quarta-feira, dezembro 09, 2015

UMA VOZ CRIOULA NO ATLÂNTICO

O panorama radiofónico da colónia de Cabo Verde iria conhecer uma nova dinâmica com a inauguração oficial, pelo Governador Manuel Abrantes Amaral, da Rádio Barlavento, no dia 30 de Junho de 1955. A emissora, no entanto, já vinha transmitindo em regime experimental, tendo emitido pela primeira vez o seu sinal no dia 13 de Maio do mesmo ano. Trata-se da realização de um sonho acalentado pelos sócios do Grémio Recreativo do Mindelo, cujo desejo principal era o de serem úteis aos seus concidadãos, colocando para isso o radiodifusor ao serviço de “Portugal de Cabo Verde”.

Os promotores da iniciativa, liderados por Aníbal Lopes da Silva, acreditavam que a ilha de S. Vicente, com o seu Porto Grande, escala obrigatória entre a Europa, América do Sul e África, atravessando uma dinâmica comercial a todos os títulos invejável, sendo o centro mais importante do Arquipélago, oferecia todas as condições para uma estação de radiodifusão que tivesse a missão de fazer a propaganda de Cabo Verde e do seu Porto Grande e, ao mesmo tempo distrair, instruindo a população das ilhas.

Com base na promessa feita pelo Governador, Tenente Coronel Alves Roçadas, em apoiar a iniciativa que representava mais um passo no desenvolvimento de Cabo Verde, os cento e quarenta sócios do Grémio disponibilizaram 130 contos de uma subscrição aberta entre eles, e prometeram colaborar gratuitamente na organização, montagem e funcionamento da emissora. Assim, através de um empréstimo de 200 contos, valor que seria descontado num subsídio que, por ordem do Governador, a S.A.G.A concedeu, encomendou-se à PHILIPS portuguesa - que prometeu facilidades de pagamento – um emissor de 1KW e a aparelhagem necessária para o funcionamento da estação.  

Conforme escreve o Dr. Aníbal Lopes da Silva, na edição especial dedicada a Cabo Verde (nº 80) da Revista Portuguesa “ de todas as ilhas e de indivíduos de todas as categorias sociais, da Guiné, de Dakar, da Metrópole e do Brasil, vinham palavras de incitamento e de apoio material. As câmaras municipais atenderam os pedidos que lhes foram dirigidos, inscrevendo subsídios aos seus orçamentos. A Câmara de S. Vicente, além de um generoso subsídio anual, forneceu gratuitamente energia eléctrica indispensável, e assim, embora fosse impossível diminuir excessivamente a dívida, a Rádio Barlavento conseguiu manter-se à espera de melhores dias que, finalmente, chegaram com a concessão por parte do Governo de um subsídio anual de 75 contos, que sua Excelência o ministro do Ultramar, Dr. Raul Ventura, por informação de sua Excelência, o Governador, mandou inscrever no orçamento da província” (Maio, 1957).

Registada sob a sigla CF4AC, a estação emitia em ondas curtas, inicialmente na banda dos 50,2, passando depois, para os 75 metros, das 18:30 às 19:30, tendo aumentado gradualmente o período de emissão até atingir as seis horas diárias.

O Notícias de Cabo Verde dá conta, na sua edição do dia 21 de Agosto de 1954, que a direcção do Grémio Recreativo Mindelo, na altura presidida pelo médico José Duarte Fonseca, reuniu na sua sede várias personalidades para apresentar a aparelhagem que acabara de receber para os seus serviços de radiodifusão. De acordo com Rolando Martins (2005), trata-se do mais potente emissor de Cabo Verde e que, de facto, cobria todo o país. Mais tarde a Rádio Barlavento passa também a emitir, simultaneamente, em frequência modulada.

O jornalista Fonseca Soares (2007) conta que apesar da estrutura amadora, a Rádio Barlavento era, em 1971, ano em que foi admitido como ajudante de estúdio, bastante bem organizada a ponto de ter concebido testes específicos para triagem de candidatos a estágios de radialistas, nomeadamente para discotecário, ajudante de estúdio (operador de som) e locutor (apresentador).

Para a escolha de um locutor, “além de habilitações literárias, era necessário passar por um teste de leitura e gravação de ‘papéis utilizados’ nos jornais da estação, com um colectivo de júri (reconhecidos homens da literatura) a aquilatar do mínimo de condições para se ser aceite em estágio. Notava-se desde logo, que havia um perfil bem definido para radialista crioulo que começava pelo timbre da voz, acabando na dicção e um certo nível de cultura geral. Preocupações que, na sua opinião, atestam o profissionalismo, a organização, a seriedade da estação emissora, considerada, no entanto, amadora, com gente a trabalhar em regime de ‘part-time’.

Se na Rádio Clube do Mindelo o aspecto de produção que mais se destacava era a animação de antena, onde a música se cruzava com a leitura de algumas notícias, na Rádio Barlavento, cujos responsáveis alimentavam o sonho de a transformar numa estação emissora de dimensão verdadeiramente nacional, a preocupação com a informação era visível.

Os colaboradores da rádio, alguns dos quais estudantes do liceu, que tinham passado pela RCM, puderam contar com a experiência do professor Rolando Martins para os orientar no ofício de jornalismo. É o caso de António Pedro Rocha (2009) que deu na RB os seus primeiros passos como jornalista profissional. “Escutávamos várias estações emissoras internacionais, porque na altura nem sequer agências internacionais tínhamos em Cabo Verde, a BBC, a Voz da América, a RFI, em várias línguas e nós, eu o Neney, mais o velho Chico escuta, gravávamos todas essas emissões, que eram diárias e íamos fazendo a tradução, muitas vezes num mau português e eu o Rolando Martins dávamos corpo à notícia e fazíamos o jornal a partir daí…”

Apesar do controlo bastante apertado que o Estado Novo mantinha sobre as emissoras das províncias ultramarinas, sobretudo depois da instalação da PIDE-DGS em Cabo Verde, na década de 60, a informação passou a ser uma componente não desprezível da programação da Rádio Barlavento. O noticiário, explica Rolando Martins, era constituído por várias secções: o local, o da província, o da metrópole, o do ultramar e o noticiário do estrangeiro. “O noticiário da província era enviado pelo Centro de Informação e Turismo, na Praia, em forma de telegrama. Já vinha composto. Os outros noticiários eram transmitidos por morse pela Press Lusitânia, uma agência de notícias ligada ao Governo português, ao Estado Novo, e as notícias eram transmitidas já feitas. Portanto, não se podia mexer nelas.

Os colaboradores da RB limitavam-se a transformar a linguagem telegráfica em linguagem corrente, colocando as pontuações, os quês, os dês, quando havia falha, tentando descortinar, sempre com imenso cuidado, qual a palavra que faltava, para não deturpar a mensagem. Ou seja, “as coisas vinham de tal maneira controladas que não havia meio de se pensar em fazer qualquer coisa que fosse contra a ordem do Estado Novo” (RM, 2005).

A secção “local” era a que permitia alguma margem de liberdade aos fazedores de informação, mas, ainda assim, bastante escassa e sem motivos de interesse, uma vez que as peças recaíam sobre fait divers, nomeadamente as iniciativas sociais, ou as actividades triviais do Governador e da sua comitiva. Os acontecimentos eram na maior parte das vezes reportados pelos próprios sócios do Grémio, sobretudo os mais jovens que, ao terem conhecimento de um evento, redigiam a notícia e levavam-na para a rádio. Um dos mais assíduos colaboradores do “noticiário local” era Jorge Pedro Barbosa, filho do poeta Jorge Barbosa. Quanto aos demais programas, lembra Martins, eram todos enviados para a censura no dia seguinte.

