Entre avanços
e recuos, a Televisão Experimental de
Cabo Verde viria a ser transformada, em de Junho de 1990, na Televisão Nacional
de Cabo Verde. A passagem da TEVEC para a TNCV tinha subjacente a ideia de transformar
a televisão num órgão de comunicação social de alcance nacional, cobrindo todas
as ilhas e que pudesse ser vista também por todos os cabo-verdianos. Este era, digamos, o objectivo central da
política de desenvolvimento da televisão pública, para além da pertinência de
se introduzir mudanças ao nível da programação,
reforçando a aposta na produção nacional.
Este
acontecimento não passa despercebido, nem aos cidadãos nem à imprensa. Na sua edição
de 16 de Junho, o jornal Tribuna, num artigo intitulado “Adeus TEVEC, Olá TNCV”,
constata que “para já mudaram os
genéricos e cenários, há pequenas alterações na grelha de programas. Há uma
tentativa evidente de melhorar. As apresentadoras, simpáticas, procuram
cumprir, introduziu-se a publicidade, fez-se a separação entre dois programas
diferentes, anuncia-se a programação do dia.” O quinzenário faz notar,
todavia, que a televisão ainda não tinha ultrapassado os desagradáveis problemas
técnicos que provocam constantemente falhas na emissão.
Por
isso, em jeito de sugestão, pede que se introduza um slide com alguma imagem ou dizeres sempre que haja queda na emissão;
que se identifique com legendas as músicas nacionais e os grupos que actuam,
situando no tempo e no espaço as suas prestações. Para além de pedir mais séries
e cinema de qualidade, enquanto não se produzir programas nacionais
(recreativos e culturais), o Tribuna, na sua análise crítica à recém criada
TNCV, não pouca o sector informativo: “Os noticiários é que continuam fracos:
sobretudo as matérias do estrangeiro, que veiculam pontos de vista e propaganda
dos outros. Há que nacionalizar a informação televisiva nacional, com textos
que não sejam meras traduções (más) dos franceses.”
O
ex-ministro da Informação e Desporto, David Hopffer Almada, recorda-se do dia em
que arrancaram as emissões da renovada TNCV, o que só aconteceu graças a
Portugal que, para além de garantir a formação do pessoal, enviou uma equipa técnica da RTP para apoiar a
produção, nesse dia. “Era um dia de
festa, mas também de risco. Porque não sabíamos como é que aquilo havia de ser.
Era primeira vez que se ia transmitir em directo. A televisão em directo com
noticiário em directo, com espectáculos em directo, etc. Foi um risco muito
grande, correu mais ou menos bem. Não houve grandes barracas, embora
sentíssemos que alguma coisa não estava a correr como queríamos, mas quem
estivesse de fora não notaria.”
No
plano legislativo, a transformação da TEVEC em TNCV tem como respaldo o
decreto-lei nº 42/90 que aprova os estatutos do órgão, revogando os de 1984.
Segundo o diploma, o novo operador tinha como obrigação assegurar o serviço
público de televisão, garantindo à população uma informação clara e objectiva
sobre a actualidade nacional e internacional, nomeadamente nos planos político,
cultural, social e económico. O lastro
ideológico mantém-se, o que faz da televisão um instrumento imprescindível na
consciencialização dos cidadãos quanto à ingente tarefa colectiva de reconstrução
nacional, por forma a reforçar a unidade, a promoção e a defesa da identidade e
da cultura cabo-verdianas.
No
que se afigurava um grande salto, a televisão desembaraça-se da ossatura
experimental e da vocação amadora, condição que, no entanto, lhe permitiu
usufruir de apoios técnicos e de formação do pessoal por parte de várias
organizações internacionais, missões diplomáticas e televisões estrangeiras,
como é o caso da TV Globo, do Brasil, que disponibiliza as suas telenovelas ao gesto
simbólico de um dólar. A este propósito, Corsino Fortes, que desempenhou as
funções de secretário de Estado, tutela da comunicação social, conta que ao dar
conhecimento desta novidade a Pedro Pires, este perguntou-lhe, de imediato, por
que é que não deu logo 12 dólares aos brasileiros, pois, assim ficariam com o
problema resolvido durante um ano inteiro.
Estava
assim aberto o caminho ao profissionalismo, à inovação e à criatividade, pelo
menos, assim esperava o Governo e reclamavam os telespectadores. Para trás
parecia ter ficado a TEVEC, com um quadro de 43 trabalhadores, distribuídos
entre jornalistas, técnicos e administrativos, onde sobressaía uma única pessoa com formação superior em Comunicação Social. Os jornalistas tinham
em média o ex-sétimo ano dos liceus, enquanto que os técnicos, possuíam o
ex-terceiro ano dos liceus e estágios de
superação nos equipamentos que operavam (II Plano Nacional de Desenvolvimento, vol.
