segunda-feira, janeiro 14, 2013

LIBERDADE DE IMPRENSA EM CABO VERDE






Estamos perante uma obra de referência para a comunicação social e para o jornalismo cabo-verdiano. Trata-se de uma investigação bastante aturada, baseada num acervo bibliográfico abrangente. 


Como mote para a investigação o autor lança à partida três interrogações. Que impacto têm tido as políticas de comunicação determinadas em Cabo Verde sobre a liberdade de imprensa? Qual tem sido a política de comunicação definida pelos governos maioritários que dirigem Cabo Verde depois da abertura politica? Até que medida tem sido assegurado o direito de informar aos órgãos de comunicação social? 


O autor combina nesta obra vários métodos e técnicas de investigação. Para além de uma intensa pesquisa nos jornais dessa época, aplica, com rigor científico, um questionário a uma amostra constituída por profissionais da comunicação social; regista e confronta as opiniões de vários jornalistas, directores, chefes de informação e de redacção, actores políticos, ex-governantes que, de uma forma ou de outra, tiveram alguma intervenção na comunicação social cabo-verdiana. 


Para compreender a situação da liberdade de imprensa em Cabo Verde, o autor mergulha nas raízes do debate sobre a liberdade humana, batalhas cívicas que, como se sabe, marcaram a história da humanidade e estiveram no centro do debate político. Por uma questão de economia de tempo, peço-vos que me desobriguem dessa ingente tarefa de sobrevoar o enquadramento teórico, que inclui dimensões importantes para se compreender esta problemática, a liberdade imprensa, a política de comunicação, a informação internacional, a economia política dos média e a própria democracia. Centremo-nos, portanto, no essencial desta investigação. Ao tentar compreender a dimensão da liberdade de imprensa em Cabo Verde, o autor esbarra com uma primeira debilidade do sector, que é a deficiente, para não dizer, ausência de regulação.

Em Cabo Verde o Estado assume-se com o principal regulador do da paisagem mediática. Ou seja, compete ao poder público estabelecer a ordem e as bases de funcionamento, criando para o efeito mecanismos adequados de fiscalização. Mas, como constata o autor, se é verdade que o Estado tem em mãos os instrumentos de regulação, já não se pode dizer o mesmo dos actos regulatórios. Há sectores, como o televisivo, onde a regulação é uma miragem. O que o leva a interrogar sobre a validade das leis.

Se a hetero-regulação falha, ao menos que funcione a auto-regulação. Uma dimensão da fiscalização que permite que o jornalista se liberte de um controlo externo, podendo exercer livremente o seu direito de informação. Neste particular são os próprios interessados, os jornalistas e os demais profissionais da comunicação social, que se mostram completamente indiferentes ao usufruto desse direito de participação na gestão editorial dos órgãos de comunicação social.

No espectro da regulação mediática, explica o Dr. Silvino Évora, o Conselho de Redacção figura como um instrumento para promover a participação do jornalista na vida dos órgãos de comunicação social em que se encontra integrado, evitando que os profissionais não se traduzam em meros “escribas dos factos da actualidade”.

O Conselho de Redacção pode ser um mecanismo importante para a orientação do órgão de informação e para a resolução de determinados conflitos que podem surgir, mas em Cabo Verde, reconhece o autor, não tem tido peso na política editorial dos media // Sobre a regulação e a fiscalização estamos conversados. Há leis mas elas não são respeitadas. Falemos então das politicas públicas para o sector da comunicação delineadas pelos dois partidos do arco do Governo. Comecemos pela abertura democrática.

Segundo o autor, a questão da liberdade de imprensa parece ter sido, pelo menos no plano formal, uma das preocupações do executivo de Carlos Veiga, que na elaboração dos dois programas de governo da década de 90, realça que numa sociedade pluralista e democrática como a cabo-verdiana, as notícias divulgadas pelos media estatais devem reflectir a diversidade ideológica e o pluralismo de opiniões, salvaguardando, por outro lado, a liberdade criativa e de opinião.

