terça-feira, maio 05, 2009

O Papel dos Media na Consolidação da Democracia

É um facto que a “liberdade de imprensa” continua a ganhar terreno em muitos países, nomeadamente no Leste (nos antigos países comunistas), na América do Sul, na Índia, em Africa – mas também não é menos verdade que essa liberdade de imprensa continua a ser um privilégio de uma minoria.

Convém não esquecer que mesmo em liberdade, o jornalismo e o exercício da imprensa livre é uma permanente luta pelo direito a informar e a ser informado, e no acesso à informação reside parte desta mesma liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa é, se quisermos, uma procura constante… uma luta diária em todo o mundo.

Que os meios da comunicação social são essenciais à democracia, todos o sabemos. Na verdade, nunca fomos melhor informados, nunca o nosso mundo nos pareceu tão aberto. Nunca tantos dados, nem tantas notícias estiveram disponíveis ao mesmo tempo. Isto tem a ver com a credibilidade dos media e a formação da opinião.

A informação só tem valor se for credível, e, para o ser, tem que ser rigorosa. É por isso que continua a fazer sentido a expressão recorrente: “os factos são sagrados, o comentário é livre.”

Os media contribuem para a formação da opinião publica, e são, para utilizar uma expressão do Prof. Paquete de Oliveira, provedor dos telespectadores da RTC, “condição e estruturas indispensáveis à sustentação de uma sociedade democrática.” São autênticas vozes da democracia, constituem o seu horizonte crítico, como espaço público reflectido, como instâncias de controlo. Mas a esta importância deve corresponder a equivalente responsabilidade.

Pluralismo, igualdade, liberdade, rigor, transparência, ética e deontologia, são valores centrais que devem enquadrar o funcionamento do sistema mediático. Daí a necessidade de se agir de acordo com regras deontológicas claras, com a maior transparência e o maior rigor no tratamento dos factos e das questões de relevância publica.

É imprescindível que o sistema mediático seja plural, de molde a assegurar, como diz a Constituição da Republica de Cabo Verde, a expressão e o confronto de ideias das diversas correntes de opinião.

São muitos os desafios que hoje se colocam aos meios de comunicação social. Desde logo, a concentração da propriedade; as novas tecnologias; o contágio do jornalismo ou da informação pelo espectáculo, pelo entretenimento, que acaba por ter como consequência imediata o sensacionalismo; o cinismo no jornalismo politico que, infelizmente, já dá sinais entre nós; a arrogância parte dos jornalistas; a precariedade das relações laborais que afecta um número considerável de jornalistas, uma das causa dos crescentes desvios da ética e da deontologia; a formação, a especialização, enfim, um rol de questões que convém encarar com firmeza.

O perigo da concentração da propriedade dos media não vem do propriamente do Governo, mas sim dos próprios grupos económicos. Muito embora Cabo Verde seja um caso específico, o mercado é incipiente, exíguo, e pouco atraente a investimentos privados no sector dos media, o que faz do Estado o maior e o mais poderoso grupo de comunicação social, o maior empregador neste deste sector… e muito sinceramente não há sinais que isso vá mudar tão cedo.

Basta ver o fracasso que tem sido, até este momento, a abertura do mercado televisivo a operadores privados. Dois anos após a queda do monopólio da televisão estatal, os canais privados são uma imagem pálida daquilo que esperam os cabo-verdianos. Em Portugal, por exemplo, menos de três anos de entrar em funções, a SIC já liderava as audiências.

Obviamente que como profissionais da RTC não é este o nosso desejo. De todo o modo, pensamos que está ainda por cumprir o desígnio a que se propôs o Governo que, basicamente, consistia em “estimular o sector, fazendo do licenciamento de canais privados uma forma de pressão sobre o próprio serviço publico, da própria empresa de Rádio e Televisão, para introduzir factores de qualidade;”

Este cenário não pode servir de motivo de orgulho à Televisão de Cabo Verde. Ela é obrigada a ser uma referência quer em termos de inovação tecnológica e dos conteúdos, quer em termos do reforço da coesão nacional, da identidade cultural e das realidades regionais… e isso não tem acontecido.

Voltemos à concentração dos media em pequenos grupos económicos. A informação passa a ser determinada pelo mercado, onde as notícias são vistas pelos produtores, não como um bem público, mas como uma mercadoria produzida mais com o objectivo de atrair e proporcionar uma audiência aos anunciantes do que para informar o publico.

