Estamos perante uma obra de
referência para a comunicação social e para o jornalismo cabo-verdiano.
Trata-se de uma investigação bastante aturada, baseada num acervo bibliográfico
abrangente.
Como mote para a investigação o autor
lança à partida três interrogações. Que impacto têm tido as políticas de
comunicação determinadas em Cabo Verde sobre a liberdade de imprensa? Qual tem
sido a política de comunicação definida pelos governos maioritários que dirigem
Cabo Verde depois da abertura politica? Até que medida tem sido assegurado o direito
de informar aos órgãos de comunicação social?
O autor combina nesta obra vários métodos
e técnicas de investigação. Para além de uma intensa pesquisa nos jornais dessa
época, aplica, com rigor científico, um questionário a uma amostra constituída
por profissionais da comunicação social; regista e confronta as opiniões de
vários jornalistas, directores, chefes de informação e de redacção, actores
políticos, ex-governantes que, de uma forma ou de outra, tiveram alguma
intervenção na comunicação social cabo-verdiana.
Para compreender a situação da
liberdade de imprensa em Cabo Verde, o autor mergulha nas raízes do debate
sobre a liberdade humana, batalhas cívicas que, como se sabe, marcaram a
história da humanidade e estiveram no centro do debate político. Por uma
questão de economia de tempo, peço-vos que me desobriguem dessa ingente tarefa
de sobrevoar o enquadramento teórico, que inclui dimensões importantes para se
compreender esta problemática, a liberdade imprensa, a política de comunicação,
a informação internacional, a economia política dos média e a própria
democracia. Centremo-nos, portanto, no essencial desta investigação. Ao tentar compreender a dimensão da liberdade de imprensa em Cabo Verde,
o autor esbarra com uma primeira debilidade do sector, que é a deficiente, para
não dizer, ausência de regulação.
Em Cabo Verde o Estado assume-se com o principal regulador do da paisagem
mediática. Ou seja, compete ao poder público estabelecer a ordem e as bases de
funcionamento, criando para o efeito mecanismos adequados de fiscalização. Mas,
como constata o autor, se é verdade que o Estado tem em mãos os instrumentos de
regulação, já não se pode dizer o mesmo dos actos regulatórios. Há sectores,
como o televisivo, onde a regulação é uma miragem. O que o leva a interrogar
sobre a validade das leis.
Se a hetero-regulação falha, ao menos que funcione a auto-regulação. Uma
dimensão da fiscalização que permite que o jornalista se liberte de um controlo
externo, podendo exercer livremente o seu direito de informação. Neste
particular são os próprios interessados, os jornalistas e os demais
profissionais da comunicação social, que se mostram completamente indiferentes
ao usufruto desse direito de participação na gestão editorial dos órgãos de
comunicação social.
No espectro da regulação mediática, explica o Dr. Silvino Évora, o Conselho
de Redacção figura como um instrumento para promover a participação do
jornalista na vida dos órgãos de comunicação social em que se encontra
integrado, evitando que os profissionais não se traduzam em meros “escribas dos
factos da actualidade”.
O Conselho de Redacção pode ser um mecanismo importante para a orientação
do órgão de informação e para a resolução de determinados conflitos que podem
surgir, mas em Cabo Verde, reconhece o autor, não tem tido peso na política
editorial dos media // Sobre a regulação e a fiscalização estamos conversados.
Há leis mas elas não são respeitadas. Falemos então das politicas públicas para
o sector da comunicação delineadas pelos dois partidos do arco do Governo.
Comecemos pela abertura democrática.
Segundo o autor, a questão da liberdade de imprensa parece ter sido, pelo
menos no plano formal, uma das preocupações do executivo de Carlos Veiga, que
na elaboração dos dois programas de governo da década de 90, realça que numa
sociedade pluralista e democrática como a cabo-verdiana, as notícias divulgadas
pelos media estatais devem reflectir a diversidade ideológica e o pluralismo de
opiniões, salvaguardando, por outro lado, a liberdade criativa e de opinião.
