sexta-feira, abril 24, 2009

O ADN CULTURAL NA RCV



A própria peça noticiosa em si é uma obra cultural. Na nossa primeira colaboração neste blogue reflectimos, em traços gerais, sobre como tem vindo a ser tratada a Cultura nas antenas da Rádio de Cabo Verde, estação em que, há bem pouco tempo, designou-se-me Editor de Cultura.
"A Cultura se baseia na transformação do ADN – ou naquilo que se lhe acrescentar"

Por Elis Ângelo Ramos, Jornalista
País valorado pela Cultura que o faz Cabo Verde; muito mais pelo turismo, que se quer assente na Cultura, é de se reflectir sobre o papel que a Estação Pública de Rádio tem tido na promoção e valoração do arquipélago. A começar pelo total e (des) propositado abandono com que serventia e porta da rua se encontra o arquivo sonoro e/ou documental da Estação.

Pois bem. Percorrendo os caducos e bem-tratados cacifos discográficos da então RNCV (1994), empreendi em mim um gosto, talvez exagerado, pelo que se produzia aí. Do maestro Francisco Sequeira apanhei o termo “convenhamos”, a única palavra obscena que este jovem-ainda-irreverente usa para qualificar algo que não bate certo às contas da sua longevidade intelectual.

Foi, pois, com este mesmo espírito de preservação que aceitei – como meu primeiro oficio na RNCV, na Praia - , a arrumação do espólio de arquivos históricos e musicais, naltura espalhado pelos corredores da até recentemente Disco/Bandoteca.

Foi aí que, tendo pela primeira vez contacto físico com os discursos de Amílcar Cabral, compreendi a importância da Rádio na preservação da nossa memória colectiva.

Enganado estava quando julguei tratar-se de um património que diria respeito ao CABO VERDE. Desnorteado continuo: quando lido com a imensidão de dificuldades dos estudantes e investigadores em se documentarem sobre a nossa historia recente; quando é de todos o património da RCV – maldosa e descaradamente a apodrecer nos armários, perante uma tranca que ainda hoje ninguém quis empurrar - para de lá exumar a relíquia da Rádio cabo-verdiana; porquanto estes arquivos não são do que as vozes que nos precederam na conquista de uma cidadania plena; para que aqui estivesse, agora, pontuando letras, sem contudo buscar explicações à minha revolta incontida.

Mas, estou aqui, para apelar à realização deste direito nosso à defesa dos nossos avós. Para tal basta que sejamos Irmãos … caso estejamos em desacordo ao Sol, ao Suor e ao Verde rodeado de Mar.

Feito este apelo de desagravo: Importa-me aqui e tão só lançar um olhar à minha apreciação sobre a forma ou a ausência de forma como a Rádio de Cabo Verde tem tratado a Cultura do País que a paga e sustenta.

Antes de me focar no ponto em si: este é um País de serenatas, romarias, noites cabo-verdianas, festivais, oril, san jom, cordijeru, batuko, de Kaká, Celina, … de ti lobo, chibinho, de Hi man, Pateta, de msn, hi5, de Artletra, de RCV, Praia, FM, um País de viola e bic, de gaita e foles … este é um Cabo Verde de 180 mil estudantes … de Germano … de filósofos de bar … e de poetas … este é o PAÍS CONSTRUIDO À SEU SUOR. Jorge Barbosa em prelúdio elucida-nos sobre o quão infértil era Cabo Verde aquando do descobrimento. Sem o material. Apenas o natural. Faltava o essencial: o mais transformador dos seres vivos; o Homem.

Onésimo Silveira numa das suas crónicas mais bem inspiradas escreveu que o Homem Cabo-verdiano fez-se a si. Nós nos importamos: concluo ante a crónica. Perante esta historia lúdica mas verídica do ponto de vista antropológico, como compreender que a Cultura na principal estação de Rádio do País, por sinal, paga pelos cidadãos, prenhes de curiosidade e sede de conhecimento, se esgote em mero anúncio de espectáculos e de quando em vez numa entrevista em estúdios.

A RCV, bem poderia: elaborar anual, semanal e diariamente uma agenda de cobertura e exploração do património cultural de Cabo Verde; abrindo um Departamento para a Cultura – ou editoria – com uma equipa vasta que incluiria não só jornalistas mas e também académicos e restantes profissionais que esmeram em elevar os patamares da Cultura nacional.

