Os trabalhadores da RTC
vão para greve nos dias 18 e 19 deste mês. Importa saber como chegamos a este
ponto. Desde logo, convém sublinhar que a nossa luta não se restringe ao atraso
no pagamento do salário de Setembro.
Ela visa também garantir
o direito de o trabalhador receber a sua retribuição numa data fixa, como, de
resto, estipula a lei laboral. Quem tem acompanhado mais de perto o
funcionamento da Rádio Televisão Cabo-Verdiana nos últimos anos, sabe que a
instabilidade no pagamento dos salários tem sido uma constante. Uma situação
que coloca os colaboradores da empresa numa situação de stress, desmotivação e incerteza quanto ao futuro.
Na verdade, o atraso no
cumprimento, por parte dos gestores da empresa, das obrigações para com os
trabalhadores é, se quisermos, a ponta do iceberg,
de uma crise que se adivinha bem mais funda. A sustentabilidade da RTC está
claramente em causa. O modelo de financiamento do serviço público de rádio e
televisão há muito que se esgotou.
A Constituição da República
diz taxativamente que o Estado garante o funcionamento do serviço público de
rádio e televisão. Do nosso ponto de vista esta imposição constitucional está
claramente a ser negligenciada. Estamos a falar de um bem simbólico essencial para
a democracia.
Ao longo dos últimos
quatros anos, a RTC foi contaminada por um estilo de gestão completamente
fechada, no mais absoluto secretismo. Como se a empresa fosse uma coutada dessa
gente que faz do “quero, posso e mando” o estilo de liderança, esquecendo-se
que estamos a falar de um operador que presta um serviço, cujo financiamento
depende quase 80% do dinheiro dos contribuintes. É no mínimo intrigante como é
que uma empresa que “gere” dinheiros públicos não presta contas aos cidadãos, e
muito menos aos trabalhadores.
Durante o mandato de que
se orgulha o presidente do CA da RTC, por ter batido o recorde de longevidade -
como se passar mais tempo à frente de uma empresa fosse sinónimo de boa gestão -
os planos estratégicos e de actividade, os projectos, a visão, os relatórios de
actividades e contas da empresa (se é que alguma vez existiram) foram
deliberadamente sonegados aos trabalhadores.
É verdade que a saúde
financeira da empresa não foi a mais famosa, ou, para utilizar uma expressão do
dr. Horácio Semedo ela é “a mesma de sempre”. Se assim é, como se explica que a
RTC tenha honrado, num passado recente, os seus compromissos para com os
trabalhadores e, ainda, fez ela própria avultados investimentos. Quem lê o
relatório de actividades e contas da RTC referente ao ano de 2007, nunca
haveria de prever que hoje a empresa estivesse a passar hoje pelo cabo das
tormentas, às portas da implosão.
Diz o actual conselho de
administração que a ELECTRA deve neste momento à RTC mais de 150 mil contos.
Isto significa que já lá vão mais de sete meses que a empresa de produção e
distribuição de água e electricidade não transfere um único centavo à Rádio
Televisão Cabo-Verdiana. Como é possível que gestores que recebem um salário
superior ao que aufere o primeiro-ministro deste país, além de outras benesses,
tenham permitido que a divida galgasse a este montante?
É o eterno fado deste
país. Os decisores públicos não prestam contas dos seus actos, não são
responsabilizados. Agora grita-se por socorro do Estado, claro! Que venha o Governo
extinguir o fogo ateado por esses magos de gestão moderna. Devo recordar que
por causa de “gestores” dessa estirpe, na sua história recente, a RTC já foi
saneada financeiramente duas vezes pelo Estado. Como dizia noutro dia um
trabalhador, se calhar seja mais previdente facultar à administração da Electra
o número da nossa conta bancária para que nos transferira mensalmente o
dinheiro das taxas.
No final do ano passado
o PCA da RTC prometia-nos que, em breve, a empresa teria o seu próprio satélite
e, mais, a TCV teria um segundo canal. Promessas que só quem não conhece este
sector se atreve a fazer. Bem, de todo o modo, importa saber como é que
passamos da euforia à lamúria… o que se passou entretanto para estarmos de novo
de mãos estendidas ao Governo, transformados em chacota nacional? Até quando?
É nessas situações que a lei tem papel fundamental, direitos existem para serem cumpridos.
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