sexta-feira, dezembro 10, 2010

A História da Radiodifusão

Os primórdios da radiodifusão em Cabo Verde remontam à década de 30 do sec. XX com as primeiras iniciativas para instalação de uma emissora no país, acompanhando a avalanche de marketing publicitando os primeiros aparelhos receptores da marca Philips. As Câmara municipais da Praia e São Vicente são as primeiras a adquirirem esses aparelhos. Em finais de 30 já era possível ouvir a Emissora Nacional, músicas e notícias do mundo através de altifalantes, instalados pela Câmara Municipal de São Vicente, na Praça Serpa Pinto. "

A historiografia oficial nasce com a criação da “Rádio Clube de Cabo Verde”, apelidada pelos populares de “Rádio Praia”. Criada pelo alvará nº2/1945, com emissões diárias entre às 18h30 e às 20 horas, e uma programação variada que incluía música nacional e estrangeira, palestras, serviços noticiosos e programas de humor. Além da parte da radiodifusão funcionou ainda como clube recreativo, onde os sócios organizavam bailes e récitas. Foram alguns dos primeiros sócios, Lino Paulino Pereira, Bento Levy, Clarence Mendes, Manuel Serra, o governador João de Figueiredo, sócio honorário e Manuel Tomaz Dias o principal impulsionador da iniciativa, tendo-se realizado a primeira assembleia nos edifício da SAGA que, curiosamente em 1954, passaria a ser a sede da Rádio Clube de Cabo Verde declarada corporação de utilidade pública pelo governo da colónia em 1950.

A partir de 1947, com inauguração da Rádio Clube do Mindelo e da “Rádio Pedro Afonso” ou posto experimental CR4AC (Junho de 1949), por iniciativa do radiotelegrafista português José Pedro Afonso, São Vicente assume as rédeas da história da radiodifusão nacional.

Em Junho de 1954, o Grémio Recreativo do Mindelo, fundado em 1938, apresentava aos sócios a aparelhagem destinada ao seu serviço de radiodifusão seguido de uma proposta de alteração dos estatutos tendo em vista essa nova faceta da radiodifusão. Um ano mais tarde, em 1955, com apoio estatal, nascia a Rádio Barlavento, emitindo diariamente em ondas curtas, das 18h30 às 19h30. Funcionando no edifício do Centro Nacional de Artesanato e antiga casa do senador Vera-Cruz, sede do Grémio

A revista Cabo Verde Boletim de Propaganda e Informação no seu nº 69, de 1 de Junho de 1955, página 21, saúda a criação da Rádio Barlavento com o seguinte texto:

“ Têm sido escutadas nesta cidade em boas condições as emissões especiais do “Rádio barlavento” do “Grémio Mindelo”. Ao iniciar os seus trabalhos, a direcção do Grémio endereçou a S. Ex.ª o Governador o seguinte telegrama:

“Tendo iniciado ontem emissões experimentais banda 50 metros Rádio Barlavento saúda efusivamente V.exa. respeitosos cumprimentos”.

Eram membros da direcção da Rádio Barlavento, Dr. Fonseca, Dr. Adriano Duarte Silva, Mendo Barbosa da Silva, Dr. Aníbal Lopes da Silva, Dr. Júlio Vera Cruz, Engenheiro Graciano Cohen, Francisco Lopes da Silva e Abel Pires Ferreira.

Inicialmente a rádio funcionava com ondas curtas, posteriormente em Frequência Modelada. As emissões começaram inicialmente com duas horas e logo foi aumentada para seis horas diárias.

As notícias, vindas da metrópole, eram fornecidas pela agência noticiosa Press Lusitana, uma agência governamental que enviava as notícias já trabalhadas. O conteúdo em código morse era decifrado pelo telegrafista Francisco Cabral. As informações vindas da Praia eram fornecidas pelo Centro de Informação e Propaganda. A nível local, amadores forneciam informações sobre entidades que visitavam a ilha. A maior parte das informações emitidas era sobre Portugal.

Na Rádio Barlavento realizaram-se as primeiras gravações realizadas no arquipélago e que vieram a ser editadas em disco. Mité Costa, a cantar mornas de Jotamonte e acompanhada por um grupo dirigido por ele próprio, foi a primeira da série de 45 rpm "Mornas de Cabo Verde", editada pela Casa do Leão. Seguiram-se Amândio Cabral - no disco com a primeira gravação da hoje célebre "Sodade" - Titina, Djosinha e outros.