Por isso o governo propunha a revisão da lei de imprensa, com o intuito
de a adaptar à Constituição da Republica. Aliás, já em 91 o executivo propunha
reactivar o Conselho de Comunicação Social, alargando as suas competências e procendo
à sua reforma interna. Tudo, como frisa o autor, para que os cidadãos pudessem
ter acesso a uma imprensa de qualidade. A melhoria da prestação do serviço
público passava, segundo o programa do Governo, por reestruturar os órgãos de
comunicação social públicos, melhorando a sua gestão, mas também apoiar e desenvolver
imprensa regional, a imprensa privada e as rádios locais, criando um
enquadramento legal adequado. Ainda mais: valorizar a classe dos profissionais
dos media, criando uma carreira, formação permanente como solução para aumento da
qualidade das produções mediáticas.
Embora a comunicação social seja um dos instrumentos fundamentais para a
solidificação dos sistemas democráticos, o Silvino entende que, fora do plano
discursivo, o governo do MPD não deu muita importância ao sector. Houve pouca
aposta, com o auxilio da comunicação social, na formação dos cidadãos para
desenvolver a sua capacidade crítica e um pensamento divergente sobre a
sociedade, a cultura e a política do país.
O Plano de Desenvolvimento Nacional é sintomático dessa realidade. Durante
a primeira legislatura da IIª República o investimento do estado no sector mediático
correspondeu a 0,8% do total da soma aplicada ao Plano. Trata-se, portanto de
um sector subvalorizado nas opções do plano. A comunicação social é, portanto,
das áreas onde houve menos investimento. A qualificação dos profissionais e a reestruturação
dos órgãos de comunicação social do estado não aconteceram da forma como foram
anunciadas no programa do Governo.
No segundo mandato de Carlos Veiga (1996-2001) a retórica política em relação
à Comunicação Social centrava-se em dois pontos: dinamização da imprensa
privada e reforma do sector público. Estamos, no entender do autor, perante uma
grande declaração de intenções, manifestando o desígnio de se promover o
sistema democrático através da implementação de uma cultura de pluralismo. O
discurso do governo apontava para uma aproximação entre os sectores públicos e
privado. O pressuposto das Grandes Opções do Plano (97-2000) pretendia reduzir a
consolidação da democracia ao desenvolvimento da imprensa privada.
O programa do governo 1996-2001 para a Comunicação Social era
praticamente uma cópia do programa traçado para a legislatura anterior, o que
mostra que quase nada foi efectivado. Os problemas são os mesmos, a mesma
abordagem e o mesmo discurso. Os investimentos, esses, continuam distanciados
das necessidades do sector.
Há portanto, segundo autor, um enorme fosso que separa a retórica
política sobre o sector mediático da prática do jornalismo. Apesar de toda a
produção legislativa e de inúmeras declarações de intenções no sentido de
efectivar a liberdade de imprensa, enquanto direito fundamental, na prática – e
aqui o Silvino concorda com a Isabel Ferreira quando diz que “entre 91 e 98 as
relações entre o governo e os jornalistas, que começaram por ser de expectativa
positiva para ambas as partes, tornaram-se agressivas”.
Com efeito, passados alguns meses do início da segunda Republica, a então
classe política dirigente começou a sentir-se incomodada com a movimentação dos
jornalistas, dando sinais de querer controlar a imprensa e recuperar as
práticas do passado. Muitas vezes os processos judiciais serviram como
mecanismos de amedrontamento aos jornalistas para tentar “domesticá-los”, no
sentido de produzirem uma informação inofensiva para a classe política
dirigente. Os anos de 94-95 foram marcados - o Silvino Évora volta a concordar
com a autora do Mal Estar no Jornalismo Cabo-Verdiano “por uma catadupa de
processos judiciais, por despedimentos e por uma luta ente jornalistas,
individualmente, e o governo.
