacamos nos jornais do período de transição “Alerta” dirigido por David Hopffer Almada, cuja publicação se iniciou a 27 de Junho de 74, uma semana após o fim do Arquipélago que fora o órgão oficial do regime colonial e que teve apenas 1 mês de vida; o novo jornal de Cabo Verde publicado entre 1 de Agosto de 1974 e 4 de Julho de 1975 antecedendo ao Voz di povo.



sexta-feira, novembro 12, 2010

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Nos últimos dias têm vindo a público algumas reacções menos positivas em relação a recentes decisões da direcção da Rádio de Cabo Verde no âmbito da alteração da grelha de programas, em vigor desde o dia 4 de Outubro.

Pela leitura dos comentários publicados na Internet e no programa “Clube da Meia-Noite” – cujos ouvintes foram oportunamente esclarecidos – conclui-se que parte substantiva das críticas resulta de uma campanha de desinformação intencional. No entanto, ciente de que é indispensável apostar no reforço da participação dos cidadãos no funcionamento do serviço público, a direcção da Rádio de Cabo Verde, no estrito respeito do princípio do escrutínio a que estão sujeitos os meios de comunicação social, esclarece o seguinte:

O programa “Quando o Telefone Toca” foi suspenso temporariamente da grelha até que se criem as condições para a sua transmissão em directo. A progressiva aplicação das novas tecnologias à rádio redundou em novas modalidades participativas, o que se traduziu numa maior interactividade entre o meio e os ouvintes. O que a direcção pretende é justamente estimular a interactividade, apostando em formas e suportes mais expeditos que reforcem a participação dos ouvintes nos programas da rádio.

No momento em que se aposta na inovação tecnológica e na criatividade, não se justifica que esse espaço de entretenimento continue a ser gravado. Volvidos mais de 30 anos sobre a criação do “Quando o Telefone Toca” (QTT), não faz sentido algum que para ouvir a música da sua preferência no domingo às 10 horas o ouvinte tenha que telefonar no sábado de manhã. É evidente que a transição do analógico para o digital é um processo moroso que requer recursos materiais e financeiros, mas o salto qualitativo tem que ser empreendido sem titubeio, pois o futuro da rádio é o digital.

A inovação, a criatividade e a qualidade são bandeiras que o operador público de radiodifusão deve defender, ou não fosse ele uma referência (pelo menos deve sê-lo) para os privados. Como entender que haja espaços de entretenimento na programação da própria RCV, do tipo discos pedidos, em que o ouvinte ouve na hora a música da sua preferência, uma prática, aliás, generalizada na paisagem radiofónica cabo-verdiana, e sermos forçados a continuar a transmitir o QTT “em diferido”.

Quem gere os conteúdos de uma estação de rádio sabe que pela sua natureza efémera, volúvel, etérea, sensorial, ela é o meio que mais influencia a mensagem. Daí a procura constante, por parte dos programadores, da inovação, da criatividade e da qualidade, sob pena de se cair na rotina, a principal inimiga da rádio. Sendo o QTT, como asseveram alguns ouvintes, um património da rádio, deve ser preservado, conservado, restaurado sempre que se justificar, para que não desapareça, jamais!

A direcção da RCV regozija-se com o amplo movimento cívico de apoio ao “Quando o Telefone Toca”, uma atitude que só demonstra o carinho e a preferência dos ouvintes pela rádio pública. Aliás, a iniciativa de recriar o programa na internet só prova que a modernização tecnológica é a solução e alternativa ao mais velhinho programa da rádio. No facebook, dizem os promotores da iniciativa, o QTT é todos os dias e o “ouvinte” tem a sua música na hora… escusa de esperar um dia para ouvir aquela canção da sua preferência. Às razões aduzidas acresce o facto de nos últimos tempos o QTT se ter transformado num espaço de divulgação de mensagens publicitárias, numa clara deriva ao seu princípio de utilidade pública na promoção e sensibilização em tornos de causas e valores. A mercantilização do programa transforma os jornalistas em agentes publicitários, violando assim o seu estatuto.

À guisa de conclusão, refira-se que a direcção da RCV apresentou há menos de duas semanas na cidade do Mindelo um projecto da RTC, orçado em cerca 18 mil contos, que tem como principal objectivo a modernização tecnológica da Rádio de Cabo Verde. A Radio Assist da NETIA irá permitir a integração dos processos de produção, gestão e difusão dos conteúdos em formato digital. Mas mais: o sistema permite aceder a elementos sonoros constantes dos arquivos tanto na sede como na delegação de S. Vicente, podendo ser utilizados na produção de programas. É nesta lógica que se enquadra o programa “Quando o Telefone Toca” que, tão logo seja possível, regressará ao convívio dos ouvintes.

Em relação ao programa Palavras Cruzadas, a direcção estranha todo o alarido à volta da sua retirada da grelha, porquanto as explicações constam do relatório do Conselho de Programas, órgão consultivo da direcção, e são do conhecimento do coordenador desse espaço de antena. Desde logo se avisa que qualquer tentativa de colocar o director da estação contra cidadãos que emprestaram, durante meses, a sua colaboração prestimosa com análises e comentários sagazes e pertinentes em relação a temas de interesse nacional, cairá em saco roto. Igualmente desprovida de qualquer sentido é a tentativa de acusar a RCV de estar a silenciar S. Vicente.

