Desde a sua
criação, a televisão pública cabo-verdiana sustenta-se em, pelo menos, dois
pilares extremamente frágeis, situação que tem debilitado a prestação de um
serviço público de referência e de qualidade. Em relação ao princípio da independência face ao poder político, o
meio nasceu por pressão e interesse do Governo, que era quem definia as regras
de funcionamento e fixava as modalidades do seu financiamento.
De
acordo com o Decreto-lei nº 136/84, de 31 de Dezembro, o secretário de
Estado estava incumbido de “definir as linhas gerais de actuação; dinamizar e controlar a
actividade dos órgãos colegiais e os serviços da TEVEC; nomear, contratar,
promover, exonerar e demitir o pessoal
da TEVEC e rescindir os respectivos
contratos; autorizar a realização de despesas
de valor superior a cem mil escudos, aprovar os programas e
relatórios de actividades, bem como os
orçamentos de despesas e as respectivas
contas anuais.”
Essas orientações estavam, de resto, em sintonia com
a visão do regime em relação à comunicação social que, conforme a Constituição da República, era
propriedade do Estado. A
nova lei de imprensa que viria substituir o decreto lei nº 27495, de Janeiro de
1937, portanto, uma herança do Estado Novo, assume o princípio segundo o qual o
Estado reserva para si, “nesta fase
histórica da consolidação da independência e das instituições da República, da
unificação do território insularmente disperso e do reforço da unidade
nacional”, o exclusivo de alguns meios de imprensa (rádio, televisão e
agência noticiosa), tendo em conta o seu papel na informação e educação das
populações, na formação da opinião pública, o seu poder na transmissão de
valores e, enfim, a sua força mobilizadora.
A autonomia, outro pilar incontornável
para a garantia da sustentabilidade da televisão pública, condição
imprescindível para que pudesse manter o necessário distanciamento em relação às
fontes de financiamento e uma efectiva
independência face ao poder político, foi desde sempre negligenciada, talvez
porque se levantassem outras prioridades. A verdade é que a debilidade
financeira está na origem de vários constrangimentos que a televisão conheceu
desde Março de 1984, o que terá impedido um substancial investimento na qualificação
dos recursos humanos e na produção de conteúdos. A falta de recursos
financeiros foi também responsável, ainda que de forma indirecta, por algumas
paralisações da emissão, tendo a mais
longa decorrido entre Fevereiro e Novembro de 1988, nove meses que
deixaram angustiados os cabo-verdianos.
Numa intervenção na Assembleia
Nacional, o então ministro da Informação e Desporto explicava que a suspensão
da emissão era motivada pela deficiente recepção do sinal da TEVEC em vários
pontos do país, esclarecendo que tal se devia a falta de energia e de meios
financeiros. “Os emissores instalados no
ano passado (86) no Monte Tchota estavam a trabalhar a metade da sua capacidade
por falta de energia suficiente que garanta a utilização plena de toda a
potência desse emissor. Para além disso havia o atraso na chegada de alguns
equipamentos da França, que deveriam ter chegado em Março, mas que até este
momento (Julho) ainda não tinham chegado. É um problema de meios financeiros,
para chegarmos e comprarmos. Temos que esperar pela cooperação”.
A paralisação forçada das transmissões
vai ter consequências negativas na depauperada tesouraria da estação, porquanto
deixa de poder contar com as receitas advenientes da publicidade e com a
contribuição dos telespectadores, recebendo apenas o subsídio do Estado que,
conforme David Hopffer Almada, mal dava para suportar as despesas com o
pessoal. Esta situação financeira “grave mas não desesperante”, fez com que não se cumprisse grande parte dos
planos previstos para a produção de programas nacionais que, segundo a direcção
da TEVEC, previam a participação de colaboradores permanentes,
personalidades ligadas a sectores
específicos da vida nacional, tais como economia, história, entre outros,
embora se continuasse a garantir a cobertura de acontecimentos de maior
relevância do ponto de vista informativo, até à realização de um ou outro programa
de maior envergadura.