Os anos de 97 e 98 caracterizaram-se por uma luta que envolveu
jornalistas e sindicatos, no sentido de dirimirem o desemprego e clarificarem
as condições de trabalho. Do choque entre a liberdade de imprensa e a tentativa
de controlo, resultou um excesso de processos judiciais, inúmeras pressões
sobre os jornalistas, recurso dos jornalistas aos sindicatos, paralisação do
Conselho de Comunicação Social, falta de incentivos ao sector privado, luta pela
imposição de modelos de informação na Televisão Pública. Essas questões, na
opinião do ilustre colega jornalista, denunciavam a verdadeira face de um
regime de democracia recente que estava em construção.
O PAICV substitui o MPD no poder em 2001, mas os problemas do sector
continuaram sem uma solução política. De acordo com o autor, o PAICV viria a
herdar o discurso do MPD de que a Comunicação Social constituiria a pedra
angular para a solidificção do sistema democrático, mas a regulação continuou
ineficiente.
Os responsáveis pelo governo do PAICV não se dedicaram a mover processos judiciais
contra os jornalistas como aconteceu na década de 90. Se num plano discursivo,
o governo do PAICV vai assumir uma ruptura com a governação anterior, na arena
das práticas iremos ver, assevera o autor, que os procedimentos são idênticos.
Quando o PAICV regressou ao poder em 2001, uma grande parte da legislação
para o sector da comunicação social já tinha sido viabilizada pela maioria
parlamentar do MPD da década de 90, pelo que o sector estava de alguma forma
regulamentado. Porém a reactivação da entidade reguladora tinha falhado. O
programa do PAICV, 2001-06 demonstrou a vontade do executivo de inaugurar uma
nova era da democracia cabo-verdiana, orientada para a consolidação do sistema,
apostando na comunicação social.
Para além das questões da liberdade de informação, o governo estabeleceu
que ao longo da legislatura haveria uma preocupação central com a afirmação da comunicação
social como instrumento do desenvolvimento. Há também uma ideia de
aprofundamento da cultura e da identidade através de uma aposta na imprensa.
Por isso, era preciso introduzir reformas substanciais porque, como afirmava o
governo, o passado recente tinha legado constrangimentos que urge ultrapassar.
Definida a base sociológica, o governo do PAICV lança as seguintes
propostas: reformar e modernizar o sector público da Comunicação Social, de
molde a funcionar num contexto de rigor e autonomia. Esse objectivo recomendava
o estudo de um plano de redimensionamento dos quadros e serviços da RTC e da
Inforpress, bem como a reestruturação económica e financeira das mesmas. No
entanto, constata o Silvino, terminou a legislatura e a situação das duas empresas
mediáticas do estado continuou inalterada.
As duas empresas públicas de comunicação social praticamente não sofreram
qualquer alteração, continuando a padecer dos mesmos problemas, que o autor
enumera: excesso de pessoal, baixa produtividade, fraca qualidade dos serviços,
deficientes estruturas físicas e materiais, falta de diversidade de programação
e um serviço informativo pouco atractivo. O governo prometeu criar as condições
necessárias para o desengajamento do estado da esfera da imprensa escrita, o
que só foi conseguido em 2007, já numa outra legislatura. Para o sector
audiovisual, prometeu, em 2001, modernizar os serviços de radiodifusão e
televisão, procurando elevar a qualidade dos seus produtos. No entanto, a
situação, sobretudo, na TCV permaneceu a mesma. Continuou a saga da substituição
dos directores, que não completavam um ano de gestão. A programação continuou
desinteressante, pobre e com escassa produção nacional.
Pese embora o plano nacional de desenvolvimento 2002-2005 reconhecer que
uma comunicação social assente nos pilares da liberdade e da cidadania, a
funcionar de forma livre, independente e pluralista, é um factor que caracteriza
um estado democrático, a análise que o Dr. Silvino Évora faz do OE para 2001
mostra uma fraca aposta no sector da comunicação social, enquanto área de
investimento, já que não há nenhum item relacionado com os media. Se se
analisar os períodos anuais em termos comparativos, sublinha o autor,
verifica-se que se registaram grandes oscilações de ano para ano.