Pois:

Acreditamos que Cabo Verde é um país povoado de gente disposta a construir uma Nação em que a cultura seja um dos pilares de desenvolvimento. Têm sido incontáveis as iniciativas da população e das autoridades.

O que falta, muitas vezes, é a divulgação dessas actividades. Outrossim, afigura-se premente a formação de agentes culturais que possam empreender acções de sucesso.

Em termos legislativos estão já consagrados alguns importantes incentivos. Assiste-se, contudo, que poucos fazem uso desses instrumentos de promoção cultural.

Em termos de comunicação para uma “cidadania cultural” são ainda insuficientes os projectos que ampliam as práticas culturais da população.

São precisos, pois, projectos e iniciativas que permitam à população, por um lado, interagir com as experiências culturais que a rodeia e, por outro, dar-lhe ferramentas que fomentem a criação e produção culturais. Nosso propósito é, justamente, fomentar e ampliar o acesso da população à cultura.

Apesar de Cabo Verde ser um País reconhecido por uma vasta cultura, temos poucos espaços de divulgação cultural nos meios públicos e privados de Comunicação Social.

Não raras vezes, todos os esforços dos produtores de informação cultural, centram-se no relato noticioso das actividades. Seja um filme, uma peça teatral, um espectáculo de dança, um fórum, uma exposição ou um livro; a informação se esgota na notícia em si. Falta a consideração de que a acção cultural só se completa, de facto, quando é compreendida pelo público.

A RCV, pois, tem que desafiar-se a mostrar que Cabo Verde é um País que mexe e em cujo território a Cultura, nas suas mais diversas formas de expressão, tem por cá granjeado a morabeza de crianças, mulheres e homens que dela fazem não só deleite espiritual mas também ocupação social, profissional e mesmo de transmissão de valores que nos pontuam como ser Cabo-verdiano.

Apontar aqui exemplos de sucesso, experimentados por exemplo no Brasil ou nos Estados Unidos, seria mera perda de tempo. Apenas relembrar aos mestres da Rádio que a Cultura não se esgota na bilheteira. Ela entra palco adentro. Processou?

quarta-feira, abril 22, 2009

Carlos Santos: "a rádio vira o disco e toca o mesmo"

KRIOL RÁDIO confrontou, esta semana, o Jornalista Carlos Santos, um dos principais colaboradores deste blogue, sobre a Rádio que se pratica hoje em Cabo Verde. Uma entrevista em que o antigo Director da Rádio Pública analisa os desafios que se apresentam ao espectro radiofónico nacional.


Kriol Rádio (KR): Que avaliação fazes da Rádio hoje?


Carlos Santos (CS): Penso que a rádio está bem… podia estar melhor. Acho que as reformas na rádio, a inovação, a criatividade levam muito tempo a ser implementadas… há muitas ideias, quase todas as direcções que passam pela rádio têm as ideias mais brilhantes do mundo, mas devido a uma grande inércia, a problemas estruturais, as ideias novas têm muita dificuldade a passar à pratica.


Apesar dos esforços empreendidos pelas sucessivas direcções - sobretudo nos últimos anos - para modernizar a rádio, continuamos a ter uma rádio, do meu ponto de vista, que em muitos aspectos está ultrapassada.


Mas atenção, não que nos faltem ideias, mas porque elas dificilmente são concretizadas. Basta olhar para a grelha de programas para constatarmos que ela não consegue inovar… é uma espécie de “vira o disco e toca o mesmo”. Há programas e formatos que estão em antena há vários anos sem conhecer qualquer inovação, muito menos criatividade. Aqui já não se pode falar muito de fidelizar audiências, mas sim de rotina. Ora, não existe prior inimigo da rádio do que a rotina.

É evidente que tem havido algumas alterações, mas que não são propriamente inovações. Algumas vezes até são formulas que já foram testadas num passado recente e que não deram resultado.


Por isso, penso que a verdadeira revolução da Rádio de Cabo Verde está ainda por vir. Portanto estamos atrasados, a rádio tem quer dar passos de gigante para, tanto a nível tecnológico, como nos programas e informação, acompanhar o que de mais moderno se faz hoje, nomeadamente, na Europa, cujo modelo de serviço publico temos vindo a ensaiar… a impressão que tenho – em resumo - é que andamos a gerir problemas em vez de pensar e implementar soluções para uma rádio que de facto satisfaça as necessidades e expectativas de uma sociedade cada vez mais exigente.

