quarta-feira, dezembro 14, 2011

Regulação pela Metade

A regulação efectiva da imprensa poderá tornar-se realidade, depois de anos de profunda letargia em esteve embalado o conselho de comunicação social. Os estatutos da nova entidade administrativa independente foram aprovados no início deste mês pelo parlamento, abrindo assim as portas a uma etapa que se adivinha morosa, complexa, uma vez que requer aturadas negociações entre as duas principais forças políticas. Estamos a falar, obviamente, da escolha das personalidades que irão integrar o órgão regulador.

Apesar de se tratar de um órgão constitucionalizado, que se espera venha a ter poderes alargados no domínio dos media, as dúvidas quanto à sua independência em relação ao poder político vão existir sempre – convém, aliás, não esquecer que esta autoridade nasce por influência do poder político, e não da própria imprensa -, sobretudo devido à composição e nomeação dos seus membros. O pior que poderá acontecer à ARC é transformar-se em arena para barganhas político-partidárias. Estará ferida de morte! Por isso, do regulador espera-se maturidade e credibilidade. Ela não se compadece com amadorismos.

Embora a lei não exija competências académicas e um saber fazer específicos, os membros da Autoridade Reguladora deverão ser personalidades públicas reconhecidas, com curricula inatacável adequado à missão. Devem pelo menos possuir competências a nível de coordenação de estudos técnico-científicos; de projectos de investigação no sector, e, pelo menos, experiência de docência na área dos media e da comunicação. Sem esse arcabouço, os membros deparar-se-ão, porventura, com fragilidades e dificuldades no seu desempenho, o que poderá levar a ARC a defraudar as legítimas expectativas dos cidadãos em relação à sua acção de regulação dos media.

Infelizmente a Autoridade para a Regulação da Comunicação Social nasce amputada de um dos pilares que sustentam a sua credibilidade e independência. Ao recusar à ARC a competência para a atribuição de licenças para o exercício da actividade da rádio e televisão, o parlamento mostrou não estar sintonizado com os rumos que a regulação deste sector tem vindo a trilhar desde a década de 80, com a desregulamentação e a queda dos monopólios do Estado nestes dois meios.

Fosse a Constituição da Republica a atribuir à ANAC a responsabilidade pelo licenciamento de canais de rádio e televisão, até se compreenderia. Escudar-se em legislação ordinária, com a tese de que o ordenamento jurídico cabo-verdiano assim o determina, ou que não fica bem ao regulador ser juiz e player (autorizar o funcionamento) ao mesmo tempo, acabam por ser argumentos falaciosos. Pode-se, já agora, perguntar, por que motivo deve ser a ANAC a atribuir licenças para o exercício da actividade da rádio e televisão, quando ela apenas responde pelos parâmetros técnicos dos candidatos submetidos a concurso. Por exemplo, no caso de um canal não estar a cumprir o seu caderno de encargos, que fará a ANAC? Mandará, por e simplesmente, cortar o sinal? Neste caso, seríamos forçados a concluir que a agência nacional de comunicações teria competências para fiscalizar a execução da programação, o que não é o caso. Infelizmente, o parlamento optou por sobrevalorizar a regulação tecnológica (e nalguns casos, económica), em detrimento daquilo que é a essência do sector mediático, os conteúdos, e que importa de facto salvaguardar.

A experiência de vários países onde existem entidades ou autoridades com as responsabilidades e a filosofia que se pretende para a ARC, mostra que a competência para o licenciamento de canais é um das principais funções do regulador dos media.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a Federal Communications Comission (FCC), em matéria de comunicação social, exerce competências que se estendem desde a outorga, renovação e cancelamento de licenças para o exercício das actividades de rádio e televisão, ao controlo das respectivas emissões. Em França, o Conseil Superieur de l’Audiovisuel (CSA) detém o poder de nomeação de quatro membros do conselho de administração da rádio e da televisão públicas, incluindo os respectivos presidentes, o que constitui uma importante garantia de independência dos órgãos de comunicação social públicos perante o poder político. Ora aí está um exemplo a seguir em relação ao modelo de governação da RTC. As questões relativas à gestão do espectro radioeléctrico passam também pelo CSA, que para além de disponibilizar frequências para as emissões radiofónicas e televisivas, planifica as redes de difusão no que concerne à sua extensão e desdobramentos.

Em Itália, a Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni assume tarefas de regulação, controlo, administração e arbitragem nos sectores das telecomunicações, rádio, televisão e imprensa. Comete à AGC, através da Comissão para as Infra-estruturas e redes, a elaboração e aprovação dos planos de atribuição de frequências. Em Inglaterra, a rádio e a televisão privadas são reguladas pelo Office of Commucations, entidade com intervenção alargada a todo o sector das comunicações electrónicas. Compete a OFCOM, na prossecução do interesse dos cidadãos e consumidores, assegurar a gestão do espectro radioeléctrico, a disponibilização de um leque alargado de serviços de comunicações electrónicas e de serviços de programas de rádio e de televisão de qualidade, abrangentes e plurais, bem como a defesa das audiências perante a difusão de conteúdos prejudiciais, ofensivos, desequilibrados ou que ponham em causa a privacidade das pessoas. O sector público de rádio e televisão é representado pela BBC.

Em Portugal, a ERC herdou as competências da Alta Autoridade para a Comunicação Social em matéria de atribuição de licenças para o exercício das actividades da rádio e televisão. Ou seja, sempre que nos interessa copiamos a legislação e imitamos as instituições portuguesas, quando não nos convém, inventamos a nossa caboverdura. Assim, não admira que em matéria de liberdade de imprensa estejamos no pelotão da frente!