segunda-feira, maio 07, 2012

Os dias da Rádio


A rádio, tal como a televisão, chegou a Cabo Verde pelas mãos de curiosos. Segundo Raul Barbosa, um antigo locutor, hoje reformado, a primeira emissão radiofónica oficial data de Maio de 1945, tendo o então responsável da Marconi na Praia, Tomás Dias, feito um emissor de ondas curtas que garantiu durante muito tempo a existência da Rádio Clube de Cabo Verde, a primeira estação radiofónica do país. 

Ainda por altura da final da II Guerra Mundial, surgiria em S. Vicente, a Rádio Barlavento e a Rádio “Pedro Afonso”, que seria proibida por não ter autorização oficial. De acordo com Mário Matos (pai), em 13 de Setembro de 1946, surgiria a Rádio Clube do Mindelo, onde haveria de pontificar o seu irmão Evandro, já falecido.

Geralmente, os nossos “homens da rádio” eram funcionários públicos, adeptos do rádio-amadorismo, que procuravam nas horas de lazer animar a pacata vida do arquipélago. Para além destas, a rádio atraiu também respeitosos intelectuais. Jaime Figueiredo e Arnaldo França, na Praia; António Aurélio Gonçalves e João Cleofas Martins ou Sérgio Fruzoni, no Mindelo, são alguns exemplos. 

Contudo, o período diário de emissão de todas elas não passava de escassas horas, e a profissionalização só chegava com a independência. Rabi Barbosa conta que, para o serviço noticioso local, a Rádio Clube de Cabo Verde baseava-se inicialmente no material que a secção de Propaganda da Imprensa Nacional e, mais tarde, no do Centro de Informação e Turismo. As notícias referentes a Portugal e ao mundo eram fornecidas pela agência Lusitânia.

Para sobreviver a Rádio Clube recebia um subsídio do Estado e da Câmara Municipal da Praia para além das quotizações dos seus sócios. Hilário Brito que chegou a dirigir o gabinete técnico da Rádio Clube conta que a primeira instalação dessa emissora funcionou no primeiro andar da Casa Serbam. Mais tarde foi construído um edifício no Ténis, à frente dos Correios, e só muito depois é que passou para as instalações actuais da RNCV. 

Entre os bons e maus momentos que viveu, Raul Barbosa conta que a PIDE mandou-o chamar duas vezes para responder uma acusação de que tinha de que tinha deturpado uma notícia relacionada com Portugal. “A segunda vez – acrescenta – mandaram-me chamar porque uma notícia em que se afirmava que Amilcar Cabral era terrorista, li o texto sem mencionar a palavra terrorista.”

Com o 25 de Abril, a rádio acabou por desempenhar o papel de grande mobilizador dos espíritos. S. Vicente acabou por protagonizar um dos momentos mais marcantes desse período, com “tomada” popular da Rádio Barlavento, que era acusada de anti-PAIGC e contra a independência, passando a chamar-se então Rádio Voz de S. Vicente, e hoje estúdios do Mindelo da RNCV. 

Entretanto, a Rádio Clube do Mindelo acabaria por morrer em 1977 por falta de recursos. “Não havia interesse em haver mais de uma rádio em S. Vicente, tratando-se ainda por cima de uma rádio privada”, conta Carlos Afonso, que aprendeu os mistérios da profissão tendo como um dos seus mestres o irreverente Evandro de Matos. 

A Rádio Clube do Mindelo é ainda hoje considerada um autêntico viveiro de profissionais. Por ela começam, entre outros, António Pedro Rocha, Carlos Lima, João Matos, alguns dos quais a trabalhar no exterior.

Com a abertura do sector, é provável que a rádio venha a ganhar um novo fôlego, num país em que ainda é o principal meio de comunicação social, existe um vasto terreno por explorar, principalmente em termos de rádios regionais. 

Fora isso, a RNCV, tal como a TNCV têm sofrido enormemente com a falta de concorrentes. Do comodismo, típico de quem está só no terreno, tem resultado um serviço asséptico ou pouco dinâmico, o que contrasta com as características desse meio de comunicação social. Com a concorrência à porta é de fazer votos para que alguma coisa venha a mudar nas nossas ondas sonoras.

in VP – 24.10.91