KR: E na tua opinião por que é que não se dá essa revolução na rádio pública?


Por uma série de motivos. Desde logo porque temos uma rádio mergulhada em constrangimentos que já deviam estar ultrapassados, que são os famigerados problemas estruturais. No fundo estes problemas são praticamente os mesmos que existem na televisão, só que na rádio há ainda alguma cultura do fazer primeiro e “explodir” depois.


Parecendo que não, existe um gosto, nalguns casos até, uma paixão pela rádio… e é essa consciência profissional – que vem da história da radiodifusão em Cabo Verde - que faz com os profissionais da rádio continuem a realizar a sua missão, às vezes em meio a muitas dificuldades, sem criar situações de bloqueio.


Em abono da verdade, devo reconhecer que nos últimos 4 anos a rádio conheceu alguns ganhos, sobretudo ao nível da criação das condições de trabalho. Mas os problemas estruturais mantêm-se porque são problemas da empresa gestora da rádio.


Quando há tempos disse que temos “uma empresa gorda, preguiçosa e ineficiente” – houve um sururu (há sempre aquela hipocrisia, não disse nada que não se dissesse bares e nos cafés) talvez porque a carapuça tenha servido a muita gente. Efectivamente temos gente a mais e uma fraca produtividade.


Algo está mal - e o paradoxo é que apesar de termos muita gente, temos poucas alternativas em termos dos perfis para as exigências de uma rádio de qualidade; penso que não houve rigor suficiente na escolha das pessoas para a rádio… houve muita gente que veio da imprensa escrita sem que tivesse passado por uma selecção, por um teste, para ver se se adaptava na rádio. E não estou a falar só da voz (a voz é importante, até porque a rádio é sobretudo som), mas é também, oralidade, uma atitude, exige uma forma de falar de escrever especifica, se quisermos um certo “dom” ou “vocação” que não se aprende nas universidades. Por outras palavras, considero a rádio uma arte e como tal deve ter uma estética…

KR: E a formação…


C.S: Sim, claro a formação é importante. Os diplomas e os canudos são importantes – a passagem pela universidade faculta o conhecimento cientifico e teórico, abre novos horizontes em termos de cultura geral – mas, penso que continua a ser imprescindível essa formação prática (como se dizia uma vez, na tarimba), quer na redacção, quer nas cabines de locução… é isso que faz um bom profissional de rádio… mas eu queria que ficasse claro que um jornalista ou um radialista não se resume apenas ao domínio da técnica do ofício, ou seja, saber fazer bem uma noticia, uma reportagem ou conduzir uma emissão em directo, claro que isso é importante, mas a teoria também é importante, a cultura, o conhecimento, são imprescindíveis… e isto está ao alcance do jornalista, … a auto-formação é agora muito mais fácil com a com as novas tecnologias de comunicação e informação.

Penso que já é tempo da rádio de Cabo Verde ter também o seu centro de formação, como aliás existe em Angola e em Moçambique. Deve-se recuperar a cooperação que existia com Portugal em matéria de formação de jornalistas – por exemplo lembro-me de grandes nomes da rádio portuguesa que estiveram em Cabo Verde a dar formação ao pessoal da rádio, Carlos Cruz, Adelino Gomes, que é hoje provedor dos ouvintes da RDP e outros tantos… vinham e passavam um mês, às vezes mais, a ensinar e a acompanhar aquilo que se fazia na redacção. Isso desapareceu. E ainda se diz que há ofertas de formação e são os jornalistas que as não aproveitam por incapacidades próprias, nomeadamente pelo fraco domínio da língua…

Na vertente tecnológica continuamos a marcar passo. A rádio de Cabo Verde devia estar na vanguarda das novas tecnologias, mas não é isso que acontece. No principal canal há ainda muito por fazer no capítulo das novas tecnologias. Nos últimos tempos houve ligeiras melhorias que se traduziram no aumento do número de computadores na redacção, que foram depois ligados em rede a que se justa a edição de sons com recurso a softwares próprios. Mas daí a dizer-se que estamos a digitalizar a rádio, soa-me a excessivo. O que estamos a fazer é ir remediando as situações quando já não há alternativas. Não existe, digamos, um sistema integrado digital de produção, gestão de emissão e difusão do sinal… sei que existe um projecto muito bem concebido de modernização, digitalização da rádio, que foi para as “calendas gregas” por não haver recursos financeiros para a sua implementação.