Os
parceiros de desenvolvimento do país, a quem se deve, em grande medida, a
concretização do sonho de se ter nestas ilhas uma televisão, ainda que experiemental,
mostraram-se sempre disponíveis a apoiar em vários domínios e fases de
consolidação do projecto, com destaque para a formação dos quadros. Como fez
questão de esclarecer a comissão administrativa do canal público, constituída
por João Pires, Filipe Correia de Sá, José Augusto Brito, Artur Teixeira e
Carlos Tavares, “a programação da TEVEC
depende em grande parte da cooperação com estações de televisão, tais como a
RFI da França, TV Globo do Brasil, a RTP de Portugal, TPA de Angola, a Transtel
da RFA, a USIS dos Estados Unidos, a TV Sovietica.” A parceria englobava
ainda vários organismos das Nações Unidas, assim como as missões diplomáticas
acreditados no nosso país.
É,
por exemplo, graças à cooperação francesa que, em 1988, iria entrar em
funcionamento o novo estúdio da TEVEC, vocacionado para a produção de programas
infantis, pequenas séries, teatro e várias outras ofertas de entretenimento. Um
salto qualitativo que iria obrigar a formação de técnicos em áreas de criação
ou de apoio artístico, como sejam a cenografia, a iluminotecnia e outros domínios
de especialização televisiva.
A
França viria, posteriormente, em Fevereiro de 1990, a oferecer à televisão
cabo-verdiana uma antena parabólica, permitindo a estação receber quatro horas
diárias da programação da CFI, incluindo desenhos animados, programas
educativos, filmes, música e notícias. A TEVEC contava começar a emitir esses
conteúdos a partir de Março desse ano, altura em que esperava ter já recebido os
equipamentos necessários para a legendagem dos programas. Com apoio da
cooperação portuguesa, previa-se para 1988 a instalação de uma unidade de
montagem em S. Vicente, que deveria mais tarde evoluir para um centro de
produção. Ora, é precisamente da delegação do Mindelo, o primeiro tele-filme de
produção nacional emitido pela televisão experiemental. Rodado na ilha do Monte
Cara, “Serenata sem Luar”, da autoria do
realizador João Gomes, aborda a vivência comum da festa, do dilema do amor, com
imagens do quotidiano mindelense como pano de fundo.
Analisando
a oferta de conteúdos disponível em 1989, constata-se que já existe uma alguma
preocupação com a abrangência e a diversidade, visando atender parte das exigências
dos telespectadores. No dia 13 Julho,
uma quinta-feira, a programação da TEVEC era a seguinte: Desenhos animados;
Curso de Francês – nº 1; Música
Nacional; Telejornal; Reportagem – Sal; Cambalacho 24; Desporto; Último
Jornal.
Quanto
aos telespectadores, alguns não se coibiam de mostrar a sua satisfação pelas
melhorias na recepção do sinal. Conforme
dá conta um telespectador do Tarrafal de S. Nicolau, em artigo de opinião
inserto no jornal “Voz di Povo”, “as
emissões tanto da RNCV como da TEVEC chegam em S. Nicolau em boas condições,
salvo raras perturbações registadas na
propagação da imagem. A população da nossa vila do Tarrafal ficou muito
contente porque com a colocação de um retransmissor no Monte Verde em S.
Vicente, passou a desfrutar de melhor imagem televisiva. Por sua vez, a
população da vila da Rª Brava, que há seis meses não recebia mantenhas das
outras ilhas, via TEVEC, viu reatadas as suas relações com esse órgão na
véspera da chega do papa a Cabo Verde.” Mas há quem, embora reconhecendo os
progressos técnicos introduzidos na estação, chame atenção para a necessidade
de a “notícia ser objectiva e
indiscutivelmente de primeira mão, a mais fiel portanto. Houve melhorias e
muitas mas ainda não se consegue sempre tratar com a devida delicadeza e
cuidado as notícias, facto esse recentemente confirmado pela imprecisão que “ o
Presidente da República deixará amanhã o país com destino a S. Vicente”, ou
quando se confunde a RENAMO (bandidos armados moçambicanos) com a FRELIMO.” Como
uma bola de neve, a televisão foi traçando o seu percurso, adquirindo, graças
aos melhoramentos tecnológicos, maior dinamismo e níveis de qualidade
satisfatórios.
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