Por isso o governo propunha a revisão da lei de imprensa, com o intuito de a adaptar à Constituição da Republica. Aliás, já em 91 o executivo propunha reactivar o Conselho de Comunicação Social, alargando as suas competências e procendo à sua reforma interna. Tudo, como frisa o autor, para que os cidadãos pudessem ter acesso a uma imprensa de qualidade. A melhoria da prestação do serviço público passava, segundo o programa do Governo, por reestruturar os órgãos de comunicação social públicos, melhorando a sua gestão, mas também apoiar e desenvolver imprensa regional, a imprensa privada e as rádios locais, criando um enquadramento legal adequado. Ainda mais: valorizar a classe dos profissionais dos media, criando uma carreira, formação permanente como solução para aumento da qualidade das produções mediáticas.

Embora a comunicação social seja um dos instrumentos fundamentais para a solidificação dos sistemas democráticos, o Silvino entende que, fora do plano discursivo, o governo do MPD não deu muita importância ao sector. Houve pouca aposta, com o auxilio da comunicação social, na formação dos cidadãos para desenvolver a sua capacidade crítica e um pensamento divergente sobre a sociedade, a cultura e a política do país.

O Plano de Desenvolvimento Nacional é sintomático dessa realidade. Durante a primeira legislatura da IIª República o investimento do estado no sector mediático correspondeu a 0,8% do total da soma aplicada ao Plano. Trata-se, portanto de um sector subvalorizado nas opções do plano. A comunicação social é, portanto, das áreas onde houve menos investimento. A qualificação dos profissionais e a reestruturação dos órgãos de comunicação social do estado não aconteceram da forma como foram anunciadas no programa do Governo.

No segundo mandato de Carlos Veiga (1996-2001) a retórica política em relação à Comunicação Social centrava-se em dois pontos: dinamização da imprensa privada e reforma do sector público. Estamos, no entender do autor, perante uma grande declaração de intenções, manifestando o desígnio de se promover o sistema democrático através da implementação de uma cultura de pluralismo. O discurso do governo apontava para uma aproximação entre os sectores públicos e privado. O pressuposto das Grandes Opções do Plano (97-2000) pretendia reduzir a consolidação da democracia ao desenvolvimento da imprensa privada.

O programa do governo 1996-2001 para a Comunicação Social era praticamente uma cópia do programa traçado para a legislatura anterior, o que mostra que quase nada foi efectivado. Os problemas são os mesmos, a mesma abordagem e o mesmo discurso. Os investimentos, esses, continuam distanciados das necessidades do sector.

Há portanto, segundo autor, um enorme fosso que separa a retórica política sobre o sector mediático da prática do jornalismo. Apesar de toda a produção legislativa e de inúmeras declarações de intenções no sentido de efectivar a liberdade de imprensa, enquanto direito fundamental, na prática – e aqui o Silvino concorda com a Isabel Ferreira quando diz que “entre 91 e 98 as relações entre o governo e os jornalistas, que começaram por ser de expectativa positiva para ambas as partes, tornaram-se agressivas”.

Com efeito, passados alguns meses do início da segunda Republica, a então classe política dirigente começou a sentir-se incomodada com a movimentação dos jornalistas, dando sinais de querer controlar a imprensa e recuperar as práticas do passado. Muitas vezes os processos judiciais serviram como mecanismos de amedrontamento aos jornalistas para tentar “domesticá-los”, no sentido de produzirem uma informação inofensiva para a classe política dirigente. Os anos de 94-95 foram marcados - o Silvino Évora volta a concordar com a autora do Mal Estar no Jornalismo Cabo-Verdiano “por uma catadupa de processos judiciais, por despedimentos e por uma luta ente jornalistas, individualmente, e o governo.

