terça-feira, março 27, 2012

DELEGAÇÃO DA TCV NO MINDELO ABANDONADA PELA ADMINISTRAÇÃO

Ao mesmo tempo que inauguraram novos estúdios digitais na Praia com toda a pompa, os responsáveis da empresa pública de televisão não cumprem compromissos com a sua representação mindelense, deixando jornalistas, operadores e técnicos impotentes para dar resposta às necessidades de informação

Praia, 21 de Novembro 2001 – A TCV acabou de inaugurar, com pompa e circunstância, discurso do Primeiro-ministro e bênção do Bispo, as novas instalações e estúdios digitais na Praia. Foi no passado dia 18, sexta-feira, num dia “abrilhantado” com programa em directo – de discutível qualidade, diga-se de passagem -, autêntica encenação de propaganda da administração e do Governo que se fartaram de dar loas à “introdução de uma solução tecnológica de ponta”, alegando estarem “criadas as condições para o aumento da produção, melhoria da qualidade e diversificação da oferta” do canal público de televisão.

Porém, os profissionais da TCV no Mindelo (São Vicente) acham que não passam de “bazófias de uma administração incompetente”, segundo disse a Liberal uma fonte da delegação mindelense que, por razões não difíceis de deduzir, pediu o anonimato.

À pompa, à modernização e ares de grande empresa virada para o futuro, confronta-se a inexistência de meios e condições dignas para os profissionais no Mindelo poderem exercer a sua actividade de forma eficaz e com critérios mínimos de qualidade. Liberal teve acesso a um e-mail dirigido à administração da TCV, por uma jornalista, e que é esclarecedor: “Olá, congratulo-me com mais este upgrade da RTC - pena que não seja transversal. Enquanto na sede se avança no século XXI, aqui na divisão da TCV Mindelo, retrocedemos para os idos do século XX. Estamos a montar no sistema analógico, nas cassetes BETACAM. As duas unidades de edição digital estão estragadas - uma teve de ir para a Praia, para o conserto, e a outra está bloqueada, sem condições de uso. Até quando?”

As broncas sucedem-se, a título de exemplo, por altura da abertura do Fórum Nacional de Artesanato, a câmera utilizada na reportagem acabou por não registar nenhuma imagem, e para se poder cobrir o primeiro workshop do Fórum, houve necessidade de alugar equipamento que, no entanto, não teve qualquer préstimo porque não estava programado para o sistema utilizado na TCV… A solução foi socorrerem-se de imagens cedidas pela organização do evento.

Num relatório, a que Liberal teve acesso, é evidente a frustração que campeia entre os profissionais da TCV no Mindelo, “pela falta de condições mínimas de trabalho”, e onde se considera que “não seria assim se a administração cumprisse o compromisso tantas vezes reiterado, de enviar um equipamento de filmagem para uma delegação com CINCO jornalistas e QUATRO operadores de imagem”.

Frustração e desesperança, diga-se de passagem, bem expresso no final do documento: “Este relatório não vai mudar absolutamente nada: vamos continuar a usar as DUAS câmaras de estúdio. Gostaria era de convidar o corpo administrativo da RTC e da TCV para que nos acompanhassem no terreno, num fim-de-semana de cobertura aqui na delegação. Será a única forma de conseguirmos algum respeito da vossa parte?”

O “projecto de modernização da Televisão de Cabo Verde”, anunciado pela administração no final da passada semana, parece ser, pelo menos no que respeita à delegação mindelense, “conversa para boi dormir” – como sói dizer-se na nossa terra…


Fonte: Liberal

segunda-feira, março 26, 2012

A Espiral do Silêncio

De quando em vez ouvem-se reclamações de deputados e presidentes de câmara quanto à necessidade de se instalar uma delegação da RTC no seu concelho ou na sua ilha. Julgo tratar-se da expressão de uma reivindicação legítima das populações locais. No entanto parece-me que o sufoco financeiro que atravessa a concessionária do serviço público de rádio e televisão não lhe permite erguer semelhante estrutura em cada ilha. Nem penso que esta seja a forma mais apropriada para tirar da zona de penumbra mediática vários recantos deste país. Prometer espalhar, nos tempos mais próximos, delegações pelas ilhas soa a populismo e à irresponsabilidade. A abertura de delegações da RTC, com os inerentes custos de funcionamento, na lógica da satisfação de interesses, muitas vezes, político-partidários tem dado os resultados que se conhecem. A delegação da Assomada é um exemplo desse tipo de expediente.

