É consabido que
Cabo Verde despencou, no último índice da liberdade de imprensa, da 9ª para a
posição 25ª. Não se trata de uma queda ligeira como se nos quer fazer quer. O
pais caiu, de uma assentada, 16 lugares, e abandona (espero que não de vez) o
pelotão da frente onde se concentram os campeões da liberdade de imprensa a nível mundial. As tentativas de explicação para este deslize são muitas, mas há
duas mais referenciadas. A suposta mudança de
metodologia e o aumento de casos de jornalistas e repórteres de imagem
que foram impedidos no ano passado de exercer o seu direito de informar.
No primeiro caso,
estamos perante uma falácia, pois a Repórteres Sem Fronteiras não mudou a
metodologia de estudo. As perguntas do
inquérito continuam as mesmas, a grelha de análise mantém-se inalterada, o que
aumentou, no nosso caso, foi o tamanho da amostra. Com efeito, a pedido da AJOC
(e o sindicato lá tem as suas razões), a RSF passou a remeter o questionário a
mais jornalistas e instituições, que, directa ou indirectamente, lidam com a
questão da liberdade de imprensa. Digamos que aumentou o espectro plural e
democrático no apuramento dos dados relativos à liberdade de imprensa em Cabo
Verde. No segundo caso, se compararmos a nossa realidade com a de muitos outros
países, não creio, muito sinceramente, que os desaguisados entre alguns
jornalistas e polícias tenham pesado tanto na queda abrupta que Cabo Verde
conheceu no último relatório da RSF.
É claro que os
políticos, ao invés de analisarem os factores críticos que ainda condicionam a
actuação dos meios de comunicação social no nosso país, se comprazem com as
estatísticas, alardeando o facto de Cabo Verde ser o segundo em África, o
primeiro na CEDEAO e na CPLP. Pergunta-se,
qual tem sido o grau de comprometimento dos principais actores políticos na
resolução da questão da regulação do sector mediático. Instituída há mais de dois
anos no papel, a Autoridade Reguladora da Comunicação Social, ainda não foi constituída e adivinha-se que não o venha a ser tão cedo. Há aqui claramente
uma falta de vontade política em dotar o país de uma entidade que faça uma fiscalização
de toda a paisagem mediática. Talvez este caos interesse aos partidos!
O problema é
que, como constata o investigador Silvino Évora, esta ausência de regulação
transformou a comunicação social em “terra de ninguém e o jornalismo numa “profissão
a céu aberto”. Por exemplo, no que diz respeito à profissão, apesar de a lei
exigir que o candidato a jornalista tenha o grau de licenciatura, o que se
constata são redacções pejadas de gente sem qualquer habilitação para o
exercício da profissão de informar. Muitos órgãos, fazendo tábua rasa do
regulamento de estágios, são praticamente mantidos graças à exploração do
trabalho de estudantes dos cursos de ciências de comunicação. Depois de seis anos de expectativa, a carteira
profissional, longe de servir para organizar e disciplinar o acesso à profissão,
é mais uma identificação para enfeitar a carteira.
As incompatibilidades
sucedem-se sem que a Comissão de Carteira e o sindicato de jornalistas esbocem um sinal sequer de actuação. Pasme-se como é possível que muitos jornalistas rasgam
diariamente o Estatuto profissional e o código deontológico ao se dedicarem à assessoria encoberta, emprestando a sua
voz e imagem, nos próprios órgãos onde trabalham, a programas de organismos da
função pública, de ONG, de ministérios, etc. Onde ficam a independência e a credibilidade
do jornalista que agora faz um programa de propaganda de um ministério qualquer ou de um
organismo da função publica e, no momento seguinte, aparece em tons de falso
rigor a ler uma notícia? É evidente que
as direcções dos órgãos, sobretudo os públicos, são também responsáveis por
esta promiscuidade. Ensurdecedor é sem dúvida o silêncio da Comissão de
Carteira e da AJOC. Esperar que seja a ARC a vir disciplinar o exercício da
profissão de jornalista, aplicando sanções a quem viole o estatuto e o código
deontológico, é um erro de cálculo, pois não é essa a sua função.
Na
verdade não são só os políticos que se mostram indiferentes à desorganização do
sector mediático e do ofício de informar. Há um número considerável de
jornalistas que estão claramente mais interessados na sua algibeira do que no
normal funcionamento do campo jornalístico. Só isso se explica por que é que ainda não pusemos a funcionar os conselhos de redacção. Um instrumento
legal que visa promover a participação
do jornalista na vida dos órgãos de comunicação social em que se encontra integrado, evitando que os
profissionais não se traduzam, em meros “escribas dos factos da actualidade”(Évora,
2012).
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