No entanto, convém deixar claro que não é imoral as empresas serem lucrativas. O dinheiro pode trazer alguma independência. Aliás, a história da imprensa no ocidente mostra que a independência económica e a segurança financeira foram fundamentais para a conquista da liberdade. Em muitas sociedades democráticas foi graças ao desafogo financeiro que a imprensa escapou ao controlo do Governo.

Para já, se a imprensa for economicamente estável, é mais provável que seja politicamente independente. O dinheiro também é importante porque a cobertura jornalística de qualidade é cara. É muito difícil uma empresa que esteja numa situação económica periclitante acompanhar bem e com regularidade as questões de interesse público. Exemplos não faltam entre nós.

O problema é quando o dinheiro se torna um fim em si próprio, o interesse público fica prejudicado; desde logo, se a ideia é ter lucro, vamos cortar nas despesas, ou seja, na produção das notícias. A informação de qualidade é cara e se o objectivo da organização é ganhar dinheiro, a tendência é reduzir os custos. Hoje regista-se, pelo menos nalguns órgãos de referência privados, uma tendência de redução dos orçamentos destinados à investigação jornalística.

Por outro lado, a divisão estanque que existia entre a redacção e o departamento comercial e marketing tende a diluir-se. As decisões editoriais são cada vez mais condicionadas pela estratégia comercial.

Para além da questão do mercado, do lucro, da guerra das audiências, que acaba muitas vezes por desvirtuar a responsabilidade social que impende sobre os media – a começar pelos atropelos aos valores da ética e da deontologia - o jornalismo, assim como a politica, tem as suas patologias. Para já, o jornalismo televisivo tende a criar o culto da personalidade. Estar sob o olhar do público pode conduzir ao narcisismo, ao vedetismo.
De um modo geral, o jornalismo pode tornar-se patológico quando se fecha numa redoma. É um facto que os jornalistas estão a falar cada vez mais uns para os outros, e não para as audiências. Os jornalistas isolaram-se: separados no estilo de vida, nas preocupações das pessoas, sem relação de proximidade com o povo, os jornalistas perdem o contacto com a sociedade, com os cidadãos para os quais supostamente trabalham.

No nosso caso, essa constatação faz todo o sentido. Estamos a desligar-nos das preocupações, dos problemas, das expectativas, dos sonhos e ansiedades dos cidadãos. O espaço público mediático apresenta-se quase todo ele preenchido por questões, maioritariamente de índole politico-partidária, que se encontram nas antípodas das realidades e preocupações quotidianas dos cidadãos.

Estes muito dificilmente conseguem fazer ouvir a sua voz nos media de expressão nacional em virtude de um paradigma de jornalismo completamente esgotado que insiste numa abordagem institucional que tem na politica o tema dominante.

Quantas vezes não parte das pessoas a iniciativa de contactar os meios de comunicação social para denunciar um problema que afecta a sua comunidade. Pode parecer exagero mas é um facto passível de ser constatado mediante uma ligeira análise de conteúdo às notícias difundidas nos principais órgãos, que os cidadãos só encontram atenção por parte dos media quando em situações de desgraça, como por exemplo a denuncia de casos de violência domestica ou alguém que viu a sua casa consumida pelo fogo, o atraso nos salários, etc.

Parece-nos que é altura de revermos os nossos valores-noticia e os critérios de noticiabilidade, adoptando um paradigma jornalístico que traga para o centro das preocupações outros temas sociais como o ambiente, os direitos humanos, a cidadania e os valores da democracia; a saúde, o quotidiano das pessoas, enfim, um jornalismo com rosto humano. A lógica das noticias fragmentadas baseada em sucessivas declarações politicas, sem qualquer contextualização, interpretação, às vezes com base numa única fonte, tem que ser revista.

É preciso dar um sentido mais digno ao papel de intermediador que deve ter o jornalista enquanto profissional intelectual, interprete do instante – como diz Judite de Sousa - , responsável pela construção social da realidade. O jornalismo protocolar tem que acabar. Os jornalistas devem começar a exigir dos seus superiores hierárquicos uma gestão de informação que não os transforme em “pés de microfone” ou meras “correias de transmissão”.

Do serviço Publico de Rádio e Televisão, enquanto elo social, espera-se criatividade, inovação e qualidade. Princípios que devem nortear toda uma programação assente na diversidade e uma referência que satisfaça as necessidades culturais, educativas, formativas, informativas e recreativas de públicos específicos.