A delegação do Mindelo detêm na actual grelha a coordenação directa (realização, produção e difusão) de 11 programas, podendo, como de resto acontece com qualquer outro centro de produção, incluir nos blocos de emissão conteúdos (grandes reportagens, entrevistas, debates, etc.) de interesse local, regional ou nacional. Para além dos programas, os estúdios do Mindelo coordenam diariamente a edição do principal espaço noticioso da RCV: o Magazine 13-14 informação. Ainda, seguindo o modelo de rotatividade, os estúdios do Mindelo apresentam os programas Palco RCV, Tarde Musical, Tarde Desportiva e a edição informativa do fim-de-semana. Também, como as demais estruturas, dispõem de dois espaços regionais, às 12 e às 18 horas.

Longe vai o tempo em que os programas, uma vez inseridos na grelha, ganhavam lugar cativo, só saindo do ar mediante vontade expressa do seu autor ou do jornalista incumbido de os realizar e apresentar. Hoje, pese embora não existirem muitos dados científicos de apuramento do nível de interesse e das expectativas dos ouvintes, a direcção baseia a avaliação da produção através de vários critérios profissionais objectivos, de entre os quais se destacam a pertinência, a criatividade, a precisão, etc. que enformam a cultura radiofónica.

No caso do programa Palavras Cruzadas, a decisão legítima da direcção remonta na verdade a Julho deste ano, altura em que o formato não integrou a grelha de verão, ao contrário do Quarta à Noite, Discurso Directo e Espaço Público. Ora, existindo já na grelha um programa semanal de comentários/análises de temas de relevância social, política e económica, de interesse dos cabo-verdianos, contando com a colaboração dos representantes dos três partidos com assento parlamentar, para quê replicar o modelo em S. Vicente? Atenção: que não se confunda o formato com o conteúdo, consubstanciado aliás na excelência das opiniões e comentários expendidos, tanto pelas personalidades que passaram pelo programa, como pelos próprios ouvintes.

Temos por várias vezes defendido a necessidade de se adoptar mecanismos legais e outros que reforcem o poder e a participação dos ouvintes na formatação e funcionamento do serviço público de radiodifusão. Isso passará, nomeadamente, pela criação da figura do provedor do ouvinte, da associação dos ouvintes e do conselho de opinião. Por acreditarmos que não existe serviço público sem público, continuaremos receptivos às queixas, críticas, mas também às propostas de melhoramento da grelha por parte dos ouvintes...

Nota final: Em relação ao programa Discurso Directo citado como malha desta enorme “cortina de silêncio” urdida pela direcção da RCV para calar S. Vicente e a região circundante, impõe-se o seguinte esclarecimento:

O programa das Grandes Entrevistas – o Discurso Directo – nasceu de uma proposta do jornalista Júlio Vera Cruz Martins nos idos de 1998. Tendo sido chamado para desempenhar as funções de chefe de informação da RCV, o programa passou a ser coordenado pelo jornalista Orlando Lima, primeiro na Praia, e depois em S. Vicente, para onde se deslocou em 2008 para ocupar o cargo de delegado da RTC. Por uma questão de estratégia informativa, visando, sobretudo, realinhar o programa com a sua filosofia e esqueleto iniciais, a direcção, depois de ter feito a avaliação do Discurso Directo, (que nos últimos tempos vinha se afastando do seu formato inicial), transferiu a sua coordenação para a sede. As poucas edições já realizadas parecem dar razão à decisão tomada.
Texto da direcção da RCV publicado no Portal da RTC

Leituras Interessadas

A margem de erro estatístico das sondagens é conhecida, a qual se junta uma percentagem de erro acrescentado pela leitura apressada e rotineira dos dados. As pesquisas lêem-se mal e muitas vezes os órgãos de comunicação social transmitem uma realidade que nelas não é detectada. Não se pode contudo generalizar.

Na maioria dos casos introduzem-se incorrecções ou desvios informativos involuntários que mediatizam a leitura dos estudos de opinião. Estes são alguns dos erros mais comuns: a informação eleitoral relativa às sondagens, e em especial as manchetes redigem-se de forma incorrecta. Independentemente de que acertem ou não nos resultados, as manchetes sobre o futuro eleitoral estão por si equivocadas.

É corrente encontrar na primeira página de um qualquer jornal: “O partido X ganhará as eleições” ou “o partido y não alcançará a maioria absoluta”. Da leitura de uma sondagem não se podem tirar conclusões futuras. Quando muito, indicam tendências.

A leitura atenta da ficha técnica das sondagens permite ver como na maioria dos casos da amostra obriga a tomar certas precauções, que se omitem na redacção da informação. Se a amostra é recente, costuma ser excessivamente pequena para atribuir assento, ou, pelo contrário, se é suficientemente ampla, já passaram vários dias desde a sua realização.

