terça-feira, março 12, 2013

Uma Questão de Política do Estado


Nesta incursão pela história da televisão no nosso país, torna-se indispensável analisar o contexto político e económico que terá enformado algumas decisões, nomeadamente quanto ao modelo e as obrigações que deveria assumir o mais poderoso meio de comunicação electrónica. Mas mais, importa também perceber qual a concepção que os dirigentes políticos de então tinham do jornalismo e o contributo que esperavam dos órgãos de comunicação social para o desenvolvimento de um país arquipelágico e com fragilidades de vária ordem.

Do ponto de vista político, não existe competição ideológica, uma vez que desde muito cedo o PAIGC inviabilizou toda e qualquer possibilidade de expressão livre do pensamento, quer através de acções de intensa propaganda, como pela via de algumas acções mais radicais, perpetradas sempre em nome do povo e na defesa dos superiores interesses da nação. As estacas sobre as quais poderiam assentar o debate de ideias, o pluralismo e, quiçá, a democracia (não a revolucionária) foram todas removidas.

Na sua monumental “História da Imprensa Cabo-Verdiana, 1820-1975”, João Nobre de Oliveira assevera que o novo regime em formação corta pela raiz qualquer hipótese de nascer uma imprensa independente na terra que se ia tornar independente. Cala mesmo toda a informação contrária. Só havia rádios para silenciar. Consegue a adesão da Rádio Clube do Mindelo, controla a Rádio Clube da Praia e toma de assalto a Rádio Barlavento. No fim, acabou por fechar a RCM e fundir todas as rádios na Rádio Nacional de Cabo Verde, pondo fim às rádios privadas, ao mesmo tempo que acabava com o amadorismo no sector.

Importa lembrar que nesse período ainda se fazem sentir os ecos do intenso debate travado no seio da UNESCO, com os Estados Unidos e a Inglaterra, por um lado, a defenderem a livre circulação da informação de acordo com as leis do mercado, e os países do terceiro mundo apoiados pela URSS, por outro, a reivindicarem o estabelecimento de uma nova ordem mundial de informação e comunicação.

Os países subdesenvolvidos queixavam-se não apenas do desiquilíbrio na circulação de informação entre o Norte e o Sul, mas também do conteúdo das notícias divulgadas pelas agências ocidentais em relação ao terceiro mundo. Criticavam ainda a perspectiva bastante negativa dos relatos noticiosos que, no essencial, incidiam sobre os golpes de estado, as catástrofes naturais, as guerras e outros fenómenos negativos, ignorando os factos mais relevantes, mas pouco espectaculares, como sejam os esforços desenvolvidos nesses países com vista ao progresso económico, social e educacional.

Nos países em desenvolvimento, o jornalismo, nomeadamente, o das agências, foi desenvolvido como uma espécie de resposta às frustrações com a cobertura feita pelas agências do Norte e com um acentuado papel político no processo de construção das identidades nacionais que se seguiu à descolonização. Nalguns países, os órgãos de informação eram questão de política de Estado, sobre cujo conteúdo os governos exerciciam um férreo controlo.

Por isso, ao contrário do modelo ocidental de jornalismo que via na notícia todo o acontecimento que se afasta do normal (bad news, good news), nos países que acabam de ascender à independência impera o jornalismo de desenvolvimento que prefere as notícias positivas às negativas, privilegia os processos em detrimento dos acontecimentos e escolhe o tom pedagógico ao invés do efeito espectacular. Este modelo de jornalismo opta pela cooperação com os governos das jovens nações pós-independência, pondo de lado o antagonismo e a suspeição perante o poder político que caracteriza o jornalismo ocidental.

Uma visão abraçada pelos dirigentes do regime de partido único, para quem a informação não deve limitar-se a relatar os factos, mas, sobretudo, formar a consciência ou educar. A descolonização mental, era, segundo Pedro Pires, um problema político-ideológico. “Há necessidade de um trabalho sistemático na formação das mentalidades, nomeadamente na criação do bom gosto, do belo, e é neste quadro que devemos situar a comunicação social de um país jovem como o nosso”.

A imprensa não podia ignorar o grande esforço que estava a ser feito com vista à viabilização económica do país. Pelo contrário, devia ajudar a incutir isso na cabeça das pessoas. Na opinião do então chefe do Governo “não há comunicação social apolítica. Os jornalistas não devem só pôr fora as notícias, mas primeiro, têm de saber qual o impacto que ela terá nas pessoas. A informação não se compadece com a falta de rigor, com a improvisação e a preguiça” (Pires, VP, 1985). Por sua vez, o programa do Governo reservava um papel relevante aos órgãos de comunicação social no reforço da consciência nacional, a luta contra a invasão dos valores estranhos à nossa realidade politica e cultural e na mobilização das massas populares no processo da construção de uma nova sociedade.

No entanto, a comunicação social era vista como o “Calcalhar d’ Aquiles” da nova sociedade que se queria edificar e, nesse sentido, o perfil dos homens da informação teria que se ajustar ao processo de reconstrução nacional. Para reforçar o filtro sobre a informação e aprimorar as competências dos “jornalistas” foi criado o conselho nacional de informação, um organismo partidário incumbido de promover na prática e no âmbito da comunicação social o reforço do papel dirigente do partido na esfera ideológica, em particular através do fornecimento de orientações e do controlo da acção dos meios de informação. As atribuições do CNI abarcavam ainda a superação e a formação ideológica dos quadros da informação através dos organismos competentes do partido. Portanto, não bastava dominar o ofício de informar, era importante conhecer na ponta da língua a cartilha do partido único.

O projecto para a instalação da televisão experimental de Cabo Verde custava pouco mais de 25 de mil dólares, verba que, ainda assim, não estava ao alcance do novel Estado, e muito menos do mercado, devido ao modelo de economia estatizante e planificado. As fragilidades do país eram imensas: A economia cabo-verdiana caracterizava-se por uma grande fraqueza da produção, com um sector agrícola muito débil, inteiramente sujeito às aleatoriedades climáticas e, praticamente, sem um sector industrial. O essencial da produção concentrava-se nos serviços e na construção de obras públicas, ou seja, tinha origem no fluxo de recursos externos provenientes dos emigrantes e do Governo colonial. O serviço de “apoio” não conseguia esconder o desemprego e o sub-emprego. Para se ter uma ideia, o número de empregos permanentes atingia apenas 20 por cento da população activa total. A emigração era o único recurso.

O nível geral de instrução era baixo: mais de 50% de analfabetos, atingindo valores muito elevados no meio rural e na população com mais de 30 anos; baixo nível de rendimento escolar, com grandes taxas de abandono escolar e repetências; insuficiente equipamento escolar. É neste contexto que vão arrancar as emissões da televisão experimental de Cabo Verde.

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