O operador público deve assegurar o pluralismo, o rigor e a objectividade da informação, bem como a sua independência perante o governo, a Administração Pública e os demais poderes públicos.

O distanciamento face às fontes de financiamento é igualmente um dos princípios fundamentais para que o operador de serviço público tenha de facto independência e autonomia. O publico saberá sancionar a independência dos media face aos poderes instalados, conferindo ou não credibilidade àquilo que transmitem. Ligado a este valor encontra-se um outro. A preocupação em impedir a transformação dos canais de serviço publico em produtos comerciais. Os discursos recentes que visam tornar “vendáveis” os conteúdos produzidos pela Rádio e Televisão Cabo-Verdianas não nos podem tranquilizar.

As consequências de uma excessiva comercialização das emissões radiofónicas e televisivas serão implacáveis: o entretenimento vai sobrepor-se à informação, os acontecimentos dramáticos e espectaculares invadiriam o espaço de analise e debate e os responsáveis pela programação orientar-se-iam progressivamente mais pelo interesse do publico do que pela sua missão de promoverem a cidadania.

Pensamos igualmente que é chegado o momento de o serviço público da RTC se deslocar do Estado e do Mercado (que no caso é extremamente exíguo) e se aproximar mais da sociedade civil. Não estaremos a exagerar se dissermos que os órgãos públicos, sobretudo a televisão tem estado desde a sua criação mais ao serviço dos governos do que propriamente dos cidadãos.

Por diversas vezes somos confrontados com a tese segundo a qual a comunicação social cabo-verdiana não tem acompanhado o processo de desenvolvimento do país. Aliás, só isso justifica que se queira fazer dos órgãos de informação um espaço de propaganda ao serviço dos interesses económicos, como se depreende da leitura da proposta da nova lei da comunicação social que está prestes a ser aprovada.

Da nossa parte, pensamos que se trata de uma falácia e uma tentativa de menosprezar o importante contributo dos media nacionais no processo de transformação de Cabo Verde ao longo da sua caminha como nação.

Basta revisitarmos a história da imprensa desde 1820, para encontramos cabo-verdianos que fizeram do jornalismo uma arma para, como dizia Eugénio Tavares “abordar questões defesas, descobrir factos irritantes e expor verdades que, mais ou menos, firam susceptibilidades dos elevados às iminências da governança ou do dinheiro.”

A dignificação da profissão de jornalista deve mobilizar toda a classe, não para a defesa de privilégios de uma elite com a pretensão de estar acima de tudo e todos e de ser o arbitro da vida social; que ostenta a auto-suficiência ou mesmo a arrogância, reflectindo a inaceitável postura de que os jornalistas têm liberdade de critica mas não deverão estar sujeitos às criticas dos outros nem exercer a auto-critica.
Esse corporativismo só se aceita se pugnar pela defesa dos legítimos direitos dos jornalistas, da sua autonomia, de quem defende a função de informar e de formar o publico, pedras basilares da liberdade de imprensa.

Termino citando o Primeiro-Ministro que na abertura da aludida conferência para assinalar os 10 anos da RTC dizia o seguinte: “Só com uma imprensa livre pode haver ética na política ou na governação. A imprensa na liberdade explicita as regras do jogo democrático e, em parte, arbitra o jogo e controla o exercício do poder, denunciando os desvios em relação aos compromissos assumidos e os interesses públicos.

E perguntava: será que a Comunicação Social em Cabo Verde tem cumprido o seu papel? Acho que sim! Há mais jornais, mais rádios, mais televisões, há mais pluralismo, há mais dissenso, há mais espaço de participação e de controlo do exercício do poder.

E exortava José Maria Neves: “Tenho repetido àqueles que se referem a alguns excessos que se verificam neste ou naquele órgão, por este ou aquele jornalista ou comentarista, que mais vale haver excessos do que o cerceamento da liberdade. É que a liberdade é fundamental para potenciar energias criadoras da sociedade”.

E nós jornalistas o que pensamos sobre isso?

Obrigado
Carlos Santos

4 comentários:

  1. Viva Carlos. Bem vindo ao mundo da blogsfera. Que nao te doam as maos. E nem mingue a voz. persitencia e estofo, caro amigo. Que os sonhos assim correm o risco de virar realidade. um abraco de Mocambique. Ndapassoa

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  2. No cômputo geral, temos aqui uma boa analise. Mas ainda colada ao poder, ter que sentir-se na obrigaçao de dar graxa citando o primeiro ministro José Neves, como se ele fosse um especialista da comunicaçao ou da liberdade de imprensa. Nesse aspecto essas duas citaçoes nao passam de subserviência do jornalista perante o político, neste caso, aquele que lhe dá de comer.