Em períodos eleitorais, quando a opinião pública está em autêntica ebulição, uma semana é demasiado tempo para actualizar a publicação de uma sondagem com o título: “O partido x tem 10 pontos de vantagem sobre o partido Y”, ou, “Se as eleições fossem hoje o Partido Y alcançava…” No melhor dos casos, essa poderia chegar a ser a situação política uma semana antes da publicação da notícia.

Em outras ocasiões, as manchetes, ou a notícia, obtêm-se de perguntas que medem o clima de opinião e não a intenção de voto: “que partido ganhará as eleições?” Outras vezes, esquece-se da existência, ou a análise, de importantes grupos de indecisos. Convém por isso rever algumas práticas do jornalismo de precisão antes de se aventurar numa caça às bruxas demoscópicas.

Outro erro frequente corresponde ao tratamento informativo dos resultados obtidos nas sondagens realizadas à porta das assembleias de voto, que costumam ser tomados como dados definitivos. As rádios e as televisões, em feroz competição, apressam-se, às oito da noite, a dar os assentos que cada força politica obtém. As sondagens realizadas na porta da assembleia de voto não medem os resultados eleitorais, mas o clima de opinião em que os comícios se desenvolveram. É sim um indicativo do resultado final das simpatias dos votantes.

Neste sentido, convém recordar o conceito de simpatizante esposado por Maurice Duverger. “A figura política do simpatizante é vaga e complexa. O simpatizante é mais que um eleitor e menos do que um membro. Como eleitor dá ao partido o seu voto, mas não se limita a isso. Manifesta o seu acordo com o partido; reconhece a sua preferência política. O eleitor vota em segredo na sua cabine de voto e não revela a sua escolha; a precisão da mesma e a amplitude das medidas tomadas para garantir a descrição do escrutínio mostram a importância do facto. Um eleitor que declara o seu voto não é um simples eleitor: começa a converter-se em simpatizante” (Duverger, 1957,145).

Por assim dizer, as sondagens que se realizam à boca das urnas não fazem senão exigir ao entrevistado que converta o seu voto secreto em público, que passe de eleitor a simpatizante.

Fonte: Jornalismo e Actos da Democracia, 2007, edições MinervaCoimbra.

segunda-feira, setembro 20, 2010

MACROSONDAGENS

As limitações técnicas das sondagens podem-se conhecer com uma leitura atenta e minuciosa da ficha técnica que acompanha a imensa maioria dos estudos sociológicos. A ficha técnica de uma sondagem permite-nos conhecer os dados mais importantes na hora de avaliar um estudo. Ou seja, podemos saber à primeira vista se os dados são próprios de uma micro ou de uma macrosondagem

Para ajuizar e interpretar rapidamente a qualidade e o significado técnico das sondagens, passíveis de converter em notícia, existe uma série de princípios básicos que a redacção do órgão deve ter em linha de conta.

Desde logo, toda a sondagem é por definição uma amostra de uma população. A representatividade frente ao conjunto total, mesmo que partindo de uma selecção bastante rigorosa dos entrevistados, tem sempre limites. Não existe a sondagem perfeita que possa assegurar a cem por cento a coincidência do que foi medido na amostra e o existente no total da população. A margem de erro e o coeficiente de probabilidade, bem como o nível de confiança, são indicadores imprescindíveis para medir o limite da representatividade da amostra.

Um outro aspecto a ter em consideração prende-se com a variação de âmbitos sobre os quais se realizou o inquérito ou a sondagem, infelizmente uma prática habitual. Ora, aplicar os resultados de uma sondagem a outros âmbitos exige, quando muito, uma amostra do tamanho adequado. Por exemplo quando se atribuem assentos a nível local com amostras a nível nacional.

Por outro lado, os paradoxos e circunstâncias curiosas que se produzem nas respostas de um mesmo questionário exigem um critério jornalístico consciente de que em muitos casos esses dados são pura coincidência.

Além dos anteriores, o critério fundamental é a observação crítica de todos os elementos que habitualmente uma ficha técnica deve ter: título do estudo, o seu objectivo, universo sobre o qual foi realizado, âmbito do trabalho de campo, data em que foi realizado, variação populacional, erro da amostra, nível de confiança, tipos de amostras e questionários utilizados, métodos de selecção dos entrevistados e forma de obter os dados. Todos estes elementos constituem informação de máximo interesse para o jornalista.

Desta forma o informador pode observar a pertinência dos dados e das inferências realizadas, avaliar as conclusões alcançadas ou realizar análises pertinentes e tecnicamente válidas, do ponto de vista informativo da sondagem. Por isso, vale a pena recordar a reflexão de Robert L. Stevenson (1993, 97): “as sondagem de opinião formam parte fundamental e iniludível da informação actual, exigem uma formação matemática e estatística dos jornalistas. O uso das sondagens eleitorais constitui um bom exemplo para uma adequada formação universitária para a prática do jornalismo de precisão”.

sábado, setembro 18, 2010

FIABILIDADE DAS SONDAGENS

A recente sondagem realizada pela empresa Afrosondagem continua a suscitar amplas reacções, as mais díspares, sobretudo, dos actores políticos e dos observadores da política doméstica, o que também nos serve de pretexto para continuar, do ponto de vista teórico, a analisar este importante instrumento científico.