II, 1986-90).
Não
obstante constrangimentos de variada ordem, a jornalista Gunga Tolentino (2009)
acredita que se faziam milagres na TEVEC: “fazíamos
todo o trabalho de recolha de informação nacional e internacional, tradução,
elaboração do texto de acompanhamento das imagens e apresentação. Era um
trabalho extenuante, mas sempre primado pela qualidade. Portanto, aquilo que
não nos satisfizesse como boa qualidade, não ia para o ar. Preferíamos meter mais
música ou conversa de estúdio do que levar um trabalho inacabado ou com
informações que não fossem devidamente verificadas. Tínhamos muito cuidado com
a legenda, na dublagem e eu acho que é isto que as pessoas se recordam e também
pela nossa imagem de apresentação”.
Com
a TNCV, as emissões passam a ser diárias, menos a segunda-feira, dia que era
aproveitado para a manutenção dos equipamentos. A estação aumenta as horas de
difusão e aposta na diversidade dos conteúdos, como forma de responder às
expectativas dos cabo-verdianos. O estatuto profissional dos jornalistas,
enquadrados e tratados como funcionários públicos desde a independência, viria a ser alterado, o que permitiu à
televisão do Estado contratar várias outras categorias profissionais,
indispensáveis ao seu normal funcionamento, como por exemplo, realizadores,
produtores, anotadores, operadores de imagem, etc.
Por
essa altura, vários jornalistas acabados de se formar no estrangeiro entram
para a Televisão Nacional de Cabo Verde, trazendo um saber-fazer mais
qualificado e experiências adquiridas noutras paragens, o que terá contribuído
para a melhoria da qualidade da prestação da
TNCV, pese embora constituíssem uma minoria dentro da empresa. Na
opinião do ex-administrador, João Correia, “a
maior parte do pessoal recrutado não tinha qualificação adequada, e sequer foi
submetida a algum tipo de avaliação.
Voltou-se a cometer o mesmo erro de
quando se ampliou o pessoal da TEVEC. Contrataram-se pessoas sem habilitação
para a TV, pois não havia grandes exigências em termos de escolaridade. Elas
permanecem até hoje na emissora. Isto constitui um obstáculo sério ao avanço da televisão.” (Olinda, 2000).
Rapidamente,
a televisão denota excesso de pessoal, embora a produção nacional continuasse
minguada, muito aquém dos investimentos feitos na melhoria das condições
técnicas e na capacitação dos recursos humanos, diante da exigência crescente
dos telespectadores. Os responsáveis da empresa estavam convictos de que era
possível conseguir-se a almejada autonomia financeira, através da exploração
eficiente das componentes técnica e humana. As inovações tecnológicas, diziam,
iriam permitir explorar uma importante fonte de receitas que era a publicidade.
Uma visão rentista do mercado que, diga-se, ainda hoje se mantém, o que coloca
a televisão nacional num intrigante dilema: por um lado, é obrigada a prestar
um serviço público, que se quer de referência, abrangente e de qualidade e, por
outro, sem um modelo de financiamento adequado, é forçada a adoptar um postura
comercial agressiva, desvirtuando inclusive a sua missão. Esta situação é,
aliás, considerada pelos operadores privados como uma forma de concorrência
desleal, uma vez que, sendo a estação pública financeiramente suportada pelo
Estado e pelos cidadãos, deviam-se-lhe impor limites na arrecadação de receitas
pela via do mercado publicitário.
A
verdade é que, por causa de uma situação financeira frágil, excesso de pessoal
e deficiente organização interna, a dívida acumulada da TNCV já ultrapassava,
em 1991, os 72 milhões de escudos. Nesse ano, segundo um estudo da Direcção
Geral da Comunicação Social (1993), entre salários, remunerações adicionais
(subsídios) e horas-extras, a televisão pública desembolsava a choruda quantia de 29 milhões de escudos,
representando 107% das receitas correntes. Acresce que o subsídio que o Estado concedia à empresa
não representava sequer 50% das despesas com o pessoal. Para poder cumprir,
minimamente, a missão e saldar as dívidas junto dos fornecedores, que não
paravam de subir, a TNCV é obrigada a recorrer à banca. Em breve, tentarei perceber
o que tem sido a televisão nacional a partir de 1991 a esta parte. Para já, é
tempo de sol, praia e, claro, muito krioljazz.
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