No primeiro ano de funcionamento, a estação emissora CF4AC apresentava uma programação assente na variedade dos conteúdos. Com apenas uma hora e meia de emissão, o alinhamento era o seguinte: abertura com a Orquestra de Luís Rovira, valsas, noticiário, trechos de óperas, encerramento. Durante a semana, a estrutura mantinha-se igual, apenas mudando a designação dos programas.

Como lembra Nogueira (65: 2007), As primeiras gravações musicais realizadas no arquipélago e que vieram a ser editadas em disco foram aí realizadas. Mité Costa, a cantar mornas de Jotamonte acompanhada por um grupo dirigido por ele próprio, foi a primeira da serie de 45 rpm intitulada “Mornas de Cabo Verde”, editada pela Casa do Leão. Seguiu-se, entre outros, Amândio Cabral, com o disco em que grava, não em seu nome, a hoje célebre sodade, cuja autoria veio a registar anos depois.

Foi também a partir dos estúdios da Rádio Barlavento que Sergio Frusoni e Nhô Djunga divertiram os mindelenses com o humor acutilante das suas crónicas que, à hora certa, atraíam muita gente para ouvi-las pelos altifalantes colocados no exterior do prédio
Foi igualmente na Rádio Barlavento, quando completava um ano de existência, em Junho de 1956, que Baltazar Lopes da Silva leu, em duas sessões, a sua palestra indignada sobre o que sociólogo Gilberto Freire escrevera sobre Cabo Verde. E também um texto emocionado sobre a importância da obra de B. Leza, no dia da morte deste compositor, em 1958.

A Rádio Barlavento viria a ser tomada, a 9 de Dezembro de 1974, supostamente pelo “povo” de S. Vicente, instrumentalizado pelos dirigentes do PAIGC, como parte de uma estratégia de consciencialização para a causa da independência. Esta iniciativa viria a marcar, para o bem e para o mal, os caminhos a radiodifusão no país, que acabara de tomar o seu destino nas suas próprias mãos. A Rádio Nacional de Cabo Verde, que nasce em 1985, mercê da junção em cadeia da Rádio Clube de Cabo Verde, que passou a deter o estatuto de emissora oficial; da Rádio Voz de S. Vicente, substituta da Rádio Barlavento, e da Retransmissora do Sal, representa o corolário de todas as evoluções históricas que marcaram o panorama radiofónico cabo-verdiano.

Carlos Santos

P.S. Excerto de um artigo científico que integra o primeiro livro sobre as ciências da Comunicação em Cabo Verde, edição MEDIACOM, 2013



terça-feira, julho 28, 2015

A Socialização do Nada

Há muito que virou moda neste país a realização das longas e fastidiosas jornadas de socialização. Através dos famosos workshops, seminários ou fóruns, socializam-se ideias, planos estratégicos, de acção, estudos de variada índole e objecto, reformas que não saem do papel, e resultados, esses, muito raros, diga-se. Na maior parte das vezes esses encontros têm subjacente uma elaborada estratégia de marketing que visa mais o efeito mediático do que propriamente a promoção de uma reflexão aturada e proveitosa sobre os assuntos supostamente de interesse público. O pior é que na ausência de uma agenda própria, os órgãos de comunicação social dão imenso destaque a essas xintadas. Depois é vê-los espelhados nos jornais e nos alinhamentos das rádios e televisões, acentuando a ideia de um país pachorrentamente sentado.

Já vi de tudo um pouco, mas até agora não tinha calhado estar numa socialização em que aos participantes é vedado o acesso ao documento objecto de análise. Pois bem, na passada sexta-feira fomos todos, nós os funcionários da RTC e da Inforpress, convidados para uma sessão de apresentação do projecto de Decreto-lei para a fusão dessas duas empresas. Para o nosso espanto, não havia documento nenhum, apenas alguns tópicos projectados em data show. Não, não se tratou de um descuido por parte da organização do evento. Se dúvidas houvesse, o ministro Démis Almeida tratou de as dissipar ao dizer que o projecto de diploma é de consulta reservada, porquanto ainda não foi discutido nem aprovado no conselho de Ministros. O governante lá nos explicou por que não o pode fazer, sob pena de incorrer num deslize ético, pois está vinculado ao sagrado dever de sigilo. Mas, acrescentou muito candidamente, que quando a lei for aprovada e, logo, promulgada e publicada no B.O., qualquer um pode, querendo, propor alterações, pois a lei não é imutável. Ou seja, depois do facto consumado, chorem à vontade sobre a asneira derramada! 

Descontando esse elemento processual, preocupa-nos a pressa com que o Governo quer consumar a fusão entre a agência de notícias e a rádio televisão cabo-verdiana. O diploma, segundo nos foi dito, será aprovado já no final deste mês pelo conselho de ministros, e em Outubro será escolhido um conselho de administração ad hoc que irá criar as condições para que a E.C.C.I, S.A, (que mau gosto!) entre em funcionamento antes do final deste ano.

Por ter, em artigo de jornal intitulado “Um Tremendo Disparate” publicado no ano passado, expressado o meu entendimento sobre o arranjo do Governo supostamente para reorganizar o sector público de comunicação social, prescindo, por ora, de aduzir qualquer outro comentário sobre o assunto. Prometo contudo, logo que tiver acesso ao documento, continuar a dar a minha contribuição para o debate deste dossiê complexo, se até lá, claro, não tiver sido aprovado pelo Governo. A continuar neste secretismo, está-se a proceder exactamente da mesma forma quando se criou a RTC, em 1997. Uma decisão política concretizada à margem e à revelia dos trabalhadores das então RNCV e TNCV. Dezoito anos depois desse casamento forçado, os resultados estão, absolutamente, aquém das expectativas traçadas pelo segundo Governo do MPD e também dos cabo-verdianos.

Ora, uma reforma como a que se apregoa e que deverá mexer, em princípio, com a orgânica, o funcionamento, a imagem de marca da RTC (que irá desaparecer) e com a própria identidade dos órgãos - no caso da agência noticiosa é tão certo ser engolida pelo parceiro mais forte da coligação -, não pode ser feita assim, a toque-de-caixa. Tratando-se de um processo complexo e bastante abrangente, ou não estivéssemos a falar do maior grupo de comunicação social do país, que emprega para cima de 350 trabalhadores, as soluções que vierem a ser adoptadas com vista a fusão das duas empresas, devem ser convenientemente ponderadas e debatidas, não apenas com trabalhadores da RTC e da Inforpress, mas também com os cidadãos, os principais financiadores do serviço público de rádio, televisão e de agência.

Ainda que se diga que não haverá despedimentos, convenhamos que mexidas de tamanho alcance e profundidade irão, com certeza, criar instabilidade e insegurança laborais de tal monta que terão reflexos negativos no desempenho dos jornalistas. É de todo incompreensível que o governo tenha mergulhado numa letargia confrangedora nos últimos quinze anos, em matéria de políticas públicas, visão estratégica e medidas que pudessem levar a uma melhoria do serviço prestado pela rádio, televisão e agência, e num rompante, a escassos meses das eleições, queira dar a ideia de que está a fazer alguma coisa neste sector. Embora este não seja ainda um governo de gestão, é evidente que levar avante uma restruturação do sector público mediático, quando a pré-campanha eleitoral já anda solta pela estrada fora, só pode ser entendido como uma manobra claramente para pressionar, condicionar e amaciar os jornalistas. É inevitável pensar nos estragos que a espada de Dâmocles pode causar de um momento para o outro.