Um dado que perpassa as análises dos resultados que têm sido produzidas prende-se, não tanto com a desvalorização das sondagens, mas com a interpretação que elas se faz, a modos de são o que são e que apenas representam a fotografia do momento, embora ninguém ignore o que predizem.

Na verdade, a fiabilidade das sondagens tem sido questionada ao longo da década de 90, em virtude de os resultados previstos não terem coincidido com os votos validamente expressos nos pleitos eleitorais. Por outro lado, é sabido que em certas ocasiões as pesquisas são utilizadas politicamente como medida de pressão sobre a opinião pública ou como argumentação técnica na hora de defender determinados interesses. Igualmente, há casos em que chegam a ser produzidas filtragens, inclusive das manchetes dos jornais, como se fossem pesquisas rigorosas.

O pior é que o jornalismo de precisão não sai incólume dessas montagens. Como explica o professor Minguel Tuñes (1999, 49), a filtragem precisa de uma conhecimento mútuo entre o meio de comunicação e a fonte com o compromisso de verificar a veracidade da informação prestada pela fonte e manter, em qualquer caso, o seu anonimato, tudo travestido de jornalismo de investigação. Há casos ainda em que se ocultam os resultados de uma sondagem realizada na maior parte das vezes por razões de suposta oportunidade política.

É evidente que quando as sondagens falham, abundam as explicações para os desaires, quer por parte daqueles que estão directamente interessados nos resultados, como pelo lado dos especialistas e dos responsáveis das empresas e instituições de prospecção social.

Os argumentos são vários: são uma medição que ocorre no momento da colheita da informação o que, com as técnicas que existem, têm de constar dentro de uma margem de erro. Convém recordar que o tempo pode variar a intenção de voto e que a margem de erro, quando a amostra não é suficientemente grande, é maior que o número de votos necessários para conseguir os últimos assentos. Esta limitação é também assinalada por Francisco Llera, catedrático em Ciência Politica: “A fiabilidade é maior, se se oferecerem percentagens referidas ao conjunto da amostra e menor se assinalarmos uma projecção de assento”.

Uma coisa parece certa: as sondagens eleitorais são mais fiáveis na medida em que os cidadãos têm as suas opiniões mais bem definidas. Elas medem as tendências e não realidades objectivas e as tendências fazem-se para o momento em que se realiza a sondagem. A aparição de novas condições pode fazer com que a parte dos indecisos reformulem os resultados das pesquisas. José Ignácio Wert é mais peremptório: “as sondagens eleitorais costumam aproximar-se, com bastante precisão, dos resultados reais.

Ainda sobre a credibilidade das sondagens, importa sublinhar que existem muitos factores que influenciam os dados, pois a tarefa de reproduzir em miniatura as características de uma comunidade é árdua. Assim, pode ocorrer que as avaliações positivas registadas numa sondagem estejam mais representadas por causa do seu maior grau de aceitação que outras posturas, pois os que opinam de forma mais crítica também estão menos dispostos a responder. De qualquer forma, quase todas as análises sobre a credibilidade das sondagens parecem convergir para um ponto: elas, as sondagens, não podem ser vistas como um artigo de fé. Além do mais, às vezes são imprecisas, porém, ajudam, como poucas coisas, a descrever e a analisar uma realidade social.

Na hora de analisar as limitações das sondagens, torna-se importante ter em conta os factores já enumerados, entre os quais não se pode olvidar o papel fundamental da profissão de jornalista na hora da leitura, interpretação e transmissão dos resultados. Isso será tema para um próximo artigo.

… continua.

segunda-feira, setembro 13, 2010

SONDAGENS

Com o aproximar do ciclo eleitoral, a comunicação política em Cabo Verde tem adoptado instrumentos científicos modernos, com destaque para as sondagens, para apurar a percepção dos cidadãos em relação ao desempenho dos partidos e dos respectivos lideres.

Num espaço de três meses já foi dado à estampa um total de três sondagens, todas com o principal objectivo de medir a intenção de voto dos cidadãos eleitores tendo em vista as eleições legislativas que deverão realizar-se entre Fevereiro e Março do próximo ano.

Mais do que analisar os resultados – tarefa a que se entregam com denodo os especialistas da comunicação politica, os jornalistas, os partidos e os actores políticos com interesses atendíveis – importa-nos perceber o tratamento jornalístico que é normalmente dispensado a este tipo de estudo de opinião. Por isso, os próximos posts serão dedicados ao tema.

Convém ressalvar, como nota introdutória, que as sondagens pré-eleitores, como as que se têm publicado entre nós, não servem apenas para prever o voto, porquanto numa sociedade democrática qualquer período pode ser considerado estritamente como pré-eleitoral, e por isso, a previsão de voto não tem de ser o único objectivo desses inquéritos.