Os anos de 97 e 98 caracterizaram-se por uma luta que envolveu jornalistas e sindicatos, no sentido de dirimirem o desemprego e clarificarem as condições de trabalho. Do choque entre a liberdade de imprensa e a tentativa de controlo, resultou um excesso de processos judiciais, inúmeras pressões sobre os jornalistas, recurso dos jornalistas aos sindicatos, paralisação do Conselho de Comunicação Social, falta de incentivos ao sector privado, luta pela imposição de modelos de informação na Televisão Pública. Essas questões, na opinião do ilustre colega jornalista, denunciavam a verdadeira face de um regime de democracia recente que estava em construção.

O PAICV substitui o MPD no poder em 2001, mas os problemas do sector continuaram sem uma solução política. De acordo com o autor, o PAICV viria a herdar o discurso do MPD de que a Comunicação Social constituiria a pedra angular para a solidificção do sistema democrático, mas a regulação continuou ineficiente.
Os responsáveis pelo governo do PAICV não se dedicaram a mover processos judiciais contra os jornalistas como aconteceu na década de 90. Se num plano discursivo, o governo do PAICV vai assumir uma ruptura com a governação anterior, na arena das práticas iremos ver, assevera o autor, que os procedimentos são idênticos.

Quando o PAICV regressou ao poder em 2001, uma grande parte da legislação para o sector da comunicação social já tinha sido viabilizada pela maioria parlamentar do MPD da década de 90, pelo que o sector estava de alguma forma regulamentado. Porém a reactivação da entidade reguladora tinha falhado. O programa do PAICV, 2001-06 demonstrou a vontade do executivo de inaugurar uma nova era da democracia cabo-verdiana, orientada para a consolidação do sistema, apostando na comunicação social.

Para além das questões da liberdade de informação, o governo estabeleceu que ao longo da legislatura haveria uma preocupação central com a afirmação da comunicação social como instrumento do desenvolvimento. Há também uma ideia de aprofundamento da cultura e da identidade através de uma aposta na imprensa. Por isso, era preciso introduzir reformas substanciais porque, como afirmava o governo, o passado recente tinha legado constrangimentos que urge ultrapassar.

Definida a base sociológica, o governo do PAICV lança as seguintes propostas: reformar e modernizar o sector público da Comunicação Social, de molde a funcionar num contexto de rigor e autonomia. Esse objectivo recomendava o estudo de um plano de redimensionamento dos quadros e serviços da RTC e da Inforpress, bem como a reestruturação económica e financeira das mesmas. No entanto, constata o Silvino, terminou a legislatura e a situação das duas empresas mediáticas do estado continuou inalterada.

As duas empresas públicas de comunicação social praticamente não sofreram qualquer alteração, continuando a padecer dos mesmos problemas, que o autor enumera: excesso de pessoal, baixa produtividade, fraca qualidade dos serviços, deficientes estruturas físicas e materiais, falta de diversidade de programação e um serviço informativo pouco atractivo. O governo prometeu criar as condições necessárias para o desengajamento do estado da esfera da imprensa escrita, o que só foi conseguido em 2007, já numa outra legislatura. Para o sector audiovisual, prometeu, em 2001, modernizar os serviços de radiodifusão e televisão, procurando elevar a qualidade dos seus produtos. No entanto, a situação, sobretudo, na TCV permaneceu a mesma. Continuou a saga da substituição dos directores, que não completavam um ano de gestão. A programação continuou desinteressante, pobre e com escassa produção nacional.

Pese embora o plano nacional de desenvolvimento 2002-2005 reconhecer que uma comunicação social assente nos pilares da liberdade e da cidadania, a funcionar de forma livre, independente e pluralista, é um factor que caracteriza um estado democrático, a análise que o Dr. Silvino Évora faz do OE para 2001 mostra uma fraca aposta no sector da comunicação social, enquanto área de investimento, já que não há nenhum item relacionado com os media. Se se analisar os períodos anuais em termos comparativos, sublinha o autor, verifica-se que se registaram grandes oscilações de ano para ano.

