A penúltima edição do programa “Conversa em Dia” da TCV aflorou alguns temas ligados ao jornalismo e à comunicação social cabo-verdianos, sobre os quais gostaria de tecer breves comentários.
Há vários anos que se fala da necessidade de os media cabo-verdianos adoptarem a figura do provedor, um mecanismo de auto-regulação que como os demais tem como objectivo melhorar o conteúdo e a oferta dos meios de comunicação social, beneficiando assim o público que é quem os consome.
Penso que neste particular, a AJOC não deve limitar-se a constatar, mas sim adoptar medidas tendentes a sensibilizar e incitar os jornalistas, os gestores dos órgãos, e os poderes públicos, no sentido de se concretizar esta medida. Por exemplo, a AJOC podia, à semelhança do que fez o sindicato dos jornalistas portugueses, em 1990, realizar uma grande conferência sobre a ética, a deontologia profissional e a responsabilidade social dos media, convocando especialistas nacionais e estrangeiros de molde a cotejar experiências e realidades de várias latitudes.
De todo o modo, se a nível da imprensa escrita a implementação da figura do provedor dos leitores pode ser feita no imediato, já o mesmo não se pode dizer em relação à rádio e à televisão públicas. Estes meios são responsáveis pela prestação de um serviço público devidamente garantido pela Constituição da Republica, pelo que qualquer intervenção, quer seja na esfera editorial, quer seja nos domínios da regulação, hetero-regulação e auto-regulação, deve ter respaldo legal.
Em Portugal, por exemplo, o provedor do ouvinte da RDP e o provedor do telespectador da RTP só passaram a existir depois da aprovação e publicação da Lei nº 2/2006 de 14 de Fevereiro que cria essas figuras nos serviços públicos de rádio e televisão. Estas entidades estão ainda contempladas na lei que procede à reestruturação da concessionária do SPRT e nos estatutos da RTP. Assim se constata que cabe ao Conselho de Administração indigitar os provedores, decisão condicionada a um parecer vinculativo do Conselho de Opinião. Até lá os directores dos órgãos públicos estão de mãos atadas.
Sobre a premente necessidade de se especializar os jornalistas, julgo que não podíamos estar mais de acordo. A dificuldade existirá porventura na forma de se conseguir esse desiderato. A quem deve ser assacada a responsabilidade por ainda não termos um jornalismo especializado? Aos gestores dos órgãos, aos jornalistas ou ao Estado? Julgo que a todos nós. Não creio que pelo facto de um jornalista evidenciar alguma vocação, uma propensão, ou que demonstre interesse (vontade) em trabalhar determinado tema, que isso o transforme em especialista nessa área. Deve haver, isso sim, um investimento na qualificação contínua dos jornalistas, quer a título individual, quer em decorrência da política de formação gizada pelas empresas e pelo próprio Estado. A espacialização do jornalismo cabo-verdiano passa também pela contratação de outras competências que não apenas as ligadas às ciências da comunicação. O que não ganharíamos se tivéssemos nas redacções jovens licenciados em Economia, Ciências Políticas, Direito, Relações Internacionais, Cultura, etc., e ainda detentores de conhecimentos próprios do ofício de informar?
Infelizmente continuamos a ter um jornalismo tendencialmente descritivo e generalista, apesar de alguns fiapos de inovação na imprensa escrita, sem que se possa contudo falar com propriedade de editorias especializadas. Não pretendo entoar loas sobre as vantagens da especialização, contudo, não restam dúvidas de que mais do que descrever os assuntos, os jornalistas especializados fazem analises e interpretações. É evidente que um jornalista especializado domina melhor os assuntos, cultiva fontes privilegiadas, organiza uma agenda e um arquivo pessoal que lhe são de grande utilidade. Por isso, dispõe de competências para interpretar e analisar os acontecimentos que noticia, ao contrário do jornalista generalista, que se fica pela superfície dos factos, destacando muitas vezes a aparência das coisas, olvidando a sua essência.
