quarta-feira, setembro 12, 2012

O Elo Mais Fraco III


Ao contrário do que aconteceu na esmagadora maioria dos países europeus, em Cabo Verde, o surgimento de rádios e televisões privadas não quebrou a hegemonia dos órgãos públicos. Um fenómeno motivado por inúmeros factores, destacando-se a insipiência do mercado publicitário, onde a concorrência é praticamente inexistente no segmento audiovisual.

Hoje, o papel atribuído à rádio, e sobretudo à televisão, enquanto instrumento de socialização, de democratização e de coesão social, tem levado a que a nível das leis que regem o sector, os estatutos dos operadores e as normas dos contratos de concessão acolham princípios e obrigações, tais como independência, pluralismo, universalidade, diversidade, qualidade, inovação, valorização da cultura e da identidade nacionais, protecção das minorias, etc.

Para além de garantir que o Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de radiodifusão e televisão, a Constituição da República estipula que “o Estado garante a isenção dos meios de comunicação do sector público, bem como a independência dos seus jornalistas perante o Governo, a administração e os demais poderes públicos” (art. 60º). No entanto, compulsando os estatutos da RTC, quer os de 1997, quer os datados de 24 de Abril de 2000, constata-se que, em nenhum momento, constitui preocupação do poder político em adoptar um novo modelo de gestão que não fosse o governamentalizado. 

Os membros do Conselho de Administração da RTC são, desde a criação da empresa, nomeados directamente pelo Governo, sem que este acto esteja sujeito, por exemplo, a um parecer público e fundamentado de qualquer outra entidade. É evidente que esta prorrogativa leva a que se privilegiem a fidelidade e a confiança partidária, em detrimento do mérito e da competência ao nível da gestão empresarial. Mas mais: este modelo tem sido responsável pela instabilidade reinante na RTC. Para se ter uma ideia, desde 97 já se contabilizaram sete conselhos de administração e quinze directores, só na televisão.

Os estatutos da RTC não estabelecem, em momento algum, que a responsabilidade pela selecção e o conteúdo da programação e informação pertence aos directores da rádio e televisão, o que seria um sinal claro de proibição de qualquer intervenção da administração no domínio dos conteúdos. Pelo contrário, estipulam que o Conselho de Programação, um órgão consultivo da RTC encarregado de “apreciar o conteúdo geral da programação, a produção e a qualidade dos programas, e de formular as observações pertinentes para a sua melhoria”, é presidido, pasme-se, pelo PCA da RTC. Lá se foi o princípio da independência editorial!

Um mecanismo importante, que poderia servir como freio às tentações de controlo político, seria o Conselho de Opinião. Essa entidade, cuja composição reflectiria a representatividade social, teria competências para se pronunciar sobre os planos de actividades, os orçamentos e contas e as bases gerais da programação da RCV e da TCV. Ser-lhe-ia igualmente atribuída a competência para emitir parecer prévio, público e fundamentado, embora não vinculativo, sobre a nomeação e destituição dos directores dos órgãos.

Igualmente decisivo para a melhoria da qualidade dos conteúdos e reforço da independência editorial dos operadores de serviço público seria a criação dos provedores do ouvinte e do telespectador, enquanto intermediários entre os cidadãos e os órgãos públicos. Mas, infelizmente, até agora não existe um quadro legal que permita o escrutínio e a prestação de contas por parte dos media estatais.

Ainda que haja quem pense o contrário, a verdade é que a origem da designação dos principais dirigentes dos operadores constitui, sem dúvida, uma das principais formas de aferir o seu carácter de independência, sobretudo face ao poder político.

A BBC, por exemplo, representa, desde a sua fundação, um modelo de independência que resulta, mais do que da sua estrutura, do seu modelo de funcionamento – despolitização das escolhas, independência funcional dos responsáveis e participação alargada às elites da sociedade britânica. É um facto que compete ao Governo a escolha dos administradores, mas cabe formalmente à Coroa britânica, mediante uma order in council, a designação dos 12 administradores da BBC Trust – Fundação da BBC, que, desde 2006, substitui o Border of Governors.

Aos administradores designados compete a orientação estratégica da BBC e, sobretudo, a escolha do Director-Geral e dos restantes membros do Conselho Executivo, responsáveis pela sua gestão corrente. A estrutura da BBC integra ainda diversos conselhos consultivos, nomeadamente quatro Audience Council, representativos do universo de pagadores da taxa das quatro Nações que integram a Grã-Bretanha.

Na Itália, o actual modelo jurídico da televisão pública, aprovado em 2005, mantém a influência parlamentar, através da commissione parlamentare per l’indirizzo generale e la vigilanza dei servizi radiotelevisivi, cujo voto por maioria qualificada de dois terços é necessário para aprovar o nome do presidente do Conselho de Administração da RAI. O conselho de 9 membros, designados pela assembleia-geral da empresa por um mandato de 3 anos renovável apenas uma vez, designa o Director-Geral, cujo mandato tem uma duração igual.

O modelo francês reserva um papel importante na governação da France Télévisions ao Conseil Supérieur de l’Audiovisuel. Desde 2009, o CSA designa, para além do presidente, mais quatro membros do Conselho de Administração, devendo a escolha de três deles recair sobre pessoas oriundas, respectivamente, do movimento associativo, do mundo da criação e da produção audiovisual ou cinematográfica e do ultramar francês. Do Conselho de Administração, de catorze membros, fazem parte dois parlamentares designados pela Assembleia Nacional e pelo Senado, cinco representantes do Estado designados pelo Governo e dois representantes dos trabalhadores da empresa, eleitos por estes.

Em Espanha, a eleição dos membros do conselho de administração, para um mandato não renovável de seis anos, é realizada pelas Cortes Generales, sendo oito designados pelo Congresso de Deputados, dos quais dois sob proposta dos sindicatos mais representativos com implantação na RTVE, e quatro pelo Senado. O homem forte da televisão pública espanhola é todavia o PCA, eleito pelo Congresso de Deputados de entre os membros do conselho da administração. A eleição do presidente, bem como dos demais membros do conselho, requer uma maioria qualificada de dois terços, o que implica um consenso entre as principais forças políticas.

Na estrutura da RTVE existe ainda um Consejo Asesor, formado por quinze membros representativos de diversos sectores da sociedade espanhola, com funções consultivas sobre a orientação geral da programação, e os Consejos Informativos, órgãos internos de participação dos jornalistas, encarregados de promover a independência editorial e de salvaguardar o seu distanciamento face à direcção da empresa, embora sem poderes vinculativos.

Portugal, cujo modelo de governação da RTP é um dos mais atrasados da Europa, tem vindo a introduzir alterações substanciais ao regime jurídico do serviço público. Por exemplo, a Assembleia da Republica passou a partir de 2007 a deter competências no acompanhamento da actividade desenvolvida pela concessionária, a começar pela audição dos membros do conselho de administração e dos directores de programas e de informação. Foi igualmente instituído o princípio de inamovibilidade dos membros do conselho de administração. O conselho de Opinião viu as suas atribuições acrescidas, tudo em nome da independência dos operadores de serviço público face ao poder político.

É urgente, pois, que haja um consenso entre os partidos políticos para uma ampla reforma jurídica e funcional da RTC.




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