Para o autor, o programa do governo de 2006/11 foi uma continuidade do programa anterior. Isto mostra que o primeiro programa do PAICV para a comunicação social não foi cumprido, uma vez que se as suas linhas de força já estivessem implementadas, haveria necessidade de abrir novos horizontes e novas perspectivas.

Nesta obra “Politicas de Comunicação, Liberdade de Imprensa – para compreender o jornalismo e a democracia em Cabo Verde”, o Dr. Silvino Évora cruza o plano discursivo sobre o qual assentam as politicas governamentais para os media com alguns factores sociológicos e com as práticas jornalísticas, o que nos ajuda a compreender melhor a dimensão e a natureza do edifício do direito à liberdade de imprensa erguido entre 1991-2009. 


Um dos objectivos essenciais da comunicação social é melhorar a qualidade da democracia e, neste particular, a televisão tem um papel preponderante a avaliar pela sua dimensão discursiva. Por isso, e sempre na tentativa de compreender a natureza e o grau da liberdade de imprensa em Cabo Verde, o autor reconstrói todo o processo conducente à abertura do mercado televisivo aos operadores privados.
Não obstante a liberalização do espectro televisivo estar previsto na Constituição desde 1992, ainda que condicionada a concurso público, só em 2006 foram atribuídas as licenças a algumas estações de televisão privadas. O processo suscitou acesas críticas por parte dos concorrentes que viram os seus projectos chumbados e a polémica instalou-se.

No entender do Silvino Évora, o governo abdicou de um trabalho de grande importância para a sustentabilidade das empresas licenciadas. Explica o autor: antes de tudo, o governo deveria fazer um estudo de mercado com a finalidade de avaliar numa primeira fase quantos canais de televisão privados o mercado mediático cabo-verdiano estaria em condições de suportar. Assim, fixaria previamente um numerus clausus e as firmas não contempladas poderiam vir a apresentar-se a posteriores concursos, caso criassem as condições para a entrada de mais operadores. Isso evitaria que o mercado viesse a aniquilar alguns operadores, a quem o estado teria exigido condições de garantia económica para um projecto de 15 anos.

O autor faz de seguida uma análise sectorial das políticas de comunicação. Rádio, imprensa escrita e os novos media, que, por escassez de tempo, não iremos revisitar.

No plano da democracia, o autor entende que a bipartidarização da sociedade é uma das grandes insuficiências da democracia cabo-verdiana, uma vez que não deixa espaço para um diálogo salutar entre as correntes de pensamento e não permite que as opiniões sejam argumentadas fora do quadro do “fundamentalismo político”. O pior é que a bibartidarização se entranhou na comunicação social condicionando o seu desempenho. Uma prestação que diga-se é criticada pelos próprios actores políticos.

Se o líder do MPD crítica a imprensa estatal por considerar que está excessivamente partidarizada, o líder do PAICV aponta baterias aos media privados, dizendo que há jornais que não são mais do que satélites de partidos. Estas críticas mostram que a própria classe política se sente incomodada com a excessiva partidarização da sociedade, e por conseguinte da Comunicação Social, sobretudo quando a linha que determinados órgãos trabalham não beneficia os seus partidos.

Mas as criticas à prestação da comunicação social não vêm só dos políticos. Vários outros segmentos da sociedade defendem que enquanto o resto do país anda numa velocidade e ela segue noutra velocidade. Um dos grandes problemas da Comunicação Social, considera o Silvino Évora, é que não tem havido uma política estratégica para o sector. Não houve vontade de transformar a comunicação social numa ferramenta auxiliar da democracia, pois ela é encarada como um instrumento subsidiário do “reinado” dos partidos do Governo. Defende que há dois factores que concorrem para que o estado tenha uma presença nos media: um, camuflado pelos governos, é a necessidade de ter em mãos um instrumento de exercer influência sobre a sociedade; outro, assumido, é a garantia do serviço público.