Para o autor, o programa do governo de 2006/11 foi uma continuidade do
programa anterior. Isto mostra que o primeiro programa do PAICV para a
comunicação social não foi cumprido, uma vez que se as suas linhas de força já
estivessem implementadas, haveria necessidade de abrir novos horizontes e novas
perspectivas.
Nesta obra “Politicas de Comunicação,
Liberdade de Imprensa – para compreender o jornalismo e a democracia em Cabo
Verde”, o Dr. Silvino Évora cruza o plano discursivo sobre o qual assentam as politicas
governamentais para os media com alguns factores sociológicos e com as práticas
jornalísticas, o que nos ajuda a compreender melhor a dimensão e a natureza do edifício
do direito à liberdade de imprensa erguido entre 1991-2009.
Um dos objectivos essenciais da
comunicação social é melhorar a qualidade da democracia e, neste particular, a
televisão tem um papel preponderante a avaliar pela sua dimensão discursiva.
Por isso, e sempre na tentativa de compreender a natureza e o grau da liberdade
de imprensa em Cabo Verde, o autor reconstrói todo o processo conducente à
abertura do mercado televisivo aos operadores privados.
Não obstante a liberalização do espectro televisivo estar previsto na
Constituição desde 1992, ainda que condicionada a concurso público, só em 2006
foram atribuídas as licenças a algumas estações de televisão privadas. O
processo suscitou acesas críticas por parte dos concorrentes que viram os seus
projectos chumbados e a polémica instalou-se.
No entender do Silvino Évora, o governo abdicou de um trabalho de grande
importância para a sustentabilidade das empresas licenciadas. Explica o autor:
antes de tudo, o governo deveria fazer um estudo de mercado com a finalidade de
avaliar numa primeira fase quantos canais de televisão privados o mercado mediático
cabo-verdiano estaria em condições de suportar. Assim, fixaria previamente um numerus clausus e as firmas não
contempladas poderiam vir a apresentar-se a posteriores concursos, caso
criassem as condições para a entrada de mais operadores. Isso evitaria que o
mercado viesse a aniquilar alguns operadores, a quem o estado teria exigido condições
de garantia económica para um projecto de 15 anos.
O autor faz de seguida uma análise sectorial das políticas de
comunicação. Rádio, imprensa escrita e os novos media, que, por escassez de
tempo, não iremos revisitar.
No plano da democracia, o autor entende que a bipartidarização da
sociedade é uma das grandes insuficiências da democracia cabo-verdiana, uma vez
que não deixa espaço para um diálogo salutar entre as correntes de pensamento e
não permite que as opiniões sejam argumentadas fora do quadro do
“fundamentalismo político”. O pior é que a bibartidarização se entranhou na
comunicação social condicionando o seu desempenho. Uma prestação que diga-se é
criticada pelos próprios actores políticos.
Se o líder do MPD crítica a imprensa estatal por considerar que está
excessivamente partidarizada, o líder do PAICV aponta baterias aos media
privados, dizendo que há jornais que não são mais do que satélites de partidos.
Estas críticas mostram que a própria classe política se sente incomodada com a excessiva
partidarização da sociedade, e por conseguinte da Comunicação Social, sobretudo
quando a linha que determinados órgãos trabalham não beneficia os seus
partidos.
Mas as criticas à prestação da comunicação social não vêm só dos
políticos. Vários outros segmentos da sociedade defendem que enquanto o resto
do país anda numa velocidade e ela segue noutra velocidade. Um dos grandes
problemas da Comunicação Social, considera o Silvino Évora, é que não tem
havido uma política estratégica para o sector. Não houve vontade de transformar
a comunicação social numa ferramenta auxiliar da democracia, pois ela é
encarada como um instrumento subsidiário do “reinado” dos partidos do Governo.
Defende que há dois factores que concorrem para que o estado tenha uma presença
nos media: um, camuflado pelos governos, é a necessidade de ter em mãos um
instrumento de exercer influência sobre a sociedade; outro, assumido, é a
garantia do serviço público.