KR: Quais são então os grandes desafios para a Rádio?


C.S: Pelo que disse são muitos: a modernização tecnológica não pode esperar mais. É próprio contrato de concessão que se vai assinar que no-lo impõe: a rádio pública tem que ser uma referência tecnológica para os demais operadores.


A formação contínua dos jornalistas e sonoplastas deve ser melhor estruturada por forma a responder às necessidades da rádio… não estamos a falar de formações de uma semana de duração, que são manifestamente redutoras, nesta área não se aprende muita coisa numa semana…
É urgente repensar a rádio do ponto de vista da sua programação. O que se espera da rádio de Cabo Verde é um serviço público de qualidade, com programas de interesse, quer para as maiorias como para as minorias; Se repararmos, os programas ou são de debates, ou são de grandes entrevistas na esfera da politica… ou então são de música; com raríssimas excepções, não há muita criatividade… há muito poucas reportagens de índole social, que falem do quotidiano das pessoas; e dos problemas com que hoje se confrontam os cidadãos.


Também não podemos esquecer que para uma boa franja da população cabo-verdiana – sobretudo no meio rural – a rádio é o único meio de informação, de formação e de entretenimento. Para muita gente a rádio é uma companhia, um meio de diversão. Por isso não podemos cair na tentação de fazer da rádio um meio essencialmente informativo. O que seria muito aborrecido.


Falando da informação que a RCV produz: penso que se continua a privilegiar uma abordagem institucional; a gestão de informação tem que ser melhorada, a informação hoje tem que ser pensada, sob pena de irmos a reboque dos acontecimentos; a rádio tem que criar a sua própria agenda; não pode transformar-se numa “caixa de ressonância” dos discursos políticos, isto não é informação.


Não é possível que num jornal de 20 minutos, o tratamento de questões politicas ocupe 80 por cento do tempo de duração do bloco. E os cidadãos que pagam este serviço publico?
Gerir informação pressupõe criar uma agenda nacional que tenha o contributo das delegações; pressupõe realizar conferências de redacção, conferências criticas, passagem de pasta entre os editores de molde a assegurar a continuidade da informação; um clima de respeito entre os editores e os jornalistas. Esse modelo de jornalismo centrado na política, muitas vezes de laivos de cinismo, vai, a breve trecho, levar a uma saturação, uma perda de interesse por parte dos cidadãos na politica, o que depois terá reflexos nos índices de participação nas eleições.


É tempo da rádio de Cabo Verde ter jornalistas especializados nalgumas áreas: estou a ver a politica, a economia, o ambiente, as relações internacionais e muitas outras áreas… não podemos continuar apenas com esta ideia de que todos os jornalistas devem ser generalistas… ao fim e ao cabo, a gente conhece de tudo um pouco, mas muito superficial, ou seja, pegamos as coisas pela rama. Há que avançar para a especialização, porque hoje a realidade é cada vez mais complexa e exige outros conhecimentos para a sua descodificação.


A questão do editor na rádio tem quer ser esclarecida. Ele [o editor] tem uma função importantíssima a desempenhar dentro de uma rádio. Há aliás situações em que substitui o próprio director e o chefe de informação, que, como é evidente, não têm tempo para estar a acompanhar em tempo real todos os noticiários que na rádio são de hora a hora. As vezes há decisões melindrosas que ele tem que tomar sob pena de se perder aquele acontecimento – a noticia não espera – o editor coordena toda uma equipa de trabalho, executa a agenda, salvaguarda as normas e os valores éticos e deontológicos da estação.


Enfim, muita da responsabilidade pela qualidade do trabalho do colectivo de jornalistas é dele… por tudo isso, penso que o editor devia ter um outro enquadramento na rádio… sem isso as direcções ficam dependentes da boa vontade dos jornalistas mais capazes para assumirem a edição… uma vez que, no nosso caso, isso é feito na base de um convite que pode ser aceite ou não.

KR: E em relação às nossas comunidades. Qual deve ser a prestação da rádio pública?