A opinião social, mais ou menos generalizada, relativamente às sondagens pré-eleitorais ponta para uma barreira entre a funcionalidade cientifica e a sua instrumentalidade técnica. Ou seja, os actores que intervêm no âmbito da confrontação política (partidos, meios, empresas de marketing…) costumam ter interesses contrapostos e todos eles convergem na opinião pública com a sua bateria de dados.

Habitualmente costuma-se diferenciar entre os estudos de previsão do voto (poolling), aos quais se costuma dar o máximo de interesse informativo, e os estudos que visam compreender tudo o que diz respeito ao comportamento do voto (research). Estes inquéritos servem para estruturar o eleitorado, conhecer a sua composição interna e observar a percepção social dos diferentes líderes e partidos num determinado momento político.

Nestes casos, o resultado das últimas sondagens convertem-se de forma automática em notícia de capa dos jornais, procurando a máxima divulgação e se transformam manchetes nos restantes meios. Daí a relevância social que este fenómeno alcança quando os resultados reais se distanciam das previsões.

Para o sociólogo Jorge Fernández Santana (1994, 22), a proliferação e o desenvolvimento das sondagens eleitorais obedece a diferentes causas, de entre as quais se destacam, a consolidação e os avanços dos processos de democratização, o aumento de temas/assuntos que alimentam o debate político, a importância crescente do marketing político e em especial o maior poder e competência dos meios de comunicação social, que se entregam a uma luta desenfreada pelos últimos e surpreendentes resultados.

O autor evidencia também algumas consequências advenientes da exponencial utilização das sondagens. As mais importantes: a racionalização das campanhas eleitorais; a aparição de novos actores influentes na vida politica; os jornalistas, verdadeiros intermediários da informação entre o estudo e o eleitor, os especialistas em marketing político, assessores de imagem, etc. Considera ainda Santana que a repetição sistemática dos resultados das sondagens leva a percepção de uma campanha eleitoral permanente, bem como o possível cansaço e repúdio dos sujeitos entrevistados, fenómeno conhecido por “população sobre entrevistada”.

Convém dizer que nem todos os especialistas corroboram desta posição. É o caso de José Ignácio Wert (1996, 16) que defende que a cidadania colabora activamente nas sondagens e o repúdio social é bastante baixo, até porque as sondagens políticas, explica, não representam mais do que 5% do total dos estudos demoscópicos. “Uma sondagem não é uma conversa convencional. De facto desafia todas as convenções de uma conversa educada. Pergunta a todos por igual (não faz excepção a pessoas), não evita os temas conflituosos ou delicados, salta de tema em tema na conversa, não respeita o que interessa o entrevistado e o que leva ao seu desinteresse… apesar disso, o índice de repudio às entrevistas não é excessivo”.

Em resumo, pode-se afirmar que a experiência democrática do último quarto de século supõe uma larga aprendizagem na aceitação e uso de sondagens eleitorais, pese embora a incerteza politica de actos eleitorais (exemplo das eleições presidenciais de 2000 nos EUA) ponha em relevo as limitações predictivas e estimativas das sondagens eleitorais. É pena que no nosso caso elas só aparecem por altura da pré-campanha e, estranhe-se, sempre na capa de um único jornal.

… continua.


sábado, junho 26, 2010

Aos chicotes da publicidade




A atitude do presidente do conselho de administração dos TACV de mandar retirar publicidade das páginas dos jornais A Semana e Expresso das ilhas, apenas por se ter sentido “afrontado” devido à publicação de matérias que não lhe terão caído no agrado, representa um sinal perigoso à liberdade de imprensa num estado dito democrático.


Felizmente que retaliações do género não são frequentes, embora constituam um risco nada desprezível na relação de dependência dos meios de comunicação social face ao poder económico.

Quem está nestas lides sabe que a influência da publicidade pode assumir dois modelos: Em algumas ocasiões adopta a forma de uma pressão directa sobre os media ou sobre aqueles que neles trabalham, como foi, aliás, a decisão da administração da TACV. Os anunciantes com grandes volumes de investimento publicitário reclamam um certo direito a interferir na actividade dos media, pretendendo alterar o seu conteúdo quando convém os seus interesses e contrariando, assim, a neutralidade e a independência.


Afinal, Sean McBride tem razão quando, ao estudar a influência dos anunciantes na selecção das notícias e o seu eventual papel de censores, conclui: “mesmo se ela não tenta influenciar directamente os textos de opinião e a selecção das notícias, nem por isso a publicidade deixa de ameaçar a liberdade das reportagens, incitando os media a uma certa autocensura, na medida em que a sua própria existência depende desta publicidade. Os media são obrigados a manter boas relações com as suas fontes de financiamento. A qualidade das reportagens pode também ser afectada pelo facto de os media se basearem sobre os critérios mínimos dos gostos do público, a fim de conservar o maior número de leitores e de oferecer as condições mais favoráveis para atrair os anunciantes”.


No caso de Cabo Verde, onde o mercado é bastante incipiente, e os “grandes” anunciantes se resumem a quatro ou cinco empresas que, ainda assim, não vêm a publicidade como um investimento, a retirada intempestiva da publicidade pode criar um sufoco financeiro a qualquer empresa de comunicação social, podendo, inclusive, ditar o seu desaparecimento. No caso do jornal A Semana, parece que esse cenário está, para já, afastado, uma vez que o jornal promete “escrever outras peças mais, sempre que o interesse público assim o ditar”.