Um serviço público que divide opiniões, mas, de qualquer forma, todos são
unânimes em dizer que a sua qualidade é fraca. Os trabalhos jornalísticos,
seguindo os ditames do serviço público, explica o autor, exigem tempo,
liberdade de informação e recursos materiais. Em Cabo Verde grande parte do
tempo dos jornalistas é gasto na cobertura das conferências de imprensa dos
partidos políticos. A liberdade de imprensa, acrescenta, está comprometida com
a sociedade bipartida, que criou jornalistas associados ao MPD e jornalistas
próximos do PAICV. E os recursos materiais estão hipotecados na falta de
investimento do estado no sector e na fraca liquidez do mercado publicitário.
Esta situação leva-nos a um pseudo-serviço público, completamente
desinteressante e que em nada alcança o espírito das disposições legais e
constitucionais. Por isso há vozes que defendem a privatização do serviço
público.
O autor articula a análise das políticas dos governos e a liberdade de
imprensa com a questão emprego e do despedimento que tem marcado a paisagem mediática
cabo-verdiana. Aliás, lembra que as reestruturações tem sido encaradas como
forma de livrar de jornalistas incómodos. O mercado mediático cabo-verdiano é
outra dimensão alvo de atenção do Silvino Évora que o considera exíguo e desinteressante
para grupos internacionais. Como se não bastasse há pouco hábito de leitura e as
condições económicas das famílias não são favoráveis à fruição de bens
simbólicos.
Falar da liberdade de imprensa implica abordar a imperiosa necessidade da
formação do jornalista. Uma vez que como diz e muito bem o autor, o trabalho do
jornalista ultrapassa o simples acto de recolher e divulgar a informação. Passa
também pela formação da sociedade, porque a informação incorpora valores
simbólicos, que influenciam os hábitos, as maneiras de pensar e estar na vida.
A formação dos jornalistas tem sido uma matéria negligenciada pelos governos.
A governamentalização do serviço público também preocupa o autor. O
governo continua o nomear os gestores dos operadores públicos, leia-se RTC e
Inforpress, embora o caso da agência de noticias seja diferente, uma vez que o
Conselho de Administração é presidido por um jornalista. De todo o modo,
sublinha o autor, põe-se o problema da liberdade de imprensa, porquanto os
directores de informação não são escolhidos pelos seus pares, mas sim pela
administração. O autor cita o ex-secretário de estado do Governo do MPD,
Arnaldo Silva, para quem a independência dos órgãos de comunicação social
acontecerá no dia em que o Governo deixar de ter peso na escolha do Conselho de
Administração.
Em resumo, olhando para a evolução da liberdade de imprensa em Cabo Verde
depois da abertura ao regime multipartidário, o autor destaca dois grandes períodos:
o período que chama de insatisfação generalizada e o período de satisfação
conveniente ou precária. O primeiro resume-se à decada de 90, em que havia da
parte dos governantes um combate severo às tentativas de implementação do
direito à liberdade de imprensa. O segundo momento – de satisfação conveniente
– instalou-se a partir do novo milénio com o regresso do PAICV ao poder, em que
deixou de haver processos judiciais, cargas policiais sobre jornalistas e
operações de limpeza, mas também, em troca, os órgãos de comunicação social
tornaram-se menos críticos, salvo os que se encontram colados à oposição. Desta
forma, reconhece o autor, o período de satisfação conveniente resume-se a uma
precária liberdade de imprensa para os órgãos e uma ampla liberdade de actuação
para os partidos políticos.
Quanto à regulação do sector, ela existe apenas no plano do direito, mas
não de facto, basta ver que ainda hoje não está a funcionar uma entidade
reguladora. Esta ausência de regulação efectiva tem transformado a comunicação
social em “terra de ninguém” e o jornalismo numa “profissão a céu aberto”, o
que significa que em Cabo Verde todos, sem excepção, são potenciais
jornalistas. E isto é grave porque aqueles que entram para o jornalismo, não
conhecendo cabalmente as responsabilidades da profissão, ajudam a alimentar o
jornalismo partidarizado que assola o panorama mediático cabo-verdiano.