C.S: Sim, penso que a rádio devia prestar mais atenção aos emigrantes. Não basta apenas termos a nossa emissão difundida na Internet, é preciso trazer os nossos conterrâneos para dentro da rádio; acompanhar também as suas actividades, as suas conquistas, as dificuldades de integração, as saudades da terra, os casos de sucesso, etc. uma vez que a rádio dispõe de correspondente apenas em Lisboa, por que não estabelecer uma colaboração com as rádios das comunidades cabo-verdianas em vários países, acho que teriam um imenso gosto em publicitar as suas actividades na rádio de Cabo Verde.

KR: Como avalias o esforço de regulação da actividade de radiodifusão.


C.S: Prefiro falar antes da auto-regulação que, na minha modesta opinião, deve ser reforçada. Temos um Livro de Estilo que precisa ser publicitado para que os cidadãos possam conhecer a nossa rotina, a nossa forma de tratar a informação, as normas e os valores éticos e deontológicos que regem a nossa actuação. Uma vez que não temos ainda um provedor do ouvinte, podemos dar espaço para que os cidadãos individualmente ou de forma organizada participem na formatação desse serviço público, com criticas, sugestões, propostas de conteúdos, etc., enfim, escrutinar o nosso desempenho…
Uma coisa que está há muito na lei e que, finalmente, vê a luz do dia, no caso da RCV, é conselho de redacção. São órgãos democráticos de participação do jornalista na politica editorial da rádio, para além de poder expressar a sua opinião sobre um conjunto de questões que mexem com a sua actividade profissional. Sinceramente não consigo entender o desinteresse que certos jornalistas demonstram pelo conselho de redacção. Talvez essas pessoas não estejam interessadas numa redacção devidamente organizada.

KR: Num recente artigo teu, falas de um novo modelo de funcionamento da rádio. O modelo actual já não satisfaz?


C.S: Muito sinceramente penso que este modelo está esgotado. Surgiu em 1985 com a “nacionalização” da Rádio Voz de S. Vicente, que assim se juntou à emissora oficial, antiga Rádio Clube de Cabo Verde (antes Rádio Praia), que se viu reforçada com a posterior criação da retransmissora do Sal. Temos aqui um sistema de transmissão em cadeia em que a sede e os centros de produção retalham entre si os espaços de emissão.


Esse modelo foi criado num momento de afirmação do estado de Cabo Verde – visando reforçar a coesão e a unidade nacionais. É claro que ainda hoje esses valores continuam a ser importantes… no entanto, penso que a abertura do espectro radiofónico a operadores privados no inicio de 90, concorre para que também ao nível da rádio publica haja uma maior descentralização das emissões.


De facto hoje não faz sentido que tenhamos delegações com fortes capacidades instaladas em termos tecnológicos e de recursos humanos e que não chegam a emitir quatro horas diárias. Há por conseguinte um claro subaproveitamento dessas estruturas.


Cabo Verde é um arquipélago, cada ilha tem a sua micro-cultura, a sua idiossincrasia, as suas tradições, os seus valores, a sua própria identidade, a sua vocação regionalista… com este modelo de emissão em constante cadeia nacional, primeiro não há espaço de antena para todas as ilhas, e depois há aqui um problema que é o seguinte: temos questões meramente locais, que interessam a uma comunidade específica e que é posta em antena nacional como se de um assunto de interesse geral se tratasse.


O que não ganhariam as populações de S. Vicente, S. Antão e S. Nicolau com emissões produzidas e emitidas a partir dos estúdios do Mindelo, retratando questões específicas dessa região. Já não íamos por exemplo a S. Nicolau apenas no dia do município da Rª Brava ou por altura do Carnaval. Uma emissora regional com considerável autonomia de gestão, que tem recursos humanos e técnicos como é o caso de S. Vicente, teria condições para estar muito mais próxima das populações.


O mesmo se pode dizer em relação à região Fogo e Brava… a delegação que se abriu veio responder a um velho anseio das populações… mas será que estamos a satisfazer as expectativas das pessoas dessas duas ilhas? O que não ganhariam as populações do Fogo e da Brava se a delegação da rádio em S. Filipe tivesse maior autonomia de gestão e de programação, para produzir programas de interesse local e regional? É este modelo de rádio que existe nos países arquipelágicos. Portanto não há que iludir a nossa realidade insular.