Um serviço público que divide opiniões, mas, de qualquer forma, todos são unânimes em dizer que a sua qualidade é fraca. Os trabalhos jornalísticos, seguindo os ditames do serviço público, explica o autor, exigem tempo, liberdade de informação e recursos materiais. Em Cabo Verde grande parte do tempo dos jornalistas é gasto na cobertura das conferências de imprensa dos partidos políticos. A liberdade de imprensa, acrescenta, está comprometida com a sociedade bipartida, que criou jornalistas associados ao MPD e jornalistas próximos do PAICV. E os recursos materiais estão hipotecados na falta de investimento do estado no sector e na fraca liquidez do mercado publicitário. Esta situação leva-nos a um pseudo-serviço público, completamente desinteressante e que em nada alcança o espírito das disposições legais e constitucionais. Por isso há vozes que defendem a privatização do serviço público.

O autor articula a análise das políticas dos governos e a liberdade de imprensa com a questão emprego e do despedimento que tem marcado a paisagem mediática cabo-verdiana. Aliás, lembra que as reestruturações tem sido encaradas como forma de livrar de jornalistas incómodos. O mercado mediático cabo-verdiano é outra dimensão alvo de atenção do Silvino Évora que o considera exíguo e desinteressante para grupos internacionais. Como se não bastasse há pouco hábito de leitura e as condições económicas das famílias não são favoráveis à fruição de bens simbólicos.

Falar da liberdade de imprensa implica abordar a imperiosa necessidade da formação do jornalista. Uma vez que como diz e muito bem o autor, o trabalho do jornalista ultrapassa o simples acto de recolher e divulgar a informação. Passa também pela formação da sociedade, porque a informação incorpora valores simbólicos, que influenciam os hábitos, as maneiras de pensar e estar na vida. A formação dos jornalistas tem sido uma matéria negligenciada pelos governos.

A governamentalização do serviço público também preocupa o autor. O governo continua o nomear os gestores dos operadores públicos, leia-se RTC e Inforpress, embora o caso da agência de noticias seja diferente, uma vez que o Conselho de Administração é presidido por um jornalista. De todo o modo, sublinha o autor, põe-se o problema da liberdade de imprensa, porquanto os directores de informação não são escolhidos pelos seus pares, mas sim pela administração. O autor cita o ex-secretário de estado do Governo do MPD, Arnaldo Silva, para quem a independência dos órgãos de comunicação social acontecerá no dia em que o Governo deixar de ter peso na escolha do Conselho de Administração.

Em resumo, olhando para a evolução da liberdade de imprensa em Cabo Verde depois da abertura ao regime multipartidário, o autor destaca dois grandes períodos: o período que chama de insatisfação generalizada e o período de satisfação conveniente ou precária. O primeiro resume-se à decada de 90, em que havia da parte dos governantes um combate severo às tentativas de implementação do direito à liberdade de imprensa. O segundo momento – de satisfação conveniente – instalou-se a partir do novo milénio com o regresso do PAICV ao poder, em que deixou de haver processos judiciais, cargas policiais sobre jornalistas e operações de limpeza, mas também, em troca, os órgãos de comunicação social tornaram-se menos críticos, salvo os que se encontram colados à oposição. Desta forma, reconhece o autor, o período de satisfação conveniente resume-se a uma precária liberdade de imprensa para os órgãos e uma ampla liberdade de actuação para os partidos políticos.

Quanto à regulação do sector, ela existe apenas no plano do direito, mas não de facto, basta ver que ainda hoje não está a funcionar uma entidade reguladora. Esta ausência de regulação efectiva tem transformado a comunicação social em “terra de ninguém” e o jornalismo numa “profissão a céu aberto”, o que significa que em Cabo Verde todos, sem excepção, são potenciais jornalistas. E isto é grave porque aqueles que entram para o jornalismo, não conhecendo cabalmente as responsabilidades da profissão, ajudam a alimentar o jornalismo partidarizado que assola o panorama mediático cabo-verdiano.