A única vantagem imediata que até aqui conseguia vislumbrar no projecto de fusão da RTC e da Inforpress era a possibilidade de os jornalistas da agência, que ganham muito menos que os colegas da RTC, puderem ver os seus salários alinhados com os da rádio e televisão. De resto, essa era a única razão por que entendia a apatia, para não dizer conformismo ou indiferença, dos trabalhadores da Inforpress face à decisão do executivo de incorporar a agência na RTC, sabendo eles que a agência irá perder, a breve trecho, a sua identidade, acabando, inexoravelmente, por sucumbir. A propósito, em 2006, a ministra Sara Lopes, referindo-se ao estado de agonia em que se encontrava a Inforpress, sentenciou que o jornal Horizonte tinha comido a agência. Que dizer agora do futuro casamento com a maior empresa de comunicação deste país? As vantagens, que nem mesmo o governo tem sabido expor, não são de molde a autorizar o projecto de fusão. 

Desengane-se, pois, quem já contava com uns trocados a mais na sua conta. É que a equiparação salarial não se fará no imediato, mas sim às pinguinhas e durante dois anos. Dito de outro modo, teremos na mesma empresa trabalhadores de primeira e de segunda. É que, segundo explicou o ministro, um salto desses, de uma assentada, representaria um encargo de quase 7 mil contos anuais no orçamento da E.C.C.I, SA, o que criaria algum embaraço à administração da futura empresa.


Já deu para perceber que o Governo arranjou todo esse abalo, mas não vai meter nenhum tostão furado nessa operação, antes pelo contrário. Estamos a falar de duas empresas, a RTC e a Inforpress, cuja situação financeira inspira cuidados de maior, atoladas em dívidas que já superaram de longe o capital social, e que não estão, sozinhas, em condições de investir na modernização tecnológica, na melhoria da qualificação dos seus profissionais e na qualidade do serviço que prestam cabo-verdianos. Pergunta-se: a quem interessa essa fusão? Estamos perante mais um acto de ilusionismo, de faz-de-conta, e de chutar para a frente, claramente. 

sexta-feira, março 21, 2014

Um tremendo disparate

O Governo parece determinado em juntar, numa única empresa, os órgãos públicos de comunicação social. Um primeiro passo para a concretização desse projecto foi dado esta semana com a nomeação de um gestor único para a Agência Cabo-Verdiana de Notícias, cuja carta de missão, se existe, não é do domínio público. E isto é o mínimo que se pode exigir, pois estamos a falar da gestão de um órgão que presta um serviço público de informação aos cabo-verdianos. De resto, um bem essencial a qualquer sistema democrático.

O executivo escora a sua opção pela figura do gestor executivo único na lei nº 47/VII/2009, de 7 de Dezembro, que estabelece o regime do sector empresarial do Estado, e nos artigos 15º e 16º da Resolução nº 26/2010, de 31 de Maio, que aprova os princípios do bom governo das empresas do sector empresarial do Estado. Entretanto, convém recordar que por Decreto Regulamentar nº 4 de 24 de Abril de 2000, o Governo adaptou os estatutos da Inforpress E.P. às Novas Bases Gerais das Empresas Públicas. A agência transformou-se em sociedade anónima (de capitais públicos), passando a gestão a ser exercida por um Conselho de Administração. Por conseguinte, “a intervenção do Governo na empresa deixa de se fazer pela via tutelar, passando a sê-lo através de uma Assembleia Geral e de um Conselho Fiscal” (Correia, 2011).

Talvez por ser leigo – mas não estulto – em matéria jurídica, ainda não consegui perceber como é que um gestor pode, sozinho, exercer as competências de um conselho de administração, um órgão colegial, que, no caso da agência, era até aqui composto por três pessoas. Embora o Governo não o admita, estamos a assistir ao regresso dos directores gerais nas empresas públicas de comunicação social. Ou seja, para perpetuar a governamentalização da gestão das empresas públicas de comunicação social, o executivo é capaz de desencantar leis feitas à medida. Já agora, se é possível gerir a agência com apenas uma pessoa, o Governo está a admitir que andou estes anos todos a desbaratar, de forma consciente, o dinheiro dos contribuintes com pelo menos três administradores. É caso para perguntar, porque não estender esse modelo de gestão a solo também à RTC? Sempre se poupavam umas centenas de contos.

Adiante. Ao contrário do que se possa pensar, a ideia da criação de uma holding não é de hoje. Em entrevista à TCV, em Maio do ano passado, o ministro da tutela, perguntado se havia algum projecto para a fusão da RTC e da Inforpress, afirmou que caso os estudos de que dispunha o governo apontassem nessa direcção, o projecto avançaria, sempre no intuito de racionalizar os recursos; de fortalecer os órgãos de comunicação social; de garantir uma maior fluidez de informação e de garantir um maior acesso dos cidadãos à informação. Portanto, sempre há estudos, só que estão nalgum sítio esconso do palácio da Várzea.

Tirando as frases feitas, o que se conclui é que o próprio governo não sabe ao certo quais vão ser, na prática, os ganhos resultantes dessa fusão. Seria oportuno explicar aos cabo-verdianos (que são quem no fundo suporta os custos de funcionamento do serviço público) quais as sinergias que irão resultar desse casamento forçado. Ouve-se dizer, por exemplo, que assim, pelo menos, quando um jornalista da agência sai em reportagem pode ir à boleia com os colegas da RTC. Só o desconhecimento da história, organização e funcionamento de uma agência permite semelhante disparate.

As transformações políticas e económicas, aliadas aos avanços tecnológicos, que marcaram o início do séc. XIX, onde se despontam a revolução industrial; o fim do absolutismo, e o consequente abrandamento da censura; a invenção e a instalação de grandes malhas internacionais de telecomunicações e de transporte (telégrafo e a ferrovia); a procura de informação transcontinental devido a integração das nações emancipadas das américas na economia mundial, são alguns dos factores que explicam o surgimento das agências noticiosas.

Elas são definidas pela UNESCO (1953) como sendo “empresas que têm como objectivo procurar notícias, de uma forma geral documentos de actualidade, tendo exclusivamente por motivo a expressão ou a apresentação de factos e a sua distribuição a um conjunto de empresas de informação, a particulares, com o fim de, mediante pagamento em prazos fixos e de acordo com as leis e costumes comerciais, lhes assegurar um serviço de informação completo, imparcial quanto possível”. E assim tem sido desde que Charles-Louis Havas (1835) teve a brilhante ideia de transformar o seu escritório de tradução numa agência que passou a dedicar-se à procura de informações (cotações de mercadorias e matérias-primas, previsões de colheitas, questões tributárias, questões políticas, etc.), normalmente na imprensa estrangeira, que eram depois traduzidas e vendidas aos jornais franceses. 

As agências assentam a sua missão em princípios como a independência, a objectividade, a actualidade e a credibilidade, só para citar estes, o que pressupõe uma maior esfera de autonomia. A sua acção é caracterizada pela rapidez na recolha e na elaboração dos conteúdos. Elas estão onde não estão os outros media, quer por limitações financeiras (nem todos os órgãos podem dar-se ao luxo de ter correspondentes e enviados especiais em todos os concelhos, em todas as ilhas do país, e muito menos no estrangeiro), quer devido a estratégias de cobertura informativa. Portanto, devem estar sempre um passo à frente na procura da informação em relação aos outros meios de comunicação social.

