Como já vem sendo hábito, remetemos para o dia mundial da liberdade de
imprensa, 3 de Maio, quaisquer reflexões sobre os meios de comunicação social,
o seu percurso, a sua missão e os desafios que se lhe colocam enquanto peça
fundamental na consolidação da democracia.
Este ano, adivinha-se, os discursos do costume serão apimentados com a
recente façanha do nosso país que integra o grupo dos dez países a nível
mundial com maior liberdade de imprensa. Trata-se de facto de um feito
importante que, contudo, não nos deve envaidecer, mas antes orgulhar-nos e
servir-nos de alento para continuarmos a criar as condições com vista a uma
comunicação social mais plural, imparcial e, sobretudo, de qualidade.
O pior é que esta posição de Cabo Verde no ranking da ONG, Repórteres sem Fronteiras, está a inebriar muita
gente. São muitos aqueles que confundem, talvez deliberadamente, a esfera de
liberdade de que goza a imprensa e os jornalistas em Cabo Verde, com a
qualidade da informação produzida. Um bem de valor simbólico indispensável para
a formação da opinião dos cidadãos, condição sine qua non para a sua participação activa no processo de tomada
de decisão nos assuntos públicos que lhe dizem directamente respeito.
É inegável que a esfera de acção dos jornalistas cabo-verdianos tem
vindo, cada vez mais, a alargar-se e isso não é nenhuma dádiva, resulta antes
de um esforço partilhado entre os jornalistas e fazedores de opinião, actores políticos e a sociedade civil hoje mais exigente em relação à prestação dos media.
Temos mais jornais (poderíamos ter muitos mais), mais rádios, em
virtude da proliferação de estações comunitárias; há mais televisões, embora,
volvidos quase cinco anos desde que entraram em funcionamento, a sua afirmação
quer como complemento quer como alternativa ao operador público pareça cada vez
mais uma miragem. Julgo que o crescimento mais acentuado se regista no webjornalismo e na blogosfera, quiçá
responsável pelo alargamento da esfera pública mediática.
Mas daí a concluirmos que temos melhor jornalismo que o que se faz na
Itália, em Portugal, no Brasil e noutros tantos países que têm uma tradição de
imprensa muito mais consolidada do que nós, só porque ficamos à frente deles no
índice da RSF é não ter a noção do ridículo. Recordo-me de uma passagem do
relatório da Repórteres sem Fronteiras segundo a qual a crise económica e
financeira que assola a Europa está a contribuir para acentuar o controlo dos
governos e dos agentes económicos sobre os órgãos de comunicação social.
Convém ainda recordar que a definição dos níveis de liberdade de
imprensa resulta de um questionário com perguntas muito precisas do tipo: Houve
jornalistas assassinados no ano passado no decorrer da sua missão de informar?
As autoridades policiais perseguem jornalistas? Os jornalistas são livres para
decidirem reportagens a fazer? Existe pressão política nas redacções, etc, etc?
Olhando para o catálogo de perguntas, e comparando com o que se passa
em muitos países, é evidente que Cabo Verde aparece como um oásis nesse deserto
de brutalidades contra a imprensa. Mas convém reflectir sobre o seguinte: Se o nosso jornalismo (não confundir com os
comentários atentatórios ao bom nome das pessoas) de repente passasse a ser
mais acutilante, agressivo no sentido de vigiar, fiscalizar, exigir a
transparência e a prestação de contas por parte dos poderes… em suma, se a
nossa imprensa se transformasse no verdadeiro contra-poder, será que
ostentaríamos tão honrosa classificação? A história recente da democracia
cabo-verdiana mostra-nos que não.
Os decisores políticos tecem loas à comunicação social enquanto esta
se prestar aos seus interesses, através de um jornalismo assente nas agendas
oficiais, dócil, recheado de conferências de imprensa, seminários, workshops, fóruns
e recados e contra-recados vindos da situação e da oposição… próprio de uma
caixa de ressonância. Mas quando os media se permitem investigar, criticar,
fugir desse “país sentado” e colocam as preocupações dos cidadãos e a procura
da verdade no centro da sua missão de informar, os políticos reagem com azedume
e com condicionamentos de toda a espécie.
É verdade que longe vão os tempos em que o ministro da Informação
telefonava directamente aos directores dos órgãos de comunicação social
dando-lhes orientações em matéria de conteúdo e interferindo de forma descarada
no alinhamento dos noticiários. Também não é exagero algum afirmar que paira
ainda na memória das redacções a sanha dos assessores brasileiros que a todos
submetiam aos caprichos do poder reinante. Uma coisa é certa: Lá porque
desapareceu a censura institucional, documentada e indelevelmente acentuada com
o carimbo e o lápis azul dos censores, não desaparecem as censuras. Estas são
perigosas, porque insidiosas, subliminares, invisíveis, mais daninhas porque
não declaradas e, ainda para mais, trazem roupagem nova.
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