Há muito que a publicidade faz parte do nosso quotidiano, pela simples razão de estar visivelmente integrada na paisagem urbana. Ela está em toda a parte: desde a publicidade exterior, na paragem dos autocarros, nas paredes e ruas das cidades, em suportes diversos como mupis, painéis luminosos, outdoors, até aos anúncios em jornais e revistas, aos spots publicitários na rádio e televisão, aos banners, na internet, aos mailings que entopem as nossas caixas do correio, sem o nosso consentimento.
Como refere Qualter (1994), “a publicidade é, em grande medida, a criadora de uma cultura de massas, tal como a conhecemos, e definidora dos seus valores”. Ela é igualmente a expressão e a manifestação dessa mesma cultura. O processo de interacção da publicidade com os consumidores ultrapassa, por conseguinte, a lógica estritamente comercial. Além de promover a aquisição de bens de consumo, estabelece modelos de comportamento e define sistemas de valores.
Isto quer dizer, na opinião de Helena Sousa (2005:117), que “a publicidade é um instrumento imprescindível à formação cívica e ética dos cidadãos, pois, enquanto discurso veiculado através dos media é uma forma privilegiada para sensibilizar a opinião pública para questões comuns, tais como a defesa e a protecção do meio ambiente, saúde e higiene, educação e pedagogia do consumo, etc.”
Com efeito, a publicidade tem vindo a assumir cada vez mais um papel social, centrando-se em temas que reflectem algumas preocupações dos nossos tempos, desde o problema da fome, à defesa das minorias, à denúncia da violência e o futuro do planeta. As técnicas de criação e produção de conteúdos tradicionalmente aplicadas à publicidade comercial são agora empregues com o intuito de estimular a consciência social de cada indivíduo e a criação de novos hábitos. No fundo, “as mensagens procuram atenuar a comodidade individual, mudar atitudes e comportamentos e servir os interesses da sociedade” (Balonas, 2011:31).
Em Cabo Verde, segundo o Decreto-Lei nº 46/2007, considera-se publicidade “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de a) promover, com vista à sua alienação, quaisquer bens ou serviços; b) promover ideias, princípios, iniciativa ou instituições.” O Código de Publicidade acrescenta ainda que pode ser “qualquer forma de comunicação da Administração pública (…) que tenha por objectivo directo ou indirecto, promover o fornecimento de bens ou serviços.”
Nos últimos tempos assiste-se a uma utilização, ainda que tímida, da publicidade a causas sociais, como informação e sensibilização para problemas que afectam os cidadãos e a sociedade em geral. A ideia é atribuir à publicidade uma nova função – a de agente de mudança social – colocando-a ao serviço da melhoria da qualidade de vida em sociedade e para o exercício da cidadania.
À laia de exemplo, recordo a campanha que promove os Direitos Humanos, e, neste âmbito, a virada para a defesa e promoção dos direitos das crianças. Destaco igualmente as mensagens publicitárias que alertam para as consequências nefastas dos acidentes de viação, apelando, por isso, a uma condução prudente. A saúde e o saneamento têm sido também objecto do marketing social.
Tudo isto vem a propósito da recente campanha em torno do recenseamento eleitoral. A sensibilização dos jovens quanto à importância de se recensearem para poderem votar nas próximas eleições é, a todos os títulos, louvável. Falhou, na minha opinião, a forma como a mensagem publicitária foi construída. No plano da escrita, o texto aproxima-se da linguagem falada, da oralidade, adoptando um tom familiar e aposta no trocadilho. No entanto, como estratégia de credibilização, o discurso recupera como referente cultural um tabu que se prende com o início da vida sexual dos jovens.
A ideia que suporta a intenção comunicativa é de muitíssimo mau gosto: se já tiveste a tua primeira vez (leia-se experiência sexual) então recenseia-te. No plano icónico vêem-se imagens de jovens ansiosos, cheios de segredinhos porque têm uma coisa importante para fazer… o headline (frase que sintetiza o conceito fundamental) é de sentido múltiplo, reservando para o packshot (imagem final de qualquer filme publicitário, onde a mensagem final é sintetizada) a chave para a descodificação da mensagem.
O sucesso da publicidade, enquanto comunicação persuasiva, é testado, justamente, através da forma como as intenções (ou a ideia central) são trabalhadas. O seu discurso assenta na capacidade de dar a conhecer, persuadir e de levar a agir.
Percebe-se que objectivo do spot seja (era) mobilizar os jovens para o exercício de um direito e de um acto de cidadania – o recenseamento eleitoral – através de uma abordagem leve e divertida, mas, convenhamos, a estratégia comunicativa não foi a mais indicada. Quem ouve o spot é logo traído por um sentido imediato que não tem correspondência com o acto perlocutório, a intenção global da campanha.
Por isso, não obstante martelar nos media, a campanha não logrou mobilizar os jovens para o recenseamento. Os dados falam por si: de um universo de 6 mil jovens que completam 18 anos até a data das eleições, ter-se-ão recenseado entre 10 a 16 por cento. Bom, se calhar sou o único com uma mente perversa.
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