Juntar a Inforpress e a RTC numa única empresa (mesmo que só a nível da gestão) é ignorar as especificidades desses dois meios, metendo no mesmo saco o fornecedor e o cliente. Para já, uma das consequências dessa asneira será, a breve trecho, a diluição da confiança no serviço prestado pela agência, contribuindo para o seu desaparecimento. Vejamos um caso prático: neste momento colaboram com a RTC, mediante remuneração, dois jornalistas da Inforpress. Têm por obrigação contratual, mas também ética, disponibilizar em primeira mão à agência as informações recolhidas, e só depois enviá-las à RCV. De outro modo, ninguém iria comprar uma notícia que já passou na Rádio Nacional. Quando as duas empresas forem uma só, como é que será?

No final do ano passado, eu e uma colega jornalista da agência fomos a Bruxelas acompanhar a visita do chefe do Governo. Desdobrei-me no envio de peças para a RCV e para TCV; ela enviou os seus despachos para a Inforpress, o que permitiu que fossem retomados por todos os outros meios de comunicação social que, como é evidente, não puderam deslocar-se à Bélgica. Com a fusão, mantém-se o mesmo esquema de cobertura internacional ou vai só um jornalista dessa holding? E nesse caso, o repórter fará cobertura para os demais órgãos, numa espécie de pool jornalística? São questões práticas que vale a pena equacionar.

Importa lembrar que os argumentos para a criação da RTC em 1997, processo que resultou da fusão da RNCV e TNCV, foram praticamente os mesmos que estão agora a ser propalados. “A empresa foi criada para funcionar como uma estrutura de custo de funcionamento que lhe permitisse folga para apostar no investimento, designadamente nas suas infra-estruturas e nos equipamentos. Muitas das promessas no acto da criação da RTC não foram cumpridas…” (Reis, 2007). O projecto visava, sobretudo, explorar as complementaridades e sinergias entre a rádio e a televisão públicas, um objectivo que está muito longe de ser alcançado, pelo menos em níveis minimamente satisfatórios.
 
O Governo socorre-se do plano estratégico da comunicação social para justificar a sua decisão, pelos vistos irreversível, de juntar a RTC e a Inforpress. Com efeito a constituição de uma holding é uma das soluções propostas pelo estudo. O consultor recomenda, no entanto, a realização de estudos conducentes à criação dessa entidade que englobará todo o sector empresarial do estado, permitindo a rentabilização dos recursos e as sinergias necessárias em termos de funcionamento e de gestão. No essencial, o plano de acção identifica necessidades prementes de investimentos ao nível da modernização tecnológica e da qualificação dos recursos humanos, para que a agência possa prestar um serviço público de qualidade aos seus clientes.
Mas mais: pede que se reavalie o peso do Estado no funcionamento da agência e que se pondere um modelo de privatização da mesma. Ainda ninguém conhece os estudos que o governo diz possuir e que, ao que parece, advogam a constituição de uma empresa única. De todo o modo, o próprio estudo elaborado pelo Dr. Rui Barreiro pede que se analisem, através do benchmarking, modelos de funcionamento, de negócio e de governação de agências congéneres de referência como a Lusa, a AFP, a Reuters e as dos países africanos que possam servir de exemplo a Cabo Verde. Não acredito que este trabalho tenha já sido feito.

Um outro aspecto importante que tem sido propositadamente sonegado na discussão (ou melhor na imposição) desta reestruturação prende-se com o modelo de financiamento da Agência Cabo-Verdiana de Notícias. O plano estratégico da comunicação social é taxativo neste particular ao dizer que “é urgente definir um contrato de objectivo e de meios com o Estado, como é feito noutros países, no sentido de dotar a Inforpress dos recursos financeiros necessários ao seu desenvolvimento. Desde que não seja um contrato de concessão como o que foi assinado entre o Governo e a RTC… uma verdadeira operação de soma nula.


segunda-feira, março 10, 2014

A morte anunciada da ARC

Ainda não consegui perceber muito bem por que razão a presidente da AJOC se mostra tão surpreendida pelo facto de os jornalistas terem sido ignorados na composição da Autoridade Reguladora para a Comunicação Social. Quem acompanhou com alguma atenção o processo de criação da ARC ter-se-á apercebido que desde o início da constituição dessa entidade, a intenção dos dois maiores partidos políticos foi a de impedir que os jornalistas tivessem uma palavra a dizer no seio do órgão que, em princípio, vai regular a actividade desenvolvida pelos media nacionais. Em abono da verdade, importa ressalvar que a proposta de lei inicialmente submetida ao parlamento pelo Governo destinava dois assentos aos jornalistas, para cuja eleição deveriam sujeitar-se à logica político-partidária (ainda que num quadro parlamentar) que tem marcado a escolha dos membros.

Pelo que retive do calor dos debates, essa ideia de ter os regulados dentro do regulador nunca foi do agrado do maior partido da oposição. No entanto, para o MPD era impensável que do rol de competências da futura Autoridade Reguladora não constasse a de emitir, suspender e revogar licenças de emissão às operadoras de rádio e televisão. Lembro-me de ter ouvido a deputada Eva Marques, na declaração de voto, afirmar que o seu partido tinha votado formalmente o diploma porque reconhecia a importância de uma entidade reguladora independente para o sector da comunicação social, mas que, ainda assim, o partido iria levar uma série de propostas para a comissão especializada para eventuais entendimentos com o partido que sustenta o Governo, o que poderia ditar a votação final.

Desconheço os meandros das negociações havidas nessa tal reunião da comissão especializada, mas julgo que o que terá acontecido foi, basicamente, um conluio entre os dois partidos. Explico-me: o PAICV, que suporta o governo, deixou cair a obrigatoriedade da presença de jornalistas no órgão regulador; o MPD, por seu turno, abdicou da exigência de se dotar o conselho regulador de competências para o licenciamento dos canais de rádio e televisão. Um recuo que, está visto, enfraquece a entidade reguladora, uma vez que esse poder, usado, por vezes, de forma discricionária, ficou nas mãos do Governo, através da Direcção Geral da Comunicação Social. Neste momento o que se assiste é uma manobra de transferir estas competências para a ANAC, agência que se prepara para acolher, em breve, os quadros e o fiapo de atribuições da DGCS.

Aquando do debate no parlamento, o ministro da tutela, confrontado com esta questão, respondeu muito candidamente, como se isto fosse uma coisa de somenos, que de entre os múltiplos modelos de regulação da comunicação social existentes por este mundo fora, Cabo Verde adoptou um. Ora, não é preciso ser jurista para ver que o estatuto da nossa ARC é uma cópia à letra do estatuto da ERC portuguesa. Faço, contudo, notar que desse meticuloso labor jurídico, foram ignoradas duas normas que são o fulcro de toda e qualquer acção regulatória neste campo. Atentemo-nos ao que diz a lei da Entidade Reguladora para a Comunicação Social no concernente às competências do conselho regulador: Atribuir os títulos habilitadores do exercício da actividade de rádio e de televisão e decidir, fundamentadamente, sobre os pedidos de alteração dos projectos aprovados, os pedidos de renovação daqueles títulos ou, sendo o caso, sobre a necessidade de realização de novo concurso público (art.º 24, e)”. As competências da ERC saem ainda mais reforçadas, pois os estatutos permitem-lhe “aplicar normas sancionatórias previstas na legislação sectorial específica, designadamente a suspensão ou revogação dos títulos habilitadores do exercício da actividade de rádio ou televisão…” A nossa ARC viu-se amputada, cirurgicamente, do importante poder de atribuir licenças aos operadores de rádio e televisão, tendo-lhe sido apenas permitido “pronunciar-se previamente sobre o objecto e as condições dos concursos públicos para a atribuição de títulos habilitadores do exercício de actividade de rádio e de televisão”.

