No último índice da RSF, Cabo Verde desceu, de uma
assentada, 16 lugares, e abandonou (espero que não de vez) o pelotão da frente
onde se concentram os campeões da liberdade de imprensa
a nível mundial. As tentativas de explicação para este deslize são
muitas, mas há duas mais referenciadas. A suposta mudança de metodologia
e o aumento de casos de jornalistas e repórteres de imagem impedidos no ano
passado de exercer o seu direito de informar.
No primeiro caso, estamos perante uma falácia, pois
a Repórteres Sem Fronteiras não mudou a metodologia de estudo. As
perguntas do inquérito continuam as mesmas e a grelha de análise mantém-se inalterada. O que aumentou, no nosso caso, foi o tamanho da
amostra. Com efeito, a pedido da AJOC (e o sindicato lá tem as suas razões), a
RSF passou a remeter o questionário a mais jornalistas e instituições que,
directa ou indirectamente, lidam com a questão da liberdade de
imprensa. Digamos que aumentou-se o espectro plural e democrático no apuramento
dos dados relativos à liberdade de imprensa em Cabo Verde. No segundo caso, se
compararmos a nossa realidade com a de muitos outros países, não creio, muito
sinceramente, que os desaguisados entre os jornalistas e a polícia tenham
pesado tanto na queda abrupta que Cabo Verde conheceu no último relatório da
RSF.
Ao invés de analisarem os factores críticos que
ainda condicionam a actuação dos meios de comunicação social no nosso país, os decisores políticos se
comprazem com as estatísticas, alardeando o facto de Cabo Verde ser o segundo
em África, o primeiro na CEDEAO e na CPLP. Pergunta-se, qual tem sido,
por exemplo, o grau de comprometimento dos partidos do arco da governabilidade
na resolução da questão da regulação do sector mediático? Instituída formalmente
há mais de dois anos, a Autoridade Reguladora da Comunicação Social ainda não
foi constituída, não obstante o regulamento e o regime remuneratório estarem
publicados há bastante tempo. Adivinha-se, pois, que não o venha a ser tão
cedo. Há aqui claramente uma falta de vontade política em dotar o país de uma
entidade que faça uma fiscalização de toda a paisagem mediática. Talvez o caos
interesse aos partidos!
O problema é que, como constata Silvino Évora
(2012) esta ausência de regulação transformou a comunicação social em “terra
de ninguém” e o jornalismo numa “profissão a céu aberto”.
Por exemplo, no que diz respeito à profissão, apesar de a lei exigir ao
candidato a jornalista o grau de licenciatura, o que se constata são redacções
pejadas de gente sem qualquer título de habilitação para o exercício da
profissão de informar. Muitos órgãos, fazendo tábua rasa do regulamento de
estágios, são praticamente mantidos graças à exploração do trabalho de
estudantes dos cursos de ciências de comunicação. Depois de seis anos de
expectativa, a carteira profissional, longe de servir para organizar e
disciplinar o acesso à profissão, é mais um enfeite para a carteira.
As incompatibilidades sucedem-se sem que a comissão
de carteira e o sindicato de jornalistas esbocem um sinal sequer de
actuação. Pasme-se perante a forma despudorada como muitos jornalistas rasgam
diariamente o estatuto profissional e o código deontológico,
entregando-se à assessoria encapotada, emprestando a voz e a imagem,
inclusive nos próprios órgãos onde trabalham, a programas de organismos
da administração pública, de ONG, de ministérios, etc. Onde ficam a
independência e a credibilidade do jornalista que faz um programa institucional
(um eufemismo de propaganda) e, no momento seguinte, aparece em tons de falso
rigor a fazer uma reportagem, precisamente sobre essa instituição.
É evidente que as direcções dos órgãos, sobretudo
os públicos, que deveriam ser os primeiros cumpridores das normas que regem o sector,
são também cúmplices dessa promiscuidade. Às vezes pergunto-me onde está
a comissão de carteira profissional! Por que não actua nos casos flagrantes de
incompatibilidades. Ficar à espera de denúncias para agir, é condenar-se ao
fracasso. Quanto ao sindicato dos jornalistas, é verdade que tem denunciado
publicamente essas práticas, no entanto, entendo que o dever de assegurar a
dignidade profissional dos jornalistas exige uma intervenção de maior pendor
reivindicativo. Alijar sobre a ARC essas responsabilidades, nomedamente a de
aplicar sanções a quem viole o estatuto e o código deontológico, é um erro de
cálculo, pois não é essa a sua função.
O desintesse manifestado por muitos jornalistas no
funcionamento dos conselhos de redacção, um instrumento legal que enquadra a
sua participação na gestão editorial dos órgãos de comunicação social
onde trabalham, mostra que existe um defice de ideologia e
cultura profissionais. Se não estamos interessados em fazer ouvir a nossa voz
no espaço democrático que é a redacção, o mais certo é continuarmos a digerir a
agenda, laboriosamente, tecida nos gabinetes de comunicação das fontes
organizadas.
Cinco anos volvidos sobre a entrada em funcionamento das televisões
privadas no mercado audiovisual, o resultado, longe de estimular níveis de competitividade
e de qualidade, é fracamente confrangedor. Algumas das explicações para o
fiasco podem ser encontradas no próprio processo de licenciamento. A
sustentabilidade das empresas licenciadas foi negligenciada pelo Governo, que
não atendeu às fragilidades do mercado publicitário. O contrato de concessão de
serviço público continua a arrastar-se, o que adensa as dificuldades de
funcionamento do operador público (cada vez mais atolado em dívidas), que se vê
obrigado a abocanhar a maior fatia do bolo publicitário, atirando assim os
privados para o limite da sobrevivência. Ora, sem um mercado verdadeiramente competitivo,
um sector privado forte e actractivo, os órgãos públicos jamais sairão da
modorra e do conformismo, longe da posição de vanguarda e de referência que
deve nortear a sua missão.
Infelizmente, entre
o que apregoam os programas do Governo e o nível de concretização das medidas
de política para o sector mediático percorre-se uma assustadora distância. O
investimento na comunicação social é cada vez mais insignificante (basta ver o
montante lhe é reservado no OE deste ano), uma situação que contradiz a
declaração de intenções quanto à importância dos media, tidos como “parceiros
de desenvolvimento”, essenciais para o reforço da identidade, coesão nacional,
cidadania e democracia.
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