segunda-feira, maio 06, 2013

Nos (des)caminhos da Liberdade.

No último índice da RSF, Cabo Verde desceu, de uma assentada, 16 lugares, e abandonou (espero que não de vez) o pelotão da frente onde se concentram os campeões da liberdade de imprensa a nível mundial. As tentativas de explicação para este deslize são muitas, mas há duas mais referenciadas. A suposta mudança de  metodologia e o aumento de casos de jornalistas e repórteres de imagem impedidos no ano passado de exercer o seu direito de informar.  

No primeiro caso, estamos perante uma falácia, pois a Repórteres Sem Fronteiras não mudou a metodologia de estudo.  As perguntas do inquérito continuam as mesmas e a grelha de análise mantém-se inalterada. O que aumentou, no nosso caso, foi o tamanho da amostra. Com efeito, a pedido da AJOC (e o sindicato lá tem as suas razões), a RSF passou a remeter o questionário a mais jornalistas e instituições que, directa ou indirectamente, lidam com a questão da liberdade de imprensa. Digamos que aumentou-se o espectro plural e democrático no apuramento dos dados relativos à liberdade de imprensa em Cabo Verde. No segundo caso, se compararmos a nossa realidade com a de muitos outros países, não creio, muito sinceramente, que os desaguisados entre os jornalistas e a polícia tenham pesado tanto na queda abrupta que Cabo Verde conheceu no último relatório da RSF.  

Ao invés de analisarem os factores críticos que ainda condicionam a actuação dos meios de comunicação social no nosso país, os decisores políticos se comprazem com as estatísticas, alardeando o facto de Cabo Verde ser o segundo em África, o primeiro na CEDEAO e na CPLP.  Pergunta-se, qual tem sido, por exemplo, o grau de comprometimento dos partidos do arco da governabilidade na resolução da questão da regulação do sector mediático?  Instituída formalmente há mais de dois anos, a Autoridade Reguladora da Comunicação Social ainda não foi constituída, não obstante o regulamento e o regime remuneratório estarem publicados há bastante tempo. Adivinha-se, pois, que não o venha a ser tão cedo. Há aqui claramente uma falta de vontade política em dotar o país de uma entidade que faça uma fiscalização de toda a paisagem mediática. Talvez o caos interesse aos partidos!

O problema é que, como constata Silvino Évora (2012) esta ausência de regulação transformou a comunicação social em “terra de ninguém”  e o jornalismo numa “profissão a céu aberto”. Por exemplo, no que diz respeito à profissão, apesar de a lei exigir ao candidato a jornalista o grau de licenciatura, o que se constata são redacções pejadas de gente sem qualquer título de habilitação para o exercício da profissão de informar. Muitos órgãos, fazendo tábua rasa do regulamento de estágios, são praticamente mantidos graças à exploração do trabalho de estudantes dos cursos de ciências de comunicação.  Depois de seis anos de expectativa, a carteira profissional, longe de servir para organizar e disciplinar o acesso à profissão, é mais um enfeite para a carteira.
As incompatibilidades sucedem-se sem que a comissão de  carteira  e o sindicato de jornalistas esbocem um sinal sequer de actuação. Pasme-se perante a forma despudorada como muitos jornalistas rasgam diariamente o estatuto profissional  e o código deontológico, entregando-se à assessoria encapotada,  emprestando a voz e a imagem,   inclusive nos próprios órgãos onde trabalham, a programas de organismos da administração pública, de ONG, de ministérios, etc. Onde ficam a independência e a credibilidade do jornalista que faz um programa institucional (um eufemismo de propaganda) e, no momento seguinte, aparece em tons de falso rigor a fazer uma reportagem, precisamente sobre essa instituição.  

É evidente que as direcções dos órgãos, sobretudo os públicos, que deveriam ser os primeiros cumpridores das normas que regem o sector, são também cúmplices dessa promiscuidade.  Às vezes pergunto-me onde está a comissão de carteira profissional! Por que não actua nos casos flagrantes de incompatibilidades. Ficar à espera de denúncias para agir, é condenar-se ao fracasso. Quanto ao sindicato dos jornalistas, é verdade que tem denunciado publicamente essas práticas, no entanto, entendo que o dever de assegurar a dignidade profissional dos jornalistas exige uma intervenção de maior pendor reivindicativo. Alijar sobre a ARC essas responsabilidades, nomedamente a de aplicar sanções a quem viole o estatuto e o código deontológico, é um erro de cálculo, pois não é essa a sua função.

O desintesse manifestado por muitos jornalistas no funcionamento dos conselhos de redacção, um instrumento legal que enquadra a sua participação na gestão editorial dos órgãos de comunicação social onde trabalham, mostra que existe um defice de ideologia e cultura profissionais. Se não estamos interessados em fazer ouvir a nossa voz no espaço democrático que é a redacção, o mais certo é continuarmos a digerir a agenda, laboriosamente, tecida nos gabinetes de comunicação das fontes organizadas.

Cinco anos volvidos sobre a entrada em funcionamento das televisões privadas no mercado audiovisual, o resultado, longe de estimular níveis de competitividade e de qualidade, é fracamente confrangedor. Algumas das explicações para o fiasco podem ser encontradas no próprio processo de licenciamento. A sustentabilidade das empresas licenciadas foi negligenciada pelo Governo, que não atendeu às fragilidades do mercado publicitário. O contrato de concessão de serviço público continua a arrastar-se, o que adensa as dificuldades de funcionamento do operador público (cada vez mais atolado em dívidas), que se vê obrigado a abocanhar a maior fatia do bolo publicitário, atirando assim os privados para o limite da sobrevivência. Ora, sem um mercado verdadeiramente competitivo, um sector privado forte e actractivo, os órgãos públicos jamais sairão da modorra e do conformismo, longe da posição de vanguarda e de referência que deve nortear a sua missão.

Infelizmente, entre o que apregoam os programas do Governo e o nível de concretização das medidas de política para o sector mediático percorre-se uma assustadora distância. O investimento na comunicação social é cada vez mais insignificante (basta ver o montante lhe é reservado no OE deste ano), uma situação que contradiz a declaração de intenções quanto à importância dos media, tidos como “parceiros de desenvolvimento”, essenciais para o reforço da identidade, coesão nacional, cidadania e democracia. 

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