É inacreditável que o Governo não tenha tirado as devidas ilações da confusão criada em 2007 aquando da abertura do mercado televisivo a operadores privados. As críticas sobre a forma pouco transparente como decorreu o concurso fazem-se sentir até hoje, legitimadas, aliás, pela prestação sofrível dos novos canais televisivos. Mas mais, basta analisar as competências dos principais reguladores dos media por este mundo fora, nomeadamente, a Federal Communications Comission (FCC), dos EUA, o Conseil Superieur de l’Audiovisuel (CSA), da França, a Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni, da Itália, o Office of Commucations (OFCOM), da Inglaterra, e a ERC, de Portugal, para se constatar que todos são responsáveis pelo licenciamento da actividade das estações de rádio e televisão. Só o desejo de controlar os media, justifica essa estratégia de viés centralizador.

Voltemos à ausência dos jornalistas no órgão regulador da comunicação social. Sabe-se que a AJOC indicou aos deputados encarregues das negociações com vista à composição da Autoridade Reguladora alguns jornalistas que, na óptica da direcção do sindicato, detêm o perfil adequado para integrar a ARC. A lista foi, por e simplesmente, ignorada. Ora, se é certo que a lei que acabou por ser aprovada no Parlamento não se refere explicitamente à participação de jornalistas na composição do órgão, também não é menos verídico que não existe qualquer interdição à presença dos profissionais da comunicação social. Dizem então os estatutos: “o conselho regulador é composto por cinco personalidades eleitos pela Assembleia Nacional de entre pessoas com reconhecida idoneidade, independência e competência técnica e profissional, com mais de cinco anos de experiência…” (art.º 14, nº1). Não me digam os srs. políticos que não há neste país nenhum jornalista que preencha esses requisitos! Há de haver outra razão indizível que os leva a esconjurar a participação de jornalistas no exercício da regulação. Um dos argumentos é o infundado receio de o regulador ser capturado pelos regulados. Que poder (já agora, com que interesses) tem um ou dois jornalistas para inquinar ou obstaculizar a tomada de decisão dentro da Autoridade Reguladora?
 
Por princípio, não me simpatizo muito com o estabelecimento de quotas de participação de jornalistas, seja em que instância for, mormente no conselho regulador da comunicação social, quanto mais não seja por se tratar de um vasto e diversificado “mercado de ideias”, que se alarga constantemente mercê da convergência tecnológica. Não sendo os únicos actores do panorama mediático, os jornalistas jogam nele, no entanto, um papel central na promoção e defesa do direito constitucional do cidadão à informação. Eles, mais do que ninguém, conhecem por dentro a organização e as condições de produção informativa, pelo que não podem ficar de fora do modelo de hétero-regulação que se quer instituir. 

Já que é na ERC portuguesa que fomos beber, ou melhor, copiar, importa conhecer quem são os actuais membros que compõem essa entidade administrativa independente. A Dra. Raquel Alexandra foi jornalista na SIC desde a sua fundação (1992-2011) e integrou sempre a sua Editoria de Política. Passou por várias rádios e jornais. É Vogal do Conselho Regulador, desde 9 de Novembro de 2011. Portanto, quando foi convidada para integrar a ERC exercia o jornalismo. O Dr. Rui Alberto Gomes é licenciado em Comunicação Social pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1983). Possui ainda o Curso de Jornalismo de Rádio do Centro de Formação da RDP. Iniciou a sua actividade na comunicação social, em 1982, enquanto jornalista na Revista de Informática. Seguiram-se experiências na RTP (1984), Rádio Comercial (1985-87), revista Grande Reportagem (1986-87) e na Televisão e Rádio de Macau (1987-1990). Entre 1990 e 1995, integrou a TSF como repórter e editor de Política Nacional. O vice-presidente, o Dr. Alberto Arons de Carvalho, é especialista em direito de comunicação, foi deputado e Secretário de Estado da comunicação social. É autor de sete livros (três deles em co-autoria) sobre matérias relativas ao Direito e à política de comunicação social. O próprio presidente da ERC, o Dr. Carlos Magno, é licenciado em jornalismo pela Escola Superior de Jornalismo do Porto. O seu percurso no jornalismo iniciou-se na Rádio Universidade. Já na RDP, especializou-se em política, enquanto repórter. Nos anos que se seguiram, assumiu o cargo de Director-Adjunto de Informação da Antena 1, foi Editor do Expresso, no Porto, durante 10 anos, onde fundou a TSF. Esteve também na Direcção do Diário de Notícias e fundou o canal de televisão por cabo que deu origem à RTPi. Dos cinco membros que compõem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social portuguesa, apenas a deputada, Luísa Roseira, não possui, pode dizer-se, qualquer ligação directa com os media.
Pergunto: por que é que há-de ser diferente em Cabo Verde? Dizer que os jornalistas que estão não activo não podem integrar a ARC é uma falácia. Basta que o jornalista convidado deposite a sua carteira na Comissão de Carteira para desaparecerem as eventuais incompatibilidades neste sentido. Estamos com a AJOC neste combate em prol de uma Autoridade Reguladora verdadeiramente independente e autónoma, que não seja capturada pelos interesses partidários.


segunda-feira, junho 03, 2013

O DIA DA RÁDIO


Desde que me apaixonei pelo primeiro e o mais mágico dos meios electrónicos, oiço falar da importância de se fixar o dia da rádio cabo-verdiana. Não para se fazer simplesmente o panegírico do passado ou para repetir os rituais de homenagem a figuras respeitáveis, mas de que ninguém se lembra no dia seguinte. 
Pelo contributo da rádio no reforço da coesão nacional e na sedimentação dos traços constitutivos da nossa identidade cultural, ao levar informação, formação e entretenimento aos cabo-verdianos residentes e na diáspora, julgo ser pertinente parar (sem que a telefonia se cale), avaliar o percurso empreendido e perscrutar os desafios que se colocam ao meio, hoje confrontado com as incertezas da era digital.  

Apesar de a rádio ter revolucionado o modelo de comunicação de massas, continua a ser, em comparação com os demais media, o “patinho feio”. O facto de ela não exigir, ao contrário da televisão, uma parafernália de meios técnicos de produção e de recursos humanos, faz com que seja privada dos indispensáveis meios, nomeadamente, financeiros, de molde a poder desempenhar com a necessária qualidade a sua missão. 

Em Cabo Verde, à semelhança do que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa, a rádio nasceu por iniciativa privada, graças à paixão e ao entusiasmo de alguns “carolas”. Não obstante a censura e o controlo apertado a que estavam submetidas por parte das autoridades coloniais, as emissoras fundadas neste arquipélago, a partir de 1945, esforçavam-se no sentido de projectar a voz de Cabo Verde, não só com agrado, mas com o respeito que merecia.

