quarta-feira, novembro 09, 2011

A Auto-Regulação

Neste exercício de tentar perceber os mecanismos regulatórios da comunicação social cabo-verdiana, gostaria de me debruçar, desta feita, sobre a chamada auto-regulação. A liberdade de imprensa foi, desde sempre, considerada uma das condições fundamentais para o exercício da função primordial dos jornalistas, da vigilância sobre os demais poderes. Contudo, deve-se ressalvar que a liberdade de imprensa e o dever de informar não autorizam tudo, na medida em que não são absolutos e irrestritos. Pelo contrário, devem articular-se e respeitar os outros direitos com igual valência constitucional, a começar pelos direitos de personalidade.

No momento em que discutimos o modelo de regulação da comunicação social, parece-me imperioso trazer para o espaço público a questão da auto-regulação como solução para o problema da legitimidade do jornalismo e dos jornalistas, um tema cada vez mais actual. O facto de, entre nós, não haver muitas queixas por parte dos cidadãos em relação a derivas e derrapagens ético-deontológicas, o que leva sempre ao descrédito do jornalismo de investigação, bastante escasso no nosso panorama mediático, não deve servir de pretexto para que não abramos o nosso ofício a um maior escrutínio dos cidadãos.

A auto-regulação afigura-se então como a solução mais apropriada para resolver uma aparente contradição que é a de manter e assegurar um funcionamento responsável dos media sem pôr em risco a sua liberdade. No fundo, “os jornalistas escolhem livremente não ser livres” sempre que o exercício da sua liberdade afecte outros bens e valores igualmente respeitáveis, ou sempre que esse exercício não contribua para defender e promover os bens comuns essenciais à dignidade de todos os seres humanos.

A auto-regulação, como alguém já a definiu, supõe que o enquadramento normativo dos media seja deslocado do Estado – com a sua regulação jurídico-administrativa - e do Mercado – com a sua regulação económica - para a sociedade civil – com a sua regulação ética. Trata-se de assegurar a responsabilidade, abrindo-se voluntariamente à imputabilidade, à pestação de contas por parte da comunicação social e dos jornalistas.

De entre os vários mecanismos que constituem o arsenal da auto-regulação, quais sejam, os livros de estilo, os estatutos de redacção ou códigos de empresa, cuja actuação se circunscreve ao espaço concreto das redacções; os códigos e os conselhos deontológicos, que incidem sobre o grupo profissional enquanto colectivo; os conselhos de imprensa, as iniciativas de críticas dos media e o metajornalismo, o correio dos leitores e o provedor do leitor, ouvinte e do telespectador; gostaria de me referir com algum detalhe aos conselhos de redacção.

De acordo com o nº 2, artigo 25º da lei da comunicação social (Lei nº 70/VII/2010) de 16 de Agosto, “nos órgãos de comunicação social com mais de cinco jornalistas, estes elegem um conselho de redacção por escrutínio secreto, segundo um regulamento por eles aprovado. Trata-se de um acordo voluntário entre os profissionais de um meio de comunicação social e a respectiva empresa com pelo menos duas funções: criar vias de comunicação entre a redacção e as direcções do órgão e a empresa; e reconhecer uma série de direitos e obrigações dos profissionais e da empresa, que ambas as partes se comprometem a salvaguardar e a respeitar.

O conselho actua como interlocutor perante a empresa, servindo como um canal reconhecido para transmitir a opinião da redacção. Outra função essencial do conselho é transmitir à empresa a opinião da redacção sobre as nomeações para os cargos directivos do meio de comunicação social, em particular do director. Trata-se de um passo importante no reconhecimento de um certo direito de participação da redacção na escolha dos ocupantes de certos cargos, por muito limitado que seja, e que supõe um primeiro sinal em direcção à democratização interna dos media.

Este órgão pode fazer chegar a sua opinião fundamentada sobre a nomeação de um novo director (subdirector e director-adjunto) quando dois terços ou mais da redacção não estiverem de acordo com a proposta da empresa. A entidade incumbida de tomar a decisão (o Conselho de Administração, a Assembleia-Geral de Accionistas, etc.) deverá ter em conta esta opinião, embora ela não seja vinculativa. O mesmo acontece nos casos inferiores, em que cabe ao director dar a conhecer as propostas e escutar a opinião da redacção.

É certo que os profissionais não podem decidir a nomeação dos cargos do meio de comunicação social nem mesmo impor um veto que vincule a empresa. Mas não se deve ignorar a importância deste direito de emitir uma opinião sobre as nomeações (em particular quando existe uma oposição maioritária). O carácter não vinculativo da opinião da redacção reduz a sua margem de influência, mas não a anula: não é muito provável que uma empresa decida impor uma nomeação (ou que o próprio implicado a aceite) contra a vontade de quem vai ter de colaborar estreitamente com o nomeado.

Há estatutos que vão mais longe: estabelecem, por exemplo, que, caso aconteça a referida oposição de dois terços à nomeação, um representante do conselho de redacção deve ser ouvido pelo Conselho de Administração ou Assembleia-Geral da empresa, que tomará a decisão final quanto à nomeação. Mais: o conselho pode tornar pública a posição da redacção nos espaços de opinião do órgão de comunicação social nos quatro dias seguintes à nomeação.

O conselho também age como interlocutor junto do director do meio de comunicação social, fazendo-lhe chegar as exigências, sugestões, opiniões, etc., de carácter profissional da redacção. Isto não afecta as funções que o director deve desempenhar e que os estatutos reconhecem. Não é função do conselho questionar ou interferir no trabalho do próprio director, mas sim servir de canal de diálogo sempre que possam surgir discrepâncias relevantes, tanto individuais como colectivas.

Apesar de a lei estipular que “os órgãos de comunicação social, em função da natureza e do número de jornalistas, devem ter um conselho de redacção”, é confrangedor notar o desinteresse com que muitos jornalistas (não) olham para esta janela de participação na orientação editorial do órgão onde trabalham. Assim torna-se difícil romper com a vetusta forma de fazer jornalismo institucional.

Carlos Santos

http://kriolradio.blogspot.com/