Uma última nota sobre a aparente fraca investigação jornalística na rádio, cuja responsabilidade se atribuiu às lideranças deste meio. Desde logo, parece-me despropositado comparar a rádio e o jornal (ainda para mais semanário) no que concerne à investigação. São dois meios com lógicas de funcionamento e gramáticas completamente diferentes. Enquanto a imprensa escrita se dá ao luxo de afectar um ou mais jornalistas para investigar determinado assunto durante vários dias, a rádio encontra-se refém do relógio, respondendo à actualidade com as armas que a distinguem dos outros meios: o imediatismo, a acumulação e a instantaneidade da transmissão. Não é à toa, aliás, que é considerada, muito justamente, a cavalaria avançada da informação, sem que com isso se pretenda dizer que não existe investigação jornalística na rádio. Em Cabo Verde ainda é a rádio que continua a marcar a agenda mediática.
Importa perguntar, em jeito de provocação, se teria sido possível desenvolver o “caso Watergate” na rádio, em vez de um jornal como o “Washington Post”? Seria viável alimentar durante mais de um ano, ao longo de dezenas de notícias, um caso com o impacto deste, apenas com fontes anónimas? Um presidente da Republica se demitiria por uma investigação feita por uma rádio, sem haver uma fonte identificada?
Carlos, porque sempre trazes o exemplo de Portugal um país do qual só podemos copiar porcaria? A rádio deles é horrível e as televisões são todas partidarizadas e ninguém as vê. Imagina que a líder, a TVI,tem novela das 21 às 24 horas, sem informação e o resto são conversas entre os cinco partidos. Pensa cabo verde, meu amigo.
ResponderEliminarDasaev
Estava à espera que me apontasse as suas referências de qualidade em matéria de rádio e televisão. Não acha um exagero dizer que a nossa comunicação social não tem nada a aprender com os media portugueses? Por favor, sejamos realistas!
ResponderEliminarPercebe-se que Carlos aponte como exemplo Portugal porque la estudou; as referências da esmagadora maioria da elite caboverdiana sao portuguesas.
ResponderEliminarMas é também verdade, e Carlos tem de ter encaixe para o contraditorio, que Portugal nao é exemplo nenhum nessa matéria, nem noutras matérias. Portugal, està abaixo da média Europa "em tudo.
Temos que ser mais ambiciosos e para Carlos nao me pedir referências outras, avanço-as desde ja: BBC, Midias da Alemanha, Noruega, Suécia, França, Estados unidos....
Até porque ha aqui um paradoxo, é QUE as referências de Portugal, sao os paises que citei. So que copiam mal e traduzem porcamente os documentos e os livros desses paises.
Carlos sabe perfeitamente, que as melhores referências livrescas e culturais do seu curso que ele estudou em Portugal, eram todos ingleses e franceses e americanos.
Mas percebo que Carlos tenha esse reflexo: é que a mente da nossa elite està preparada, diria mesmo formatada para tomar sempre Portugual como a grande referência.
Ha que provocar uma revoluçao das mentalidades em Cabo verde, mas estamos preparados?! Nao e nao e nao. A prova é o tal programa que foi muito limitado em termos de produçaà de ideias e de paradigmas. Começa pela ferramenta de base, que é a lingua portuguesa, que os nossos jornalistas na sua esmagadora maioria nao domina. Convém dizer que Carlos é dos poucos que domina a lingua portuguesa, mas ele està encurrlado às limitaçoes mentais, à consciência arquitéctonica portuguesa...
Al Binda
Nãoaooooooooãoooooo.parem. Se Carlos Santos é dos poucos que domina o português estamos lixados. Minha gente os próprios portugueses falam mal a sua língua e tem notas miseráveis na disciplina. Mas começamos aqui no Carlos. No inicio do texto ele escreve...... ditaram a minha decisão, não intempestiva, como parece, de fechar o ciclo como gestor de conteúdos da rádio público. Se fala da estação, logo é rádio pública. Estou certo ou errado.