A rádio destacou-se igualmente como um instrumento de comunicação imprescindível ao serviço das autoridades coloniais. Por exemplo, aquando dos graves problemas sociais decorrentes de mais um ano de seca (1947), o Governador pôde contar com o auxílio da Rádio Clube de Cabo Verde que facilitou, sobremaneira, os trabalhos de distribuição das verbas para socorrer a população, permitindo que os administradores dos vários concelhos recebessem instruções para aplicação de fundos, no preciso momento em que deviam actuar, para melhor se acudir aos necessitados. Aliás, o papel desempenhado pela RCCV, ligando entre si todas as ilhas com as suas emissões e fazendo-as viver mais próximas umas das outras para melhor se ajudarem a enfrentar a diversidade, foi compreendido e reconhecido pelo Governo e pelas Câmaras Municipais que estabeleceram um subsídio para o funcionamento corrente da emissora.  

A rádio foi (e ainda é) um salutar laço de união e ponto de contacto dos cabo-verdianos, sobretudo das comunidades emigradas nas sete partidas do mundo, com estas ilhas do Atlântico. Através de cartas, muitos ouvintes expressam a sua alegria ao escutar a voz destes dez grãozinhos de terra. Veja-se, à laia de exemplo, o que escreve, de Luanda, a 10 de Março de 1947, o ouvinte António Lisboa de Figueiredo Araújo: “Já há muito me vinha o desejo de escutar a única emissora da terra da minha naturalidade. Ontem, andando a “vaguear” na banda dos 50 metros, tive a lembrança de procurar o Rádio Clube de Cabo Verde. Feliz lembrança essa, porque, se bem que com um pouco de dificuldade, consegui o meu intento.” 

Foi também através da rádio que os cabo-verdianos puderam acompanhar o desenrolar da luta armada para a independência da Guiné e de Cabo Verde. As emissões da Rádio Libertação incomodavam, sobremaneira, o governo português, que se viu obrigado a responder através da Emissora Nacional. Foi a rádio que deu a conhecer aos cabo-verdianos, em directo, a declaração de Independência Nacional, proferida no memorável dia 5 de Julho de 1975, no estádio da Várzea. Pela telefonia comunicou-se a queda do artigo 4º da Constituição, abrindo as portas à competição política. Pela rádio ecoaram os cânticos da liberdade e da democracia que atingiram o clímax a 13 de Janeiro de 1991, com a conquista do poder pelo MPD. O regresso do PAICV, depois de dez anos de aprendizagem na oposição, passou pela rádio. Enfim, os grandes momentos da vida deste país, sejam eles, políticos, culturais, sociais ou económicos, passam sempre, quando não em primeira mão, pela rádio.

Até aqui têm sido apontadas duas datas que mais se prestam ao propósito de assinalar o dia da rádio em Cabo Verde. Uma é o 9 de Dezembro, dia que assinala, nos idos de 1974, a tomada da Rádio Barlavento. A outra, 1 de Julho de 1985, marca o início das emissões em cadeia da Rádio Nacional de Cabo Verde. Não obstante reconhecer que o assalto à RB constitui um marco incontornável na história da radiodifusão neste arquipélago, porquanto possibilitou o reforço das acções de sensibilização dos cabo-verdianos para o imperativo da independência nacional, julgo que a carga ideológico-partidária de que se reveste esse momento desaconselha a sua escolha. Igualmente, optar pelo início das emissões da RNCV, parece-me extremamente redutor do que tem sido o percurso e o contributo da rádio por estas bandas, para além de restringir “o dia da rádio” ao momento da criação efectiva da emissora nacional.

Na impossibilidade de se identificar o dia em que foi realizada a primeira emissão radiofónica produzida e emitida a partir destas ilhas, tarefa que não se afigura fácil, tomo a liberdade de propor o dia 5 de Maio como o dia da comemoração simbólica da rádio. Faço-o porque foi nesse dia, nos antanhos de 1945, que foram publicados no Boletim Oficial, nº18, os estatutos (e o Alvará 2/945) da Rádio Clube de Cabo Verde. Embora a estação emitisse desde finais de 44, a título experimental com designação de “Rádio Praia”, a criação RCCV representa o corolário de um movimento impulsionador que originaria, mais tarde, o surgimento da Rádio Clube do Mindelo e depois da Rádio Barlavento, um departamento do Grémio Recreativo Mindelo.

Em abono da minha singela sugestão, acrescento outros elementos de natureza histórica. Em carta enviada ao Governador da Colónia de Cabo Verde, no dia 7 de Maio de 1946, alguns cidadãos residentes na cidade do Mindelo, de entre os quais se destacam os nomes de José Diogo Luiz Terry, Cândido A. da Cunha, Henrique de Albuquerque e José Pedro Afonso, como organizadores do “Rádio Clube do Mindelo”, requerem a aprovação dos estatutos e pedem que lhes seja passado o alvará. Pois bem, embora o Alvará (nº1/946) e os estatutos tenham sido publicados no Boletim Oficial nº 37 de 6 Setembro de 1946, a RCM já vinha emitindo meses antes, ao abrigo de um despacho do Ministro das Colónias que concede, a título provisório, autorização para funcionamento do emissor da Rádio Clube do Mindelo.
Quanto à Rádio Barlavento, inauguarada oficialmente no dia 30 de Junho de 1955 pelo Governador Manuel Abrantes Amaral, já vinha transmitindo em regime experimental, tendo emitido pela primeira vez o seu sinal no dia 13 de Maio do mesmo ano.

Pelo que fica exposto, Maio deveria ser considerado o mês da rádio em Cabo Verde. Até porque, a data ora proposta se encaixa na semana em que se assinala, em todo o mundo, a liberdade de imprensa, de que a rádio tem sido uma acérrima defensora. De igual modo, poder-se-ia a aproveitar o momento para se reconhecer o contributo abnegado de homens e mulheres que, imbuídos de paixão e entusiasmo, lançaram para o éter os sons e as cores destas ilhas afortunadas. Cito apenas alguns: Manuel Tomaz Dias, responsável pela primeira emissão rádiofónica nestas ilhas, Telmo Bárrio Vieira, Antero Osório, Guilherme Rocheteau, Arnaldo França, Bento levy, Maria Helena Spencer, Jaime de Figueiredo, José Pedro Afonso, Aníbal Lopes da Silva, Mário Matos, Silvestre Rocha, Francisco Lopes da Silva, Evandro de Matos, Rolando Martins, e tantos outros. O repto está lançado.




segunda-feira, maio 06, 2013



Em entrevista a Cabo Verde Directo, o jornalista da RCV não se esconde por detrás de palavras de conveniência ou de redondilhas. Os critérios seguidos por organizações internacionais para avaliar a liberdade de imprensa são “abstratos e generalistas” 



Cabo Verde Directo - Vários relatórios internacionais têm sido muito lisonjeiros com Cabo Verde em matéria da liberdade de imprensa, mas fica a ideia de que não passam de generalidades e são até discutíveis os critérios de avaliação. Há mesmo liberdade de imprensa em Cabo Verde?

Carlos Santos - Do ponto de vista formal, da legislação, não duvido de que existe todo um ambiente que propicia o usufruto da liberdade de imprensa no nosso país. No entanto, não se pode, de forma lapidar, afirmar que ela é um dado adquirido na paisagem mediática cabo-verdiana, uma vez que não temos instrumentos internos que nos permitam aferir nas redacções os ganhos, os limites e os desafios que se colocam ao exercício de informar. É preciso que tracemos o nosso próprio diagnóstico, que pode passar por um inquérito ou um relatório da situação da liberdade de imprensa, sob pena de assumirmos, de forma acrítica, a avaliação feita pela RFS ou pela Freedom House, cujos critérios de aferição, como se sabe, são abstratos e generalistas. O único estudo sério sobre esta matéria que conheço resulta da tese de doutoramento do professor universitário Silvino Lopes Évora, lançado no ano passado, onde o autor analisa com profundidade a legislação, as medidas de política para o sector, os investimentos; entrevista mais de meia centena de jornalistas, gestores dos órgãos, ex-dirigentes políticos, e conclui que existem factores críticos que condicionam a liberdade de imprensa em Cabo Verde. O resto são estatísticas.