Convém lembrar, contudo, que a percentagem da publicidade no montante de receitas dos media – que ascende a cerca de 50% na imprensa escrita – e é praticamente o total no caso da rádio e televisão privadas – confere-lhe um protagonismo chave. Daí a tentação do controlo como, de resto, sublinham Chomsky e Heman, dois renomados especialistas: “Com a publicidade, o mercado livre não oferece um sistema neutro no qual, finalmente, é o comprador que decide. As escolhas dos anunciantes são as que influenciam a prosperidade e a sobrevivência dos media”.

Se vasculharmos a história das relações entre a publicidade e a imprensa, sobretudo a informativa, industrial, constatamos que sempre que o poder económico, o capital, se sente acossado pelo jornalismo, socorre-se dos meios ao seu dispor. Ou seja, manda fechar a torneira do financiamento. É caso para dizer: “quem dá pão, dá castigo”.


A medida do PCA dos TACV, claramente injustificável, até porque estamos a falar do jornal mais lido do país, assemelha-se à atitude do presidente da confederação do grande patronato chileno que, em plena campanha eleitoral que haveria de resultar na eleição do socialista Salvador Allende, enviou uma circular aos seus filiados recomendando-lhes que “se abstenham de financiar projectos jornalísticos em que se ataque permanente e sistematicamente a empresa privada e se ponha em causa o sistema em que se baseia…”

J. Fontaine fez questão de clarificar, quando se referiu ao caso da publicidade, que a confederação actua sempre abstendo-se da política e que não pretende causar dano à liberdade de informação, “já que temos o mais absoluto respeito por todas as opiniões. A única coisa que nos interessa é que os programas em que se ataque sistematicamente a empresa privada não sejam financiados por ela própria, mas por outro tipo de recursos. Mas dentro de um regime de absoluta liberdade de expressão”. A diferença é que estamos a falar de uma empresa que consome o dinheiro de todos os contribuintes cabo-verdianos.

Carlos Santos
Jornalista

sexta-feira, junho 25, 2010

“O que sai na rádio virou facto"

Horácio Semedo, PCA da RTC


É lugar-comum agradecer o convite para participar num evento como este e é da praxe dizer que é uma honra. Para mim é muito mais do que isso porque, para além da minha responsabilidade como Presidente do Conselho de Administração, estou aqui como ouvinte assíduo e apaixonado pela Rádio de Cabo Verde, que escuto desde que acordo até à hora de ir para a cama. Ah! Escuto o Luís Carlos Vasconcelos, na madrugada. Portanto, estou quase permanentemente ligado à nossa Rádio!

A Rádio de Cabo Verde tem realizado, ao longo de décadas, um percurso sempre ascendente e ao lado do desenvolvimento do próprio país. É parte da nossa cultura colectiva que “o que sai na rádio” virou facto e, por isso, ouvir a RCV é saber o que, na realidade, acontece no país e no mundo. Não raras vezes, ouvimos alguém dizer “há dois dias que não sei o que se passa em Cabo Verde e no mundo, porque não tenho ouvido a RCV”.

O Inquérito à Satisfação e Audimetria dos Órgãos de Comunicação Social realizado pela Afrosondagem em Março de 2009 revela que cerca de 8 em cada 10 cabo-verdianos afirmam que nas suas casas, de uma a 4 pessoas escutam a rádio habitualmente, representando um aumento de dez pontos percentuais, comparativamente a 2007.

Isto prova que, apesar da massificação das novas tecnologias e da globalização digital, a rádio está presente, cada vez mais, no dia-a-dia dos cabo-verdianos. Escusado será lembrar que é o meio de comunicação mais popular e mais consumido em Cabo Verde.

O mesmo inquérito conclui que a RCV é a rádio sintonizada com mais frequência por mais de metade dos cabo-verdianos, com 54% a afirmarem que têm o hábito de a sintonizar. A RCV foi indicada espontaneamente por cerca de 4 em cada 10 inquiridos.

Por outro lado, e citando o inquérito da Afrosondagem, a RCV é a rádio que conquista a maior simpatia dos cabo-verdianos no que concerne à avaliação da qualidade de uma forma geral. Em 2009, a Rádio de Cabo Verde liderou a “tabela classificativa” com cerca de 83% de avaliação positiva, contra os 76% alcançados em 2007. Em conclusão, parece que a RCV nem se deu da concorrência que agora lhe bate à porta.


Minhas senhores e meus senhores,
Esta reflexão proposta pela Direcção da RCV não podia acontecer na melhor altura. Apesar do lugar consolidado no rating cabo-verdiano, estamos perante um novo cenário mediático, com mais estações de rádio, mais canais de televisão, mais jornais, mais meios electrónicos. Ao mesmo tempo, o país tem uma nova Constituição, a legislação sofreu fortes alterações e a regulação do sector vai impor novos limites e mais rigor aos fazedores da comunicação social.