A Rádio Barlavento emitiu programas de produção própria alargada onde se destacam programas como: “Miradouro”, programa cultural produzido por António Aurélio Gonçalves (Nhô Roque).“Golo” um programa desportivo de grande audiência produzido por Daniel Crato Monteiro;

“Raiz Nacional” - um programa de actualidade e cultura produzido por Dr. Aníbal Lopes da Silva; “Roupa do Pipi” de Nho Djunga - um programa de intervenção, onde se fazia a crítica social com humor e que foi um dos programas e com muita audiência, como nem todos tinham rádio em casa, autênticas multidões reunirem-se à volta do coreto da Praça Nova para a escuta deste e de outros programas; Ou “Mosaicos Mindelenses” – um programa sobre vivências da sociedade mindelense produzido por Sérgio Frusoni.

Quanto à censura, era obrigatória a entrega dos relatórios no dia a seguir à emissão de cada programa. Como havia um controlo prévio, os responsáveis pela programação faziam uma auto-censura. Por vezes, dada a baixa escolaridade dos guardas da PIDE, havia mensagens de intervenção que passavam através dos programas sem o conhecimento dos mesmos.

A Rádio Barlavento foi extinta em 9 de Dezembro 1974, data em que foi invadida e ocupada por populares, transformando-se em Rádio Voz de São Vicente; que funcionou até 1985 data em que se fundou a Rádio Nacional de Cabo Verde à qual foi anexada.

terça-feira, dezembro 07, 2010

Jornalismo & Política

Na próxima quinta-feira sentamos os jornalistas e os políticos à mesma mesa e vamos procurar analisar o relacionamento entre estes dois actores sociais, cujo contributo é inestimável para a consolidação das instituições democráticas. Pode ser que para os mais desavisados a reflexão que ora se propõe se mostra prematura, uma vez que não existe, aparentemente, nada de anormal nesta relação. Esclarece-se, desde logo, que não se procura fazer uma abordagem rotineira partindo dos dois lados da barricada em que cada um destes campos defende as suas posições de trincheira.

É sabido que o mundo dos media e o meio politico são “amantes malditos”, condenados a andar lado a lado, a influenciarem-se mutuamente, mas sempre desconfiando um do outro e nalguns casos detestando-se. O Estado deve proteger a imprensa, mas pode sentir-se tentado a proteger-se a si próprio contra ela, limitando-lhe a liberdade de acção. A imprensa, por seu turno, dispõe de um grande poder de influência sobre a vida social, pelos efeitos que repercute, às vezes até pelo seu silêncio

De uma coisa todos estão de acordo: a imprensa não pode servir de base para a acção politica, porque ambas são eternas irmãs inimigas, e isso pelas razões que se expõe.

O jornalismo na sua origem é informativo. Dá notícias, narra factos. O seu objectivo é o rigor. Idealmente conta histórias do ponto de vista de ninguém. A sua limitação porém é que vive num ciclo de 24 horas. Esgota-se na procura estonteante do agora. Vive para o acontecimento e do acontecimento. As causas e os temas sociais são-lhe estranhos. Só os acontecimentos súbitos o servem. As situações crónicas, por graves que sejam, não o podem interessar. Num relato ela destaca sempre o novo, mesmo que com isso falseie o contexto, ou sacrifique o importante. A sua âncora são os nomes, as caras. O seu motor, a competição.

Mas o pior é quando o jornalismo informativo, que já sofre destas limitações que o seu ciclo de curto prazo lhe impõe, transforma-se num jornalismo interpretativo, considerado, hoje, um grau acima na escala de respeitabilidade da profissão.

Para esses jornalistas os factos são apenas pretexto para especular sobre os jogos de poder e os interesses inconfessáveis que fontes secretas lhes revelam. O jornalismo interpretativo cultiva o cepticismo, prefere expor, por sistema, as meleitas do poder, em vez de dar notícias, prefere gerar controvérsias.

Esta moda em que o jornalista é a estrela e o político um objecto pode envenenar a fonte e ser responsável pela má imagem da política junto do cidadão. Ao não distinguir nos seus escritos e nas suas manchetes o real abuso do poder do mero acidente de percurso, esse jornalismo enfraquece o elo de confiança entre políticos e os cidadãos, que é afinal a condição essencial para a democracia.

Thomas Petterson, director do Shorenstein Center, da Universidade de Havard, acha que a relação entre a política e a informação é má, porque a informação distorce a política ao concentrar-se na dimensão “luta pelo poder”, ignorando a dimensão “governação”.

Diz ele que há pouca correspondência entre informação sobre o mundo que normalmente a imprensa nos apresenta e o mundo real em que vivem as pessoas. “A informação deixou de querer ser um espelho reflector da sociedade, para ser um espelho que a distorce e lhe agiganta as facetas”.

Entre nós, não há dúvidas de que a imprensa vai ainda atrelada aos interesses e a agenda dos políticos, embora haja já sinais de um tipo de jornalismo muito em voga nos Estados Unidos, com ramificações na Europa. Um jornalismo politico que olha para os políticos com desconfiança, cepticismo e cinismo, obliterando a responsabilidade social que deve enformar a missão da imprensa.

O debate faz-se no auditório da RTC, a partir das 17:30.