É que, apesar de ninguém ter dito ainda expressamente que se sente “pressionado” pelos poderes fácticos instalados, tem-se a sensação de que parece haver uma espécie de “autocensura”. Ou seja, os jornalistas sabem à partida o que é “correcto” e “incorrecto” escrever e/ou dizer.

A autocensura continua a ser, diga-se o que se disser, um sério constrangimento ao normal funcionamento da comunicação social nesta sociedade em busca da consolidação da democracia. Embora não se conheça a real dimensão do problema, porque não existem inquéritos aos profissionais dos media, as rotinas nas redacções e os desabafos de alguns jornalistas, sobretudo daqueles que ainda não têm muitos anos do ofício, deixam antever que o problema é grave e não deve ser escamoteado. A causas são muitas, devem ser identificadas e, imediatamente, debeladas. A fragilidade do nosso mercado, pouco atractivo a investimentos de privados nas empresas de comunicação social; o facto de o Estado continuar a ser o grande grupo mediático, sendo proprietário de uma rádio e televisão nacionais, de uma agência noticiosa e ainda deter interesses no online; o baixo nível de formação de um bom número de jornalistas, a que se acresce a falta de especialização; a precariedade laboral, com destaque para a ausência de contratos de trabalho e salários de miséria; a não existência de mecanismos transparentes, como o mérito e competência na escolha dos jornalistas para cargos de chefia na esfera editorial, etc, são, do meu ponto de vista, alguns dos factores que ajudam a explicar o recurso à autocensura. Quanto a pressões, elas irão sempre existir, quer por parte dos poderes políticos, económicos, ou de outra natureza. O importante é o jornalista não se submeter a elas. É evidente que um jornalista com baixo nível de preparação técnica e académica ou com vínculo laboral instável, não está em condições de fazer valer as normas éticas e deontológicas da sua profissão e, muito menos, de informar “doa a quem doer”.

E há casos, por exemplo, nos canais públicos, mormente na TCV, em que determinadas figuras da política aparecem duas, três e quatro vezes no mesmo noticiário. Há alturas em que o espaço televisivo parece o Conselho de Ministros.

Caso estivesse a funcionar, a Autoridade Reguladora da Comunicação Social seria obrigada a pronunciar-se, periodicamente, sobre o pluralismo informativo nos órgãos públicos, mediante análise dos conteúdos emitidos nos noticiários e nos programas de grande informação, como de resto constitui obrigação da ARC. Infelizmente por falta de vontade política o sector mediático caiu num vazio em matéria de regulação, situação, aliás, reconhecida esta semana pelo Procurador Geral da República.

O facto de o alinhamento dos jornais estar repleto de notícias de actividades do Governo é, na minha opinião, o resultado de uma cultura jornalística que privilegia a “agenda institucional” em detrimento das preocupações, necessidades e expectativas dos cidadãos. Com isto não estou a defender que se deva banir a cobertura dos actos do governo, desde que o seu agendamento se submeta ao crivo dos critérios jornalísticos, tendo sempre em conta o interesse público, e não meras operações de propaganda. Para isso, torna-se importante que os jornalistas se organizem e comecem a participar na gestão editorial dos órgãos onde trabalham. É também imperioso que os órgãos públicos mudem o paradigma de informação - completamente desajustado das exigências de uma sociedade que se quer democrática -, que mantém ainda um registo declarativo, para uma lógica de aprofundamento das consequências que os acontecimentos terão na vida dos cabo-verdianos, dando voz às correntes de opinião mais relevantes na sociedade, ampliando assim o pluralismo.

E até há o anedótico e recente caso, em que uma ministra deste governo (Cristina Duarte) sustentou, aludindo a um relatório internacional, que os jornalistas não deveriam publicar sem autorização do governo. Isto não será um alerta laranja para a liberdade de imprensa?

Bom, provavelmente a ministra ter-se-á esquecido de que já não estamos sob o domínio asfixiante do partido único, onde os jornalistas eram militantes obedientes ao serviço do regime. Ainda bem que Cabo Verde é hoje um Estado de Direito democrático, onde a prestação de contas e a transparência na gestão da coisa pública devem (ou pelo menos deviam) nortear a actuação dos decisores e das instituições. Que se saiba esse relatório do FMI não constituía segredo de Estado. É por estas e por outras que os jornalistas cabo-verdianos começam a dar-se conta das inúmeras dificuldades no acesso às fontes e informação. Ainda tempos uma administração fechada sobre si mesma, no mais absoluto secretismo, que bastas vezes se furta ao dever de prestar informações solicitadas pelos jornalistas, sem qualquer fundamentação plausível. Uma postura que viola de forma flagrante o direito que os cidadãos têm de ser informados pela administração directa ou indirecta do Estado.  

Aliás, rumores antigos aludem a nomeações de chefias onde os critérios políticos e o amiguismo se sobrepõem às questões editoriais e ao sagrado direito público a informação sem nebulosas.

Pois, referi-me há instantes ao facto de não existir ainda uma cultura de valorização do mérito e da competência técnica na escolha das pessoas que exercem cargos de chefia na érea editorial. Julgo, e falo dos órgãos públicos, que é chegado o momento, até para se poder aumentar os níveis de competição interna, de as nomeações, muitas vezes baseadas na confiança ou no amiguismo, serem substituídas por concursos internos. Há que romper com este ciclo pernicioso, desde logo adoptando um novo modelo para a nomeação dos conselhos de administração das empresas públicas de comunicação social. Não faz sentido que num sector onde estado é de longe o maior grupo mediático, detendo mais de 80 por cento dos recursos técnicos, humanos e financeiros; onde o privado não constitui, não por sua culpa, concorrência nem alternativa aos operadores públicos; em que se confunde o aumento do número de jornais, rádios, televisões e online, com o reforço do pluralismo, dizia, não faz sentido que o governo continue a nomear sozinho os gestores dessas empresas. No caso da RTC, que, como se diz, se encontra praticamente em falência técnica, a responsabilidade deve ser assacada ao governo e às pessoas que lá colocou na gestão. É razoável esperar que um administrador escolhido e nomeado por um governo para dirigir uma empresa pública vá “brigar” com esse mesmo governo em defesa dessa empresa? É evidente que não. Mas a cadeia de fragilidades continua. O conselho, escolhido com base na confiança política, depois escolhe o director do órgão que, por sua vez, convida os chefes de programação e Informação, a serem nomeados pelo PCA. Pergunto se já não é altura de, pelo menos, as chefias de informação e de redacção serem eleitas ou escolhidas pelo colectivo de jornalistas. A seriedade e a legitimidade começam por aqui.

Salários de miséria, salários em atraso, lógicas de direcção editorial ao nível das repartições públicas são, também, queixa antiga de muitos jornalistas da comunicação social pública e privada.