ResponderEliminarInteressante a tua reflexão Carlos. Estou perfeitamente de acordo com a maioria das preocupações que trouxeste para o debate e reflexão, sobretudo com a ideia do jornalismo especializado. é por exemplo lamentavel a forma superficial e descritiva como as noticias da minha area são tratadas tanto pela radio, televisão e jornais da nossa praça. Creio não ser o unico a ter esse sentimento. Pelo menos nas conversas que tenho com amigos e outros colegas, volta e meia, o assunto vem à baila. Os gestores publicos e privados da Comunicação Social em CV devem ser mais ousados, é preciso investir em jovens formados em outras areas para e promover um jornalismo especializado. So teremos a ganhar com essa aposta! Mas ao que parece, o exemplo seguido tem sido o contrario: na RTC diz-se que não ha verba para investir em jovens (entretanto continua-se a promover mediocridades), na TIVER e Record é simplemente lamentavel o que se esta a passar. Liberal então nem se fala: uma porcaria!!!! Fico por aqui em relação à este assunto para não ser muito extensivo...
ResponderEliminarPor fim, concordo com as criticas dos outros comentaristas. Eu também não acho que Portugal seja o melhor exemplo. Percebo a posição do Carlos, concordo que, infelizmente, ainda temos muita coisa a aprender com os medias portuguesees, não porque esses sejam referência mas sobretudo porque o que se faz por aqui em CV, ainda é na sua maioria, uma grande porcaria. Entretanto, se podemos dar logo um "salto de gigante", thinking wide, porque não copiar logo o que fazem os medias anglosaxonicos (Britain e US por exemplo) e alguns franceses. o AL Binda, apesar de ser um grande conservador e às vezes um fanatico, neste caso trouxe algo de interessante para animar o debate. Mas se ele me permitir, aproveito a ocasiao para colocar-lhe uma questão: sera que tem feito algo constructivo para melhorar a qualidade do serviço onde trabalha?
Oh Criolo se tu ja dizes que dei uma boa contribuiçao para "animar o debate", porque é que me perguntas se tenho feito algo construtivo no meu serviço?
ResponderEliminarA contribuiçao que ja dou em todo o lado "animando debates", ja nao é uma boa coisa?
Mas olha estou a ouvir a RTC neste momento e oiço uma reporter perguntar a um seu entrevistado para lhe falar "das crianças africanas" (faz pausa!!) e depois acrescenta "filhas de africanos que vivem em Cabo Verde, se sao bem integradas".
E la o entrevistado responde que estao bem integradas e que ja pensam como mentes caboverdianas, que sao elas também caboverdianas.
Tudo isto no quadro do dia da criança africana!
Mas pergunta-se agora, Cabo Verde nao é africa? Porque é que a reporter diz "crianças africanas" falando de filhos de africanos? Mas e as crianças caboverdianas nao sao africanas? Cabo Verde nao é Africa?
Decididamente os caboverdianos continuam a pensar que nao sao africanos. Cabo Verde nao pertence à Africa. Talvez pertença à Europa, assim pensarà alguém que estivesse a ouvir o programa e nao soubesse que este arquipélago e este povo sao africanos...
Ja perceberam porque é que o paradigma é" sempre pORTUGAL? Porque é que copiamos tudo em Portugal? Porque a nossa elite tem uma mente formatada lusa. Nao ha nada a fazer;
JA viram o Carlos ter de dar como exemplo o Mali, o Burkina Faso, mesmo Angola ou Guiné?!
Nao os nossos olhos estao sempre virados para a Europa, para Portugal....
Al Binda
Sim. O seu contributo para animar debates é interessante e importante Al Binda. Penso que deve continuar sempre. Contribui para estimular a liberdade de expressão e fazer entender as pessoas que devemos respeitar opiniões contrarias. Algo que, infelizmente, ainda boa parte dos crioulos faz com imensa dificuldade. Em relação à minha questão, queria ter a sua opinião enquanto profissional ja que como opinion maker (da web) acredito conhecer.