    SE EU TIVESSE QUE SER rigoroso em termos intelectuais de um professor a sentenciar o ponto do estudante, so por estas duas citaçoes, você ficaria reprovado.

    Reprovado e com razao de sobra porque cita uma outra Judite de Sousa, completamente desconhecido no mundo da comunicaçao em Cabo Verde e noutras paragens do mundo global, ja que hoje o que você escreve é lido em todo o mundo. Mas que é essa Judite? Desde quando que uma moderadora de um programa de entrevista em Portugal, é paradigma para ser citada como se ele fosse uma autoridade na matéria?

    Porquê, um jornalista caboverdiano a exercer num orgao caboverdiano tem de citar uma jornalista portuguesa como modelo? Que eu saiba Judite, é apenas uma moderadora, uma entrevistadora, entre tantos outros em Portugal. Ela nao é especialista e nem professora de jornalismo ou de comunicaçao. Logo, porquê ela e nao outro jornalista português? Porque nao citar um jornalista caboverdiano?

    Porquê esta subserviência em relaçao ao branco? Porque é que temos que dar como bom exemplo sempre o branco de fora? Nao ha bons jornalistas caboverdianos que mereçam ser citados como referência, como exemplos?

    Enfim, mais esta critica: nao se justificava esta sua referência à "concentração dos media em pequenos grupos económicos", tendo em conta que em Cabo Verde, esta questao nao se coloca. Ha que fazer estudos adaptados à nossa realidade e nao estar sempre a falar nos exemplos e casos dos outros.

    Em Cabo Verde, nao tem razao de ser abordar este ponto ja que nao ha grupos economicos com interesses nos midia. O que diga-se de passagem vem provar a ignorância e o analfabetismo da elite economica que ainda nao soube entender bem o poder que os midias podem ter numa democracia e num país.

    Esta questao so tinha razao de ser, se o articulista analisasse precisamente essa incompreensao que o mundo economico tem dos midias. E com isto nao estou a defender que grupos economicos caboverdianos passem a controlar radios, televisoes e jornais constituindo assim grupos de concentraçao de midias.

    O que estou a lamentar é que essa gente com poder economico seja tao analfabeta em termos culturais para nao entender que poderia estar a apoiar grupos de comunicaçao social, para precisamente desenvolver a democracia e apoiar o pluralismo e a liberdade.

    Quando é que vai surgir em CV um grupo economico ligado aos bancos, seguros ou telefones CAPAZ de apoiar projectos de radios de informaçao financeira e economica em Soncente, Sal e Praia? Quando um jornal diario economico? Uma televisao de questoes economicas por um tal grupo?

    As ideias estao lançadas e nao cobro nada, porque estou apenas a dar a minha contribuiçao ao pluralismo e às liberdades.

    Al Binda

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  3. Al Binda

    Judite de Souza é professora de jornalismo sim e com obras publicadas.

    Agora, sobre as citações do José Maria Neves, acho que o Carlos o fez para lembrar as promessas do Chefe do Governo (com responsabilidades na comunicação social do estado) em relação a liberdade de imprensa, só.

    mas gostei do seu interesse pelo tema e pela energia das suas opiniões. nice

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  4. Nice, Judith é jornalista e faz de "professora" por causa da sua dita notoriedade. Finta a sua propia sombra!

    Mas professor a sério ou especialista de comunicaçao é outra coisa: por exemplo um doutoramento e trabalhos de investigaçao.

    Publicar livrinhos a contar a nossa experência qualquer um faz, sobretudo se alguém estiver escudado na célebre notoriedade.

    Repito: Judith nao é referência nenhuma para ninguém sério.

    Ja agora, pergunta ao nice: alguma leu na imprensa portuguesa algum jornalista a citar como exemplo e referência um jornalista caboverdiano?.

    Porque é que temos sempre que dar como referências gente estrangeira sobretudo portuguesa, quando eles em Portugal nao fazem a mesma coisa em relaçao à nossa gente,

    E' so isso e nao me venham com a estorieta de dor de cotovelos, porque a Judith nao tem a minha envergadura intelectual!

    Al Binda

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