O texto que se segue é da autoria do jornalista Elisângelo Ramos (foto), um dos principais impulsionadores da criação deste espaço público de reflexão crítica sobre a rádio e a comunicação social em Cabo Verde. O jornalista é neste momento o editor de Cultura da RCV, estando sob sua responsabilidade o Jornal de Cultural, emitido às segundas, quartas e sextas-feiras às 13:30 e o Magazine Cultura, transmitido aos domingos, pelas 21 horas. Apesar de considerar excelente a cobertura mediática em torno da atribuição à Cidade Velha do estatuto de Património da Humanidade, o jornalista critica a falta de visão dos responsáveis dos órgãos de Informação que ainda não aprenderam que o sucesso da actividade dos media joga-se, na maior parte das vezes, na planificação.
Cobertura mediática excelente e a pender para o patriotismo. Assim entendemos a cobertura informativa à elevação da Cidade Velha a Património da Humanidade pela UNESCO. Mal soubemos da boa nova, vários Órgãos de Comunicação Social se fizeram presentes na Cidade Velha, naquele dia 26 de Junho que terá sido, julgamos, a maior enchente jornalística na Ribeira Grande de Santiago, com repórteres de quase todos os continentes, pois que não só africanos e europeus, mas e também norte-americanos.
As gentes da Cidade Velha, pelo seu modo de manifestar alegria, pouco nos deixaram perceber da sua real percepção àquilo que se passava ao seu redor. Poucos se atreviam a falar, talvez empenhados em preservar o pouco que sabiam. É que na verdade – resumido entre o Interior e o Urbano – a população na Cidade Velha é flutuante e, a hora da notícia e, a azáfama mediática, em recolher o pulsar dos cidadãos, pegou de surpresa a comunidade, embrenhada em afazeres profissionais; a população mais escolarizada estava, nessa altura, em função: na administração local, nas escolas e, também, na Cidade da Praia. O pessoal da faina agrícola estaria, certamente, entre as ribeiras e, a pesca àquela hora era prioridade e, os meninos na escola e os pais preocupados com o almoço e a preparação dos menores para a escola.
Até o ensino secundário e superior roubou brilho juvenil às festividades no dia 26 de Junho. Perante este quadro aos Jornalistas outra solução não restava: recorrer-se às habituais vozes, aquelas que ao longo dos anos se vêm batendo para que o merecido estatuto fosse aclamado em Sevilha.
Todavia, estando lá e observado, realçamos aqui o interesse e preocupação dos Jornalistas em "pegar" não só as autoridades (locais e centrais) bem assim ouvir a voz do povo, e fizeram-no em maior estilo.
Entretanto: a forma como foi feita a cobertura deste grande evento nacional curva-nos para uma palavra aos meios técnicos, humanos e de programação. Na verdade, sabendo-se da Candidatura, deveriam os directores de programação, produção e/ou planeamento dos Órgãos ter, a partida, muito antes do em cima de joelhos, criado e montado um circuito que tornasse mais célere e mediática a cobertura do evento, não só aqui no País como na Diáspora.
Pois, aquilo que deveria ser uma festa nacional, acabou por se resumir a manifestações de alegria, mais por parte dos poderes e cientistas sociais do que propriamente do grosso dos cabo-verdianos.
Os órgãos públicos de Comunicação Social, face aos meios técnicos e humanos de que dispõem, poderiam e deveriam tê-lo feito: por exemplo, bom seria, que soubéssemos o sentir das comunidades cabo-verdianas (que muito lutaram pela Candidatura); medir o pulsar do cabo-verdiano de Santo Antão à Brava; ouvir os nossos cientistas sociais que não apenas os estabelecidos na Ilha de Santiago.
Era alargar a cobertura à Nação, feita de homens que habitam nove ilhas e cuja maioria dos filhos residente fora do país. É crível dizer-se que faltou programação à cobertura do evento e faltou por ausência de planeamento. Mesmo que a Candidatura não passasse a cobertura se impunha, pelo que não nos parece plausível como pretexto para este "desenracá" essa eventualidade para não se ter preparado o menu à mediatização formatada do certame.
Mesmo assim e, tendo em vista a fraca cobertura, normalmente dada aos eventos de teor cultural, desta vez a Comunicação Social cabo-verdiana desempenhou o papel que a Lei lhe reserva.
Alertamos, contudo, para a necessidade de os Órgãos ponderarem bem sobre o que o titulo lhes reserva. A começar pela Rádio de Cabo Verde que deverá, o quanto antes, dotar o Município da Ribeira Grande de Santiago, de um Correspondente e, num futuro próximo, estudar a possibilidade de instalação de uma delegação naquele concelho.
Esperamos que não nos venham com a desculpa de que a distância entre Cidade Velha e a Cidade da Praia não justifica tal aposta. Isso seria tentar encobrir os reais motivos para a não instalação em concelhos perto da capital de delegações. E, em termos de custo, todos sabem quanto as tecnologias vieram revolucionar as práticas outrora onerosas. Quem fala da Rádio, di-lo, indiferentemente da TCV. Referindo–se, ainda, à cobertura da Declaração da UNESCO é de se lamentar o papel desempenhado pelos órgãos comunitários que, fracos de recursos e meios, não puderam dar as suas populações locais o pulsar sentido na Cidade Velha.
Embora a avaliação seja positiva é de se esperar que esta dinâmica sirva de exemplo aos decisores: é possível fazer mais e melhor. Outrossim, a cobertura mediática colocou a nu a necessidade de os Órgãos se empenharem na especialização dos seus Jornalistas, promovendo a devida formação.
Elisângelo Ramos