Olhando para o jornalismo de serviço publico, o autor conclui que se resume ao “já vivido”, ou seja, fica-se com a sensação de já se ter lido, ouvido ou assistido aquela informação em qualquer outro palco ou momento. E são os próprios jornalistas a manifestarem insatisfação perante esta situação. Não são só os entrevistados, mas também os inquiridos pelo Silvino no âmbito desta investigação, consideram que não há liberdade de imprensa, nem isenção em Cabo Verde. Por um lado, 78% dos inquiridos entendem que durante os governos maioritários do MPD, as notícias publicadas não responderam à necessidade pública de informação; por outro lado, 74% dos jornalistas auscultados faz o mesmo juízo sobre o período de governação do PAICV nesta segunda Republica.

Ora, para que haja bom serviço público de televisão é preciso bons profissionais de televisão, o que requer formação. Porém, as politicas de formação de quadros para o sector da comunicação social, embora constem dos programas do governo, são inexistentes.

É preciso mudar este paradigma. Eliminar um conjunto de factores maléficos à socialização do direito à liberdade de imprensa que tem atravessado tanto o período de insatisfação generalizada como o de satisfação precária ou conveniente, abordados aliás ao longo da extensa investigação. Um desses factores é o paradigma do “jornalismo sentado”. Um jornalismo folclórico que se alimenta das questiúnculas políticas, que não retrata a vida social e, quando aborda algumas matérias de interesse público, não faz uma análise profunda. Nota-se que cerca de 74% dos inquiridos pelo Silvino defendem que a predominância da agenda governamental sobre a agenda pública tem contribuído para neutralizar a liberdade de imprensa.

Há outras razões que concorrem para a necessidade de se mudar o paradigma do jornalismo em Cabo Verde. Uma delas é a questão dos “comissários políticos”. Na definição do autor, trata-se de uma figura histórica que tem atravessado regimes e funciona como um canal de mediação entre os media e a classe politica, fazendo tábua rasa de qualquer concepção ética, dispositivo jurídico ou deontológico.

Em jeito de recomendações, o Dr. Silvino Évora, propõe, desde logo, novas gerações de políticas para a comunicação social cabo-verdiana. Para que o sector contribua para a solidificação do sistema democrático, é necessário, antes de tudo, uma política para o conhecimento.

Por outro lado, o Governo deve reformular as suas politicas para a comunicação social do estado, no sentido de promover a sua autonomia. Ainda assim, o autor considera que seria fatal a alternativa apontada por alguns entrevistados no sentido da privatização dos órgãos de comunicação audiovisual. Lembra que a falta de liquidez do mercado tem empurrado grande parte dos órgãos de comunicação social para os partidos políticos ou confissões religiosas.

Para os órgãos de comunicação social públicos tenham autonomia, recomenda o autor, o governo deverá deixar de nomear os respectivos conselhos de administração, que depois escolhem os directores e os chefes de informação. Recomenda ainda o Silvino que a nomeação do presidente do Conselho de Administração seja o resultado do entendimento entre a classe, o governo, a sociedade civil e o parlamento. Portanto, um sistema misto.

Espero que este livro seja lido não apenas pelos jornalistas, mas sobretudo pelos decisores políticos. Ultrapassada que foi a fase da insatisfação generalizada, é chegado o momento de rompermos com o clima de satisfação conveniente ou precária. É preciso que a comunicação social comece a reflectir as expectativas e as preocupações quotidianas dos cidadãos. O jornalismo militante, característico do partido único, cujo odor bafiento ainda se faz sentir nas redacções, tem que ser banido.


Importa lembrar que a função principal do jornalismo nos Estados democráticos de direito é a de manter um sistema de vigilância e de controlo dos poderes. 

Texto de apresentação da obra, no Tarrafal de Santiago, no dia 13.01.2013
















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