Olhando para o jornalismo de serviço publico, o autor conclui que se
resume ao “já vivido”, ou seja, fica-se com a sensação de já se ter lido,
ouvido ou assistido aquela informação em qualquer outro palco ou momento. E são
os próprios jornalistas a manifestarem insatisfação perante esta situação. Não
são só os entrevistados, mas também os inquiridos pelo Silvino no âmbito desta
investigação, consideram que não há liberdade de imprensa, nem isenção em Cabo
Verde. Por um lado, 78% dos inquiridos entendem que durante os governos
maioritários do MPD, as notícias publicadas não responderam à necessidade
pública de informação; por outro lado, 74% dos jornalistas auscultados faz o mesmo
juízo sobre o período de governação do PAICV nesta segunda Republica.
Ora, para que haja bom serviço público de televisão é preciso bons
profissionais de televisão, o que requer formação. Porém, as politicas de
formação de quadros para o sector da comunicação social, embora constem dos
programas do governo, são inexistentes.
É preciso mudar este paradigma. Eliminar um conjunto de factores
maléficos à socialização do direito à liberdade de imprensa que tem atravessado
tanto o período de insatisfação generalizada como o de satisfação precária ou
conveniente, abordados aliás ao longo da extensa investigação. Um desses
factores é o paradigma do “jornalismo sentado”. Um jornalismo folclórico que se
alimenta das questiúnculas políticas, que não retrata a vida social e, quando
aborda algumas matérias de interesse público, não faz uma análise profunda. Nota-se
que cerca de 74% dos inquiridos pelo Silvino defendem que a predominância da
agenda governamental sobre a agenda pública tem contribuído para neutralizar a
liberdade de imprensa.
Há outras razões que concorrem para a necessidade de se mudar o paradigma
do jornalismo em Cabo Verde. Uma delas é a questão dos “comissários políticos”.
Na definição do autor, trata-se de uma figura histórica que tem atravessado
regimes e funciona como um canal de mediação entre os media e a classe
politica, fazendo tábua rasa de qualquer concepção ética, dispositivo jurídico
ou deontológico.
Em jeito de recomendações, o Dr. Silvino Évora, propõe, desde logo, novas
gerações de políticas para a comunicação social cabo-verdiana. Para que o
sector contribua para a solidificação do sistema democrático, é necessário,
antes de tudo, uma política para o conhecimento.
Por outro lado, o Governo deve reformular as suas politicas para a
comunicação social do estado, no sentido de promover a sua autonomia. Ainda
assim, o autor considera que seria fatal a alternativa apontada por alguns
entrevistados no sentido da privatização dos órgãos de comunicação audiovisual.
Lembra que a falta de liquidez do mercado tem empurrado grande parte dos órgãos
de comunicação social para os partidos políticos ou confissões religiosas.
Para os órgãos de comunicação social públicos tenham autonomia, recomenda
o autor, o governo deverá deixar de nomear os respectivos conselhos de administração,
que depois escolhem os directores e os chefes de informação. Recomenda ainda o
Silvino que a nomeação do presidente do Conselho de Administração seja o
resultado do entendimento entre a classe, o governo, a sociedade civil e o
parlamento. Portanto, um sistema misto.
Espero que este livro seja lido não
apenas pelos jornalistas, mas sobretudo pelos decisores políticos. Ultrapassada
que foi a fase da insatisfação generalizada, é chegado o momento de rompermos
com o clima de satisfação conveniente ou precária. É preciso que a comunicação
social comece a reflectir as expectativas e as preocupações quotidianas dos
cidadãos. O jornalismo militante, característico do partido único, cujo odor bafiento
ainda se faz sentir nas redacções, tem que ser banido.
Importa lembrar que a função
principal do jornalismo nos Estados democráticos de direito é a de manter um
sistema de vigilância e de controlo dos
poderes.
Texto de apresentação da obra, no Tarrafal de Santiago, no dia 13.01.2013
mau propi
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