Coisa diferente, perfeitamente exequível, é colocar nas ilhas, onde ainda não existem delegações da RTC, jornalistas profissionais, polivalentes, equipados com meios técnicos indispensáveis de tal sorte que possam, diariamente, trazer à antena nacional os principais acontecimentos da ilha ou do concelho. Imaginemos os ganhos em termos de rentabilidade social que este modesto investimento não traria para as ilhas de S. Antão, S. Nicolau, Maio e Brava… O modelo adoptado para a Boa Vista, onde existe apenas uma jornalista para os dois órgãos, TCV e RCV, deve ser reforçado com mais recursos humanos e técnicos.

Embora reconhecendo o esforço e a dedicação de alguns correspondentes, entendo, todavia, que a aposta deve ser em jornalistas a tempo inteiro. As obrigações de serviço público que recaem sobre os ombros da RTC, nomeadamente, a de espelhar as realidades regionais, não se compadecem com o amadorismo e o part-time que têm caracterizado a informação de algumas ilhas e concelhos. Como pode, por exemplo, um cidadão do Maio, Brava ou de S. Nicolau aceitar que, pagando a taxa da RTC como outro qualquer da Praia ou de S. Vicente, não tenha sequer direito ao trabalho de um jornalista profissional que lhe conte, com uma periodicidade aceitável, na televisão pública, as “estórias” da sua terra e das suas gentes?

Urge também reflectir sobre o percurso e o desempenho das delegações. Ou seja, avaliar os resultados em função dos objectivos, das estratégias e dos meios de produção. Importa indagar até que ponto as populações do Fogo (não apenas a de S. Filipe) e da Brava viram as suas necessidades em matéria de informação, formação e entretenimento supridas com a instalação da delegação regional da RTC na ilha do Vulcão. O quotidiano dos cidadãos do vasto e disperso interior de Santiago está a ser reflectido pela estrutura de produção de conteúdos de Assomada? As expectativas das pessoas da Boa Vista estão a ser satisfeitas pela delegação do Sal?

Depois de vários anos a debater-se com uma gritante falta de meios técnicos, foi inaugurada em S. Vicente, no início de 2007, com as habituais pompa e circunstância, um estúdio de produção que, dizia-se na altura, estava equipada com o último grito tecnológico em matéria de produção televisiva. Finalmente tinha chegado o momento porque tanto os mindelenses ansiavam: uma televisão que ia mostrar S.Vicente a Cabo Verde, a partir do Mindelo. Tinha acabado essa estória de ver o país pelos olhos da Praia. Esse sentimento foi expresso pelo povo nas entrevistas de rua que antecederam o tão aguardado momento.

Cedo as virtualidades tecnológicas mostraram que não estavam à altura das demandas e desafios preconizados, não por falta, diga-se, de inúmeros avisos por parte dos realizadores, operadores de imagem e alguns jornalistas. Como se não bastasse, o tão propalado estúdio que iria tirar a ilha e a região do isolamento, de tão exíguo (sem profundidade de campo suficiente), só serve como apêndice do Telejornal.

Há nisto tudo algo que me faz matutar. Com muito menos recursos técnicos do que hoje, a divisão da TCV no Mindelo produzia, nos idos de 1995, três grandes programas semanais: “Estrela da Noite”, um programa de variedades, com público, gravado no auditório, entretanto transformado em lixeira; “Aos Pares”, um magazine jovem, e um musical “Alta Frequência”. Para além, disso ainda havia produções pontuais assinadas pelos realizadores João Gomes e Aristides Silva.