ResponderEliminarContudo, repeito a sua posição e dou-me por satisfeito com sua resposta.
Quanto à questão das elites (na aceitação de Pareto e W. Mills), a maioria estudou sim em Portugal. Mas também ha quem nunca pôs os pés numa faculdade portuguesa, logo não pensa da mesma forma. Conheço uns tantos por aqui.
Agora essa nossa atitude de estar a pensar que não somos africanos, porque somos "diferentes" dos "compatriotas" vindos do continente, é, para mim, um autentico disparate. Um "branco" sulafricano, zimbabuano é africano. Um "negro" brasileiro é sulamericano, um "negro" ou um "asiatico" dos US é americano, um "mestiço" australiano é australiano. Mas porque nos os crioulos, originarios de um pais situado no continente africano haviamos de ser algo diferente? Mas então Cabo Verde não esta situado em Africa e na ordem geopolitica mundial não é considerada Africa?
Creio que quem foi à escola e a faculdade (para os que tiveram oportunidade de la chegar) para estudar realmente nunca ia espalhar por ai que não somos africanos, apesar das particularidades que temos como se diz.
Enfim, assim vamos nos!!! Ou para parafrasear algo que vi numa televisão e li algures na nossa querida capital: "Assim se constroi uma nação"!!
Uma palavrinha ao Crioulo! Nao concordo contigo quando tu analisas a questao da formaçao cultural e mental da nossa elite e quando confundes também a geografia e o lugar de nascimento com a condiçao de africano europeu ou ameriano.
ResponderEliminarSobre a elite, eu que sou um liberal, convido-te a ler Bourdieu, ele que odiava o liberalismo. O problema nao é estudar em faculdades portuguesas em Portugal, em Cabo Verde ou em faculdades caboverdianas. Isto é uma questao cultural, uma questao de mentalidades, uma questao de civilizaçao.
Por exemplo, uma faculdade em caboverde, nao tem nada a ver com uma faculdade africana de Burkina Fasou ou Nigéria e Africa, apesar de cab verde ser também Africa. Vou dar-te ainda um exemplo mais claro: uma universidade americana, em Beirute, Paris ou Israel, é uma universidade americana ou israleita?
Como é evidente que é americana e nao é porque ha por exemplo uma universidade maericana na Nigéria, que ela vai passar a ser africana. Logo, toda a sua formaçao em termos de organizaçao é americana, porque concebida pela mentalidade americana. Logo, Piaget, tem um desenho mental português, porque a concepçao é portjugueusa, apesar de estar em cabo verde e de ter professores cabvoerdianos, que alias sao formados na molde cultural portuguesa.
Percebes Crioulo?!
Quanto a um sul affricano branco ser AFRICANO, tu deves estar a gozar com a tua cabeça. Conheces a Africa do sul? Conheces a vivência de um branco na Africa do sul? Conheces de vivência ou nao?
Eu conheço! Pois bem meu caro, o comportamento de um branco sulafricano, é o de um holandes ou inglês ,brancos vivendo na Eruopa. A diferença é que o sulafricano nasceu na Africa do sul ,ou vive naquele pais. Mas o seu comporatmento é o de um branco que nao tem relaiçoes sequer com o negro sulafricano.
Nao ha mesmo os intelectuais e pessoas formadas. Rigorosomante nada. E' um mito essa historia do fim do apartheid. O branco continua a desprezar o negro, que quer ver apenas como seu criado na Africa do sul. As excepçoes, que nao sao muitas, nao podem ser transformadas em regra geral.
Portanto, tu equacionaste apenas a questao de georgrafia. E o aspecto cultural, e o mental? Um caboverdiano nascido em Portugal e educado em Portugal que nunca pôs os pés em Cabo Verde ou em Angola e Nigéria, é africano ou europeu?
Os meus filhos (so estiveram de férias de alguns dias em cabo verde) sao europeus ou africanos?!!!!!
Al Binda