O
deputado Abraão Vicente, entrevistado pelo Expresso das Ilhas, fez,
precisamente na véspera do dia mundial da liberdade de imprensa, uma
interessante reflexão sobre o relacionamento entre os jornalistas e os
políticos. Não obstante flagrantes contradições, a que me referirei mais
adiante, as declarações do jovem político provam que os jornalistas não estão
imunes ao escrutínio por parte dos políticos nem dos cidadãos.
Fazem
também eco de um rol de críticas recorrentes um pouco por todo mundo onde a
imprensa labora num contexto de liberdade, entre as quais se destaca o facto de
os jornalistas estarem isolados numa espécie de redoma, ou se se preferir, num
pedestal, completamente alheados dos reais problemas dos cidadãos, falando cada
vez mais uns com os outros e para os políticos.
O
relacionamento entre os jornalistas e os políticos não é propriamente um tema
novo - talvez o seja entre nós -, e tem suscitado diversas abordagens teóricas
a partir de múltiplos pontos de vista. Como muito bem escreveu António Vitorino,
ex-comissário europeu e uma das figuras de proa do Partido Socialista
português, no prefácio do livro da jornalista Judite de Sousa, A Vida é Um
Minuto, “o posicionamento recíproco de
políticos e jornalistas assenta não apenas numa relação de tensão latente mas
também numa compreensão desvirtuada do peso relativo dos respectivos
protagonismos”.
Os
jornalistas constroem o paradigma do “contrapoder”, ou do “quarto poder”, na
sua vertente extrema, ou de “vigilante independente do poder”, e os políticos,
por seu turno, alimentam a aspiração de condicionarem as mensagens
comunicacionais em função daquilo que entendem melhor servir os seus
objectivos, oscilando entre a vitimização e a construção de “bodes expiatórios”
imputados à actuação dos meios de comunicação social.
Na linha do pensamento do deputado Abraão
Vicente está também um dos grandes teóricos do modelo de jornalismo cívico.
Segundo Davis Merrit “o sentimento é o de
que os jornalistas se tornaram arrogantes, mesquinhos e cínicos; que os
jornalistas se tornaram estrelas; que os jornalistas e os políticos se tornaram
ELES; que os jornalistas estão demasiado preocupados com “cachas”, prémios e
dinheiro no banco; que os jornalistas alimentados com o“viagra Watergate” se
tornaram hostis, criando uma cultura de “foste apanhado”, gerando um novo tipo
de jornalismo, rotulado de “jornalismo de ataque”; que os jornalistas se
tornaram os inimigos da esperança (Merrit, 1995).
Este relacionamento tenso entre jornalistas e
políticos, um misto de amor e ódio, evidencia-se no chamado jornalismo político
em que “o estilo interpretativo –
explica Thomas Petterson, da Universidade de Havard, eleva a voz do jornalista acima da do simples fazedor de notícias. Como
narrador, o jornalista está sempre no centro da história (…) a interpretação
fornece o tema, e os factos aclaram-no. O tema é primário, os factos são
ilustrativos”.
O defensores do chamado jornalismo cínico
elencam uma série de argumentos para demonstrar “o preconceito anti-política
dos media”. Primeiro, porque num
mercado competitivo, os media, em
especial a televisão, são dominados por considerações mercantis, mais do que
por um sentido de serviço público; Segundo, os media em vez de controlarem o
poder, tornaram-se eles próprios actores poderosos que determinam a agenda política,
construindo e destruindo políticos. Só que, ao invés dos poderosos legitimados
por eleições, estes não são sufragáveis nem julgados pelo que escrevem e dizem,
a não ser em termos de mercado; Terceiro, cada vez mais a política e os
políticos são retratados pelos media
como pouco confiáveis: os chamados animais políticos são vistos como pessoas
que apenas pensam em si mesmas e a política como um processo institucional
burocrático, caro e, muitas vezes, falhado. E finalmente, os efeitos deste
panorama negativo da política manifestam-se na criação de um público cada vez
mais cínico que, por causa disto, perde a confiança na integridade dos
políticos e nas suas capacidades de resolver os problemas. Este efeito foi
descrito como uma crise de legitimidade na representatividade e decisão
política, devido a um fosso cada vez maior entre os políticos e o público.
Cada vez mais, é notório que a política já
não está fazer vibrar as multidões. Nas sociedades modernas há mesmo uma
sensação de tédio em relação à política. O declínio do voto acentua-se. Os
índices de abstenção nas consultas eleitorais aumentam em flecha. Como muito
bem sublinha a jornalista Judite de Sousa “existe
como que uma contradição entre, por um lado, a prosperidade económica, a
vitalidade do tecido social, os níveis de instrução e de alfabetização e, por
outro, o apagamento da cidadania, uma ausência de vontade de influenciar
através do voto o funcionamento dos órgãos de poder, a tomada de decisões que
determinam as nossas vidas e o nosso futuro”. Há, por isso, quem fale no
“paradoxo da democracia”, pretendo com esta expressão, afirmar que à medida que
a democracia está em expansão em todo o mundo, existe uma descrença nas
instituições públicas.
O sentimento pejorativo, ou de um certo
cepticismo, com que hoje muitos cidadão se referem à sociedade politica – antes
tida como um ideal, até certo ponto uma utopia, não poderá ser assacada apenas
à comunicação social e aos jornalistas. É evidente que o emo(emoção)-jornalismo
e o cini-jornalismo terão, de algum modo, contribuído para alargar o fosso
entre os eleitos e os eleitores. Contudo, como muito bem lembra Adriano
Moreira, “o fenómeno central da
politica é a luta pela aquisição,
manutenção e o exercício do poder”. Ou seja, deixou de se encarar a política
como a forma de atingir o “ideal do homem” que devia viver a paredes-meias com
o bem e a justiça, na Polis.
Muitos actores políticos vêem nesta “arte
nobre” não um meio imprescindível para que se atinja a felicidade e o bem
comum, mas antes uma oportunidade de enriquecimento pessoal, de status social, de distribuir benesses à
sua clientela e de promoção da mediocridade. A crise financeira que assola o
mundo, com maiores ondas de choque na Europa prova que os cidadãos tinham
razão. Afinal, os políticos estão do lado dos interesses do grande capital. Em
Cabo Verde já há alguns sinais preocupantes: apatia e desinteresse de uma boa
parte da sociedade civil em exercer a sua cidadania e, o mais grave, os jovens
estão aparentemente nas tintas em relação à politica. Ou será uma mensagem aos
políticos?
Continua…
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