Ao contrário do que
aconteceu na esmagadora maioria dos países europeus, em Cabo Verde, o
surgimento de rádios e televisões privadas não quebrou a hegemonia dos órgãos públicos.
Um fenómeno motivado por inúmeros factores, destacando-se a insipiência do mercado
publicitário, onde a concorrência é praticamente inexistente no segmento
audiovisual.
Hoje,
o papel atribuído à rádio, e sobretudo à televisão, enquanto instrumento de
socialização, de democratização e de coesão social, tem levado a que a nível
das leis que regem o sector, os estatutos dos operadores e as normas dos
contratos de concessão acolham princípios e obrigações, tais como
independência, pluralismo, universalidade, diversidade, qualidade, inovação,
valorização da cultura e da identidade nacionais, protecção das minorias, etc.
Para
além de garantir que o Estado assegura a existência e o funcionamento de um
serviço público de radiodifusão e televisão, a Constituição da República
estipula que “o Estado garante a isenção
dos meios de comunicação do sector público, bem como a independência dos seus
jornalistas perante o Governo, a administração e os demais poderes públicos” (art.
60º). No entanto, compulsando os estatutos da RTC, quer os de 1997, quer os
datados de 24 de Abril de 2000, constata-se que, em nenhum momento, constitui
preocupação do poder político em adoptar um novo modelo de gestão que não fosse
o governamentalizado.
Os
membros do Conselho de Administração da RTC são, desde a criação da empresa,
nomeados directamente pelo Governo, sem que este acto esteja sujeito, por
exemplo, a um parecer público e fundamentado de qualquer outra entidade. É
evidente que esta prorrogativa leva a que se privilegiem a fidelidade e a
confiança partidária, em detrimento do mérito e da competência ao nível da
gestão empresarial. Mas mais: este modelo tem sido responsável pela
instabilidade reinante na RTC. Para se ter uma ideia, desde 97 já se
contabilizaram sete conselhos de administração e quinze directores, só na
televisão.
Os
estatutos da RTC não estabelecem, em momento algum, que a responsabilidade pela
selecção e o conteúdo da programação e informação pertence aos directores da
rádio e televisão, o que seria um sinal claro de proibição de qualquer
intervenção da administração no domínio dos conteúdos. Pelo contrário, estipulam
que o Conselho de Programação, um órgão consultivo da RTC encarregado de “apreciar o conteúdo geral da programação, a
produção e a qualidade dos programas, e de formular as observações pertinentes
para a sua melhoria”, é presidido, pasme-se, pelo PCA da RTC. Lá se foi o
princípio da independência editorial!
Um
mecanismo importante, que poderia servir como freio às tentações de controlo político,
seria o Conselho de Opinião. Essa entidade, cuja composição reflectiria a
representatividade social, teria competências para se pronunciar sobre os planos
de actividades, os orçamentos e contas e as bases gerais da programação da RCV
e da TCV. Ser-lhe-ia igualmente atribuída a competência para emitir parecer
prévio, público e fundamentado, embora não vinculativo, sobre a nomeação e
destituição dos directores dos órgãos.
Igualmente
decisivo para a melhoria da qualidade dos conteúdos e reforço da independência
editorial dos operadores de serviço público seria a criação dos provedores do
ouvinte e do telespectador, enquanto intermediários entre os cidadãos e os
órgãos públicos. Mas, infelizmente, até agora não existe um quadro legal que
permita o escrutínio e a prestação de contas por parte dos media estatais.
Ainda que haja quem pense o
contrário, a verdade é que a origem da designação dos principais dirigentes dos
operadores constitui, sem dúvida, uma das principais formas de aferir o seu
carácter de independência, sobretudo face ao poder político.
A BBC, por exemplo, representa,
desde a sua fundação, um modelo de independência que resulta, mais do que da
sua estrutura, do seu modelo de funcionamento – despolitização das escolhas,
independência funcional dos responsáveis e participação alargada às elites da
sociedade britânica. É um facto que compete ao Governo a escolha dos
administradores, mas cabe formalmente à Coroa britânica, mediante uma order in council, a designação dos 12
administradores da BBC Trust – Fundação
da BBC, que, desde 2006, substitui
o Border of Governors.
Aos administradores designados
compete a orientação estratégica da BBC e, sobretudo, a escolha do Director-Geral
e dos restantes membros do Conselho Executivo, responsáveis pela sua gestão
corrente. A estrutura da BBC integra ainda diversos conselhos consultivos,
nomeadamente quatro Audience Council,
representativos do universo de pagadores da taxa das quatro Nações que integram
a Grã-Bretanha.
Na Itália, o actual modelo jurídico
da televisão pública, aprovado em 2005, mantém a influência parlamentar,
através da commissione parlamentare per
l’indirizzo generale e la vigilanza dei servizi radiotelevisivi, cujo voto
por maioria qualificada de dois terços é necessário para aprovar o nome do
presidente do Conselho de Administração da
RAI. O conselho de 9 membros, designados pela assembleia-geral da empresa por
um mandato de 3 anos renovável apenas uma vez, designa o Director-Geral, cujo
mandato tem uma duração igual.
O modelo francês reserva um papel
importante na governação da France
Télévisions ao Conseil Supérieur de
l’Audiovisuel. Desde 2009, o CSA designa, para além do presidente, mais
quatro membros do Conselho de Administração, devendo a escolha de três deles
recair sobre pessoas oriundas, respectivamente, do movimento associativo, do
mundo da criação e da produção audiovisual ou cinematográfica e do ultramar
francês. Do Conselho de Administração, de catorze membros, fazem parte dois
parlamentares designados pela Assembleia Nacional e pelo Senado, cinco
representantes do Estado designados pelo Governo e dois representantes dos
trabalhadores da empresa, eleitos por estes.
Em Espanha, a eleição dos membros
do conselho de administração, para um mandato não renovável de seis anos, é
realizada pelas Cortes Generales,
sendo oito designados pelo Congresso de Deputados, dos quais dois sob proposta
dos sindicatos mais representativos com implantação na RTVE, e quatro pelo Senado.
O homem forte da televisão pública espanhola é todavia o PCA, eleito pelo
Congresso de Deputados de entre os membros do conselho da administração. A eleição
do presidente, bem como dos demais membros do conselho, requer uma maioria
qualificada de dois terços, o que implica um consenso entre as principais
forças políticas.
Na estrutura da RTVE existe ainda
um Consejo Asesor, formado por quinze
membros representativos de diversos sectores da sociedade espanhola, com
funções consultivas sobre a orientação geral da programação, e os Consejos Informativos, órgãos internos
de participação dos jornalistas, encarregados de promover a independência editorial
e de salvaguardar o seu distanciamento face à direcção da empresa, embora sem
poderes vinculativos.
Portugal, cujo modelo de governação
da RTP é um dos mais atrasados da Europa, tem vindo a introduzir alterações
substanciais ao regime jurídico do serviço público. Por exemplo, a Assembleia
da Republica passou a partir de 2007 a deter competências no acompanhamento da
actividade desenvolvida pela concessionária, a começar pela audição dos membros
do conselho de administração e dos directores de programas e de informação. Foi
igualmente instituído o princípio de inamovibilidade dos membros do conselho de
administração. O conselho de Opinião viu as suas atribuições acrescidas, tudo
em nome da independência dos operadores de serviço público face ao poder
político.
É urgente, pois, que haja um
consenso entre os partidos políticos para uma ampla reforma jurídica e
funcional da RTC.
Sem comentários:
Enviar um comentário