No que tange à RCV, em particular, 2010 é um ano de viragem com a assinatura - considero para muito breve - do tão esperado contrato de concessão de serviço público entre o Estado e a RTC. Este instrumento constitui de per si um ponto de ruptura e a largada para uma nova forma de fazer rádio pública.

Considero o contrato de concessão de serviço público um instrumento definidor da rádio pública que se quer para o país nesta nova fase de desenvolvimento do sector de comunicação, em particular, e de Cabo Verde, em geral. De um lado, ou seja dos poderes públicos, há expectativas de uma programação mais abrangente, mais diversificada e cada vez mais próxima de cada cantinho do território nacional e da diáspora. Do lado dos fazedores da rádio, aguarda-se, finalmente, por uma definição clara das competências e responsabilidades da rádio, mas também de mais meios para se conseguir os resultados que os próprios profissionais tanto anseiam.

Por sua vez, a audiência - fiel à sua rádio - continuará a confiar na programação que a RCV lhe irá proporcionar como sendo de qualidade e de referência que satisfaça as necessidades informativas, culturais, educativas, e recreativas dos diversos públicos específicos, e assente no pluralismo, no rigor e na objectividade.

Nesta encruzilhada, surge este evento que reputo de maior importância por permitir ao destinatário final de todo o trabalho da RCV – a audiência – opinar, sugerir, criticar e apresentar as suas ideias sobre a programação e, principalmente, o papel da Rádio de Cabo Verde no actual estágio de desenvolvimento do país.


Subscrevo, por inteiro, a justificação da Direcção da RCV para este encontro ao afirmar que “a qualidade de um serviço público se afirma não apenas pelos conteúdos que difunde mas igualmente pelos processos de participação sociocultural que promove e valoriza”. Este, além de ser um profundo e maduro exercício de democracia, é um processo que permite à RCV e audiência, juntos, trilharem um interessante e comum percurso de confluências e afluências para uma rádio pública de qualidade e de referência.


Prezadas amigas e caros amigos,
O contrato de concessão de serviço público não irá resolver todos os problemas que a RCV enfrenta, inerentes ao nível de desenvolvimento do país e da nossa realidade. Acredito, no entanto, que abrirá novas oportunidades e possibilidades à RCV que, com uma gestão criteriosa e assente em parâmetros administrativos, financeiros, económicos e de conteúdos clara e legalmente definidos, atingirá patamares mais elevados ao nível da sua programação e da capacidade de cobertura.

Entretanto, onde não poderemos ter limitações é em propor, inovar, criar, sonhar. Espero e desejo que este dia de reflexão, seguido da reunião sempre muito criativa do Conselho de Programação da RCV que se realiza a partir de amanhã, seja muito produtivo e que, definitivamente, a RCV, com a participação de todos, dê início a uma nova fase da sua existência e lance as bases para continuar a marcar a pauta como a rádio pública por excelência, num país ainda carente de informação, arquipelágico e com uma diáspora como a cabo-verdiana.

Para terminar, quero felicitar a Direcção da RCV por esta iniciativa, incentivar os profissionais da casa a continuarem com o mesmo zelo e a pensarem uma RCV ainda melhor, agradecer a presença dos convidados e a preciosa ajuda que aqui vieram trazer.

Declaro, finalmente, aberto o encontro de reflexão conjunta para a avaliação da qualidade e diversidade da programação da RCV.

quinta-feira, junho 17, 2010

RÁDIO E CIDADANIA

Joana Olinda, Orlando Lima, Júlio Rodrigues, Dina Ferreira

Por que a ideia hoje é dar sentido a uma comunicação bilateral… em vez de UM PARA TODOS, preferimos uma fórmula mais interactiva, quiçá mais atraente, de UM PARA UM… por isso não me alongarei neste intróito em jeito de boas-vindas.

Hoje faz todo o sentido utilizar a estafada expressão, que debitamos ao microfone, quando idealizamos esse ouvinte solitário sentado em frente à telefonia: “você é a razão de ser da nossa existência”.

Com efeito, o ouvinte deixa de ser o anónimo entre a massa. Passa a ser o único. De tal maneira privilegiado que ele não é apenas o destinatário da mensagem. Ele torna-se ao mesmo tempo, querendo, o produtor da mensagem. Ocupa, enquanto tal, o lugar do emissor.

Cumpre-se assim a visão utópica de Brecht que já em 1927 apontou, enquanto possibilidade real de participação dos cidadãos na vida pública, através da rádio: “emitir mas também receber, fazer falar o ouvinte, pondo-o em relação com os outros.

É chegado o momento de perscrutarmos os sinais dos tempos que colocam a rádio perante desafios de monta, a começar pelas novas tecnologias.

A Internet e as suas virtualidades não mataram a rádio, como muitos já prognosticavam também nos anos 40 quando apareceu a televisão… é verdade que diante do fascínio da imagem, a rádio teve que reposicionar-se… abandonou o centro da atenção da sala de estar e refugiou-se no aconchego do quarto de dormir… a rádio foi mais longe, segmentou a sua oferta de conteúdos de acordo com a vivência do quotidiano e a expectativa dos ouvintes.

