Nesta incursão
pela história da televisão no nosso país, torna-se indispensável analisar o
contexto político e económico que terá enformado algumas decisões,
nomeadamente quanto ao modelo e as obrigações que deveria assumir o mais
poderoso meio de comunicação electrónica. Mas mais, importa também perceber
qual a concepção que os dirigentes políticos de então tinham do jornalismo e o
contributo que esperavam dos órgãos de comunicação social para o
desenvolvimento de um país arquipelágico e com fragilidades de vária ordem.
Do ponto de
vista político, não existe competição ideológica, uma vez que desde muito cedo
o PAIGC inviabilizou toda e qualquer possibilidade de expressão livre do
pensamento, quer através de acções de intensa propaganda, como pela via de
algumas acções mais radicais, perpetradas sempre em nome do povo e na defesa
dos superiores interesses da nação. As estacas sobre as quais poderiam assentar
o debate de ideias, o pluralismo e, quiçá, a democracia (não a revolucionária)
foram todas removidas.
Na sua
monumental “História da Imprensa Cabo-Verdiana, 1820-1975”, João Nobre de Oliveira
assevera que o novo regime em formação corta pela raiz qualquer hipótese de
nascer uma imprensa independente na terra que se ia tornar independente. Cala
mesmo toda a informação contrária. Só havia rádios para silenciar. Consegue a
adesão da Rádio Clube do Mindelo, controla a Rádio Clube da Praia e toma de
assalto a Rádio Barlavento. No fim, acabou por fechar a RCM e fundir todas as
rádios na Rádio Nacional de Cabo Verde, pondo fim às rádios privadas, ao mesmo
tempo que acabava com o amadorismo no sector.
Importa
lembrar que nesse período ainda se fazem sentir os ecos do intenso debate
travado no seio da UNESCO, com os Estados Unidos e a Inglaterra, por um lado, a
defenderem a livre circulação da informação de acordo com as leis do mercado, e
os países do terceiro mundo apoiados pela URSS, por outro, a reivindicarem o
estabelecimento de uma nova ordem mundial de informação e comunicação.
Os países
subdesenvolvidos queixavam-se não apenas do desiquilíbrio na circulação de informação
entre o Norte e o Sul, mas também do conteúdo das notícias divulgadas pelas
agências ocidentais em relação ao terceiro mundo. Criticavam ainda a perspectiva
bastante negativa dos relatos noticiosos que, no essencial, incidiam sobre os
golpes de estado, as catástrofes naturais, as guerras e outros fenómenos
negativos, ignorando os factos mais relevantes, mas pouco espectaculares, como
sejam os esforços desenvolvidos nesses países com vista ao progresso económico,
social e educacional.
Nos países em
desenvolvimento, o jornalismo, nomeadamente, o das agências, foi desenvolvido
como uma espécie de resposta às frustrações com a cobertura feita pelas
agências do Norte e com um acentuado papel político no processo de construção
das identidades nacionais que se seguiu à descolonização. Nalguns países, os
órgãos de informação eram questão de política de Estado, sobre cujo conteúdo os
governos exerciciam um férreo controlo.
Por isso, ao
contrário do modelo ocidental de jornalismo que via na notícia todo o acontecimento
que se afasta do normal (bad news, good
news), nos países que acabam de ascender à independência impera o jornalismo
de desenvolvimento que prefere as notícias positivas às negativas, privilegia
os processos em detrimento dos acontecimentos e escolhe o tom pedagógico ao
invés do efeito espectacular. Este modelo de jornalismo opta pela cooperação
com os governos das jovens nações pós-independência, pondo de lado o antagonismo
e a suspeição perante o poder político que caracteriza o jornalismo ocidental.
Uma visão
abraçada pelos dirigentes do regime de partido único, para quem a informação
não deve limitar-se a relatar os factos, mas, sobretudo, formar a consciência
ou educar. A descolonização mental, era, segundo Pedro Pires, um problema
político-ideológico. “Há necessidade de
um trabalho sistemático na formação das mentalidades, nomeadamente na criação
do bom gosto, do belo, e é neste quadro que devemos situar a comunicação social
de um país jovem como o nosso”.
A
imprensa não podia ignorar o grande esforço que estava a ser feito com vista à
viabilização económica do país. Pelo contrário, devia ajudar a incutir isso na
cabeça das pessoas. Na opinião do então chefe do Governo “não há comunicação social apolítica. Os jornalistas não devem só pôr
fora as notícias, mas primeiro, têm de saber qual o impacto que ela terá nas
pessoas. A informação não se compadece com a falta de rigor, com a improvisação
e a preguiça” (Pires, VP, 1985). Por sua vez, o programa do Governo reservava um papel relevante aos órgãos de comunicação social no reforço
da consciência nacional, a luta contra a invasão dos valores estranhos à nossa
realidade politica e cultural e na mobilização das massas populares no processo
da construção de uma nova sociedade.
No
entanto, a comunicação social era vista como o “Calcalhar d’ Aquiles” da nova
sociedade que se queria edificar e, nesse sentido, o perfil dos homens da
informação teria que se ajustar ao processo de reconstrução nacional. Para
reforçar o filtro sobre a informação e aprimorar as competências dos “jornalistas”
foi criado o conselho nacional de informação, um organismo partidário incumbido
de promover na prática e no âmbito da comunicação social o reforço do papel
dirigente do partido na esfera ideológica, em particular através do
fornecimento de orientações e do controlo da acção dos meios de informação. As
atribuições do CNI abarcavam ainda a superação e a formação ideológica dos quadros
da informação através dos organismos competentes do partido. Portanto, não
bastava dominar o ofício de informar, era importante conhecer na ponta da
língua a cartilha do partido único.
O
projecto para a instalação da televisão experimental de Cabo Verde custava
pouco mais de 25 de mil dólares, verba que, ainda assim, não estava ao alcance
do novel Estado, e muito menos do mercado, devido ao modelo de economia
estatizante e planificado. As fragilidades do país eram imensas: A economia cabo-verdiana caracterizava-se por uma grande fraqueza da
produção, com um sector agrícola muito débil, inteiramente sujeito às
aleatoriedades climáticas e, praticamente, sem um sector industrial. O
essencial da produção concentrava-se nos serviços e na construção de obras públicas,
ou seja, tinha origem no fluxo de recursos externos provenientes dos emigrantes
e do Governo colonial. O serviço de “apoio” não conseguia esconder o desemprego
e o sub-emprego. Para se ter uma ideia, o número de empregos permanentes
atingia apenas 20 por cento da população activa total. A emigração era o único
recurso.
O nível geral de instrução era baixo: mais de 50%
de analfabetos, atingindo valores muito elevados no meio rural e na população
com mais de 30 anos; baixo nível de rendimento escolar, com grandes taxas de
abandono escolar e repetências; insuficiente equipamento escolar. É neste
contexto que vão arrancar as emissões da televisão experimental de Cabo Verde.
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