A abertura do mercado ao sector privado, com o surgimento de mais rádios, mais televisões, jornalistas e online, pôs a nu as fragilidades do sector. Como se não bastasse a regulação foi ignorada, o que faz com que a legislação se torne letra morta. Quanto à precariedade laboral, a começar pela ausência de contratos, salários baixos e ainda por cima com atrasos de mais de três meses, tenho defendido que o sindicato dos jornalistas não se deve limitar apenas a denunciar estas situações, deve, antes de mais, negociar com as entidades patronais as soluções para estes casos; deve accionar o governo, a Direcção Geral do Trabalho e as demais instituições com responsabilidades na matéria, inclusive os tribunais e, caso as reivindicações não forem atendidas, mobilizar os trabalhadores para outras formas de luta. É preciso ter em atenção que a AJOC deixou de ser uma mera associação para se transformar num sindicato, pelo que a sua postura deve ser mais reivindicativa, mostrando-se sempre disponível ao diálogo.

E, por falar em jornalistas, como interpreta o facto de, em seis camaradas de profissão contactados por Cabo Verde, cinco tenham, amavelmente declinado o convite para opinarem. Há medo na comunicação social cabo-verdiana?

Bom, tendo em conta que não conheço as razões evocadas pelos colegas para declinarem o convite, não posso, como é evidente, afirmar que o tenham feito por medo. Talvez não tenham querido dar-se ao trabalho de pensar, reflectir sobre a nossa profissão. Por vezes somos muito críticos em ambientes informais, mas quando somos chamados a pronunciar-se com maior acuidade sobre aspectos estruturantes da nossa profissão, remetemo-nos ao silêncio, permitindo que os políticos tracem sozinhos o nosso destino profissional. Por exemplo, ainda hoje não entendo como é que permanece no código eleitoral o artigo 105º, unanimemente considerado inconstitucional. Enfim, uma autêntica lei da rolha.

Como se compreende que não haja ainda, apesar de contemplada legalmente, uma entidade reguladora para a comunicação social?

Compreende-se perfeitamente uma vez que não existe da parte do governo e dos partidos políticos com assento parlamentar qualquer intenção de dotar o país de um conselho regulador funcional e eficaz. Fosse uma matéria de interesse exclusivo dos partidos, já teriam chegado a um consenso quanto aos nomes que irão integrar a ARC. Dizer, como disse há dias o ministro Rui Semedo, que se trata de uma questão da alçada do parlamento e que, portanto, o governo não deve interferir nessa esfera de decisão, é, no mínimo, protelar a solução. Estamos a falar de uma entidade central para garantia de um direito fundamental dos cidadãos, que é o direito à informação, um bem simbólico no Estado de Direito democrático. Se estiverem interessados em resolver esta questão, o governo e o partido que o sustenta encontrarão, de certeza, uma plataforma de entendimento com os partidos da oposição.

E a AJOC, tem estado “em cima” do quotidiano dos jornalistas? Por exemplo, falou-se há pouco em salários em atraso, mas só há memória de a associação ter intervindo quando se tratou da RCV. Sabe-se que em "A Semana" há jornalistas a passar dificuldades, a alimentarem-se precariamente porque a administração do jornal falha reiteradamente com as suas obrigações, e este parece não ser caso único.

É o que eu disse há instantes, a AJOC tem de começar a funcionar como um sindicato que é. De facto, uma das críticas que se ouvem dos jornalistas que trabalham no sector privado é a de que a AJOC só defende os direitos dos profissionais da RTC. Não estou a dizer que concordo com essa crítica, de todo o modo, penso que o sindicato deve estender a sua actuação a todos os media nacionais. Talvez esse desabafo se deva ao facto de a AJOC não ter conseguido eleger, até hoje, os delegados sindicais nas empresas de comunicação social, como aliás está consagrado nos estatutos. Se o sindicato tem desenvolvido ou não acções em defesa dos jornalistas que trabalham no sector privado, não sei dizer, porquanto não fui informado dessas eventuais intervenções. O que é facto é que poder e a importância do sindicato devem fazer-se sentir sempre que a classe necessitar ou seja imprescindível a sua actuação.

E o que lhe merece dizer sobre a promiscuidade entre jornalistas-assessores e assessores-jornalistas?

É uma autêntica pouca vergonha. E essas praticas só demonstram o grau zero de regulação neste sector. Se as leis existem mas não são cumpridas, então mais vale que sejam revogadas. Assim, vai cada um tratar da sua vida!

O que falta, mesmo, para Cabo Verde ser – de facto – um exemplo em termos de liberdade de imprensa?

Costuma-se dizer que a liberdade de imprensa não é uma dádiva, nem tão pouco uma realidade fechada. É um processo, um ideal, para o qual lutamos todos os dias, alargando cada vez mais as margens dessa liberdade, reforçando os ganhos que forem sendo alcançados. Dada a sua centralidade na paisagem mediática cabo-verdiana, deve-se assegurar à RTC a sua autonomia e independência em relação aos poderes, como estipula a Constituição da Republica. Isso passa pela adopção de uma nova modalidade de nomeação dos conselhos de administração, mais plural e democrática; um novo modelo de financiamento do serviço público, substancial e previsível, que não o coloque na dependência do governo e nem a reboque do mercado publicitário; é preciso que se acabe de vez com a transmissão nos órgãos de serviço público dos chamados programas e publicidades institucionais, diga-se dos ministérios, que mais não são do que propaganda do governo, a coberto de compromissos comerciais. Ora se se permite que um governo compre espaços de antena na rádio e na televisão públicas, pela via comercial, para divulgar as suas actividades, quando tem à sua disposição outros canais de comunicação e de visibilidade, é lícito que também se dê aos partidos da oposição a mesma oportunidade para propagandear as suas actividades. Estamos perante uma interferência grosseira na esfera editorial e na liberdade de programação de que gozam os operadores públicos.

Para que Cabo Verde seja de facto um exemplo em matéria de liberdade de imprensa, é importante que se ponha a funcionar a ARC; que a autorregulação também seja assumida pelos jornalistas; que participem mais na definição da agenda mediática; que haja mais e melhor formação técnica e académica dos jornalistas, a começar pela especialização; que haja mais investigação jornalística; que sejam criadas as condições para que os privados possam competir em pé de igualdade com os órgãos públicos; que o sindicato de jornalistas seja mais proactivo... à laia de remate final, diria que para que sejamos campeões da liberdade de imprensa, os jornalistas têm que redescobrir os fundamentos da sua missão de informar, aproximando-se dos cidadãos, tornando-se em fiéis “cães de guarda” da democracia.

A RTC anunciou na última quinta-feira, no meio de grandes parangonas e até com a presença do Primeiro-ministro, o lançamento da TCV Internacional, mas os trabalhadores da empresa em São Vicente continuam a queixar-se do abandono a que estão votados e a precariedade dos meios de que dispõem. Faz sentido avançar com mais um canal, quando não se oferecem condições dignas de trabalho? Não será tudo mais publicidade enganosa do que uma mais-valia real?

Penso que a TCV Internacional é, de facto, uma grande janela que se abre à diáspora que assim poderá acompanhar o pulsar destas ilhas. Há dias o PCA da RTC, respondendo a esta mesma pergunta disse que a empresa pode assumir estas duas direcções, ou seja, reforçar a sua presença junto das comunidades emigradas e melhorar as condições de trabalho e de emissão a nível interno. Julgo que o grande desafio da TCV Internacional será na produção de conteúdos nacionais de qualidade que atendam aos interesses dos nossos emigrantes, mas mais, este canal só faz sentido se permitir que a 11ª ilha faça ouvir a sua voz no processo de desenvolvimento de Cabo Verde. Temos uma Nação Global que não conhecemos e a que a TCV Internacional deve dar visibilidade.