A revolução tecnológica que vimos assistindo significa outras tantas conquistas para a rádio:

As “vozes sem corpo”, como se dizia do fonógrafo e da rádio, encontram-se no espaço infinito da Internet, ultrapassando os velhos constrangimentos da Onda Curta; a rádio colou-se-nos na pele através do mais portátil dos artefactos, os telemóveis; oferece-se-nos no ipod, 24 horas por dia, numa imensa livraria de sons que nos permite procurar e ouvir os sons dos programas que mais nos apetece a qualquer hora, em qualquer lugar.

Entre nós, como se sabe, não existe ainda uma tradição de ouvir através de estudos audiométricos a opinião dos cidadãos em relação à programação dos canais de rádio… esporadicamente mede-se o grau de satisfação da audiência quanto à oferta de conteúdos;

Os cidadãos não dispõem ainda do serviço de um provedor que faça chegar as suas queixas, reclamações, críticas e sugestões aos responsáveis da estação; no caso da RCV não existe um concelho de opinião que possa apreciar as propostas de grelha de programas, fazendo valer o interesse dos ouvintes na formatação dos conteúdos; não existe uma associação de ouvintes que exija mais e melhor da estação pública e não existe uma cultura cívica de critica fundamentada ao desempenho dos meios de comunicação social, mormente da rádio e televisão.

É sobre estes e outros motivos que assenta esta iniciativa de auscultar o que tem a dizer a sociedade civil e representantes de instituições de variada índole no que concerne à programação da Rádio de Cabo Verde…

Entendemos que o serviço público de rádio (e por que não dizê-lo também de televisão) se diferencia como realidade especifica, quando e na medida em que se assume como uma instituição da sociedade, agindo em estreita relação com outras instituições, vocacionada para lhes dar vez e voz, sem estar condicionada pelas exigências do sucesso, embora também não as enjeitando.

Acreditamos que a rádio de Serviço Público deve destacar-se pelo seu carácter de referência e de exemplaridade. Ao invés de nivelar por baixo, imitando a concorrência, deve pôr a fasquia cada vez mais alta no que toca ao profissionalismo, ao discurso e à estética radiofónicos, à capacidade de despertar interesse e de alargar horizontes. Não se limita às obrigações que a lei prevê. A excelência deve ser um ideal a perseguir; deve cultivar o entretenimento com bom gosto, conjugando de forma equilibrada com emissões de pendor informativo e formativo.

quarta-feira, junho 09, 2010

O acesso aos documentos administrativos

A existência de uma longa tradição de segredo na administração, em nome de razões de segurança interna e externa ou de pura operacionalidade burocrática, impediu durante longos anos que se reconhecesse o direito dos jornalistas a conhecer os documentos em poder do Estado.

Para se ter uma ideia, em Portugal, só em 1991, deu-se um importante passo no acesso dos cidadãos aos documentos administrativos, com a publicação do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que garante, entre outros, o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos, bem como à consulta do processo e à passagem de certidões.

Com a publicação, em 1993, da Lei sobre o Acesso aos Documentos da Administração (LDA), todos os cidadãos passaram a exercer aquele direito, em execução do princípio da administração aberta consagrado na CR. Ao contrário do que se pensa, este direito de acesso é extensivo a qualquer pessoa, independente da comprovação de interesse específico ou legítimo, pelo que os jornalistas podem exerce-lo, como qualquer cidadão.

Além disso, instituiu-se a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Uma entidade independente que funciona junto da Assembleia da Republica, competindo-lhe zelar pela observância das disposições relativas a esta matéria.

O Estatuto dos Jornalistas de 1999 veio garantir de forma mais efectiva aquele direito, permitindo os jornalistas o recurso ao disposto nesse código, que conferem direito à obtenção de informações, à consulta de processos e à passagem de certidões.

De realçar que o dever de informar impende não apenas sobre os órgãos de administração pública previstos no CPA, mas também sobre um vasto leque de empresas do sector público, concessionárias do serviço público ou de uso privativo ou exploração do domínio público. Contra a recusa ilícita de acesso, o interessado pode recorrer aos meios administrativos ou contenciosos que no caso couberem, bem como clamar para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos que apreciará a reclamação com carácter de urgência.

Como sucede com todos os direitos, também o acesso dos jornalistas aos documentos administrativos não é ilimitado, comportando excepções, em nome de outros direitos que merecem igual protecção jurídica. São os casos dos processos em segredo de justiça; dos documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação especifica; dos dados especiais que não sejam públicos; dos documentos nominativos relativos a terceiros.

Como gostamos de imitar Portugal em tudo, o Estatuto dos Jornalistas cabo-verdianos acaba de conhecer uma limitação profunda no acesso dos jornalistas a determinadas fontes, nomeadamente, no que concerne aos documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativos à propriedade literária, artística ou cientifica, bem como aos documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual.

Assim fica difícil fazer jornalismo de investigação e cumprir com frontalidade o papel de “cães de guarda” das instituições democráticas a que os media estão obrigados.