Desde que me
apaixonei pelo primeiro e o mais mágico dos meios electrónicos, oiço falar da
importância de se fixar o dia da rádio cabo-verdiana. Não para se fazer
simplesmente o panegírico do passado ou para repetir os rituais de homenagem a
figuras respeitáveis, mas de que ninguém se lembra no dia seguinte.
Pelo
contributo da rádio no reforço da coesão nacional e na sedimentação dos traços
constitutivos da nossa identidade cultural, ao levar informação, formação e
entretenimento aos cabo-verdianos residentes e na diáspora, julgo ser
pertinente parar (sem que a telefonia se cale), avaliar o percurso empreendido
e perscrutar os desafios que se colocam ao meio, hoje confrontado com as
incertezas da era digital.
Apesar de a
rádio ter revolucionado o modelo de comunicação de massas, continua a ser, em
comparação com os demais media, o “patinho feio”. O facto de ela não exigir, ao
contrário da televisão, uma parafernália de meios técnicos de produção e de
recursos humanos, faz com que seja privada dos indispensáveis meios,
nomeadamente, financeiros, de molde a poder desempenhar com a necessária
qualidade a sua missão.
Em Cabo Verde, à
semelhança do que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa, a rádio nasceu por
iniciativa privada, graças à paixão e ao entusiasmo de alguns “carolas”. Não
obstante a censura e o controlo apertado a que estavam submetidas por parte das
autoridades coloniais, as emissoras fundadas neste arquipélago, a partir de
1945, esforçavam-se no sentido de projectar a voz de Cabo Verde, não só com
agrado, mas com o respeito que merecia.
A rádio destacou-se igualmente como um instrumento
de comunicação imprescindível ao serviço das autoridades coloniais. Por exemplo, aquando dos graves
problemas sociais decorrentes de mais um ano de seca (1947), o Governador pôde
contar com o auxílio da Rádio Clube de Cabo Verde que facilitou, sobremaneira,
os trabalhos de distribuição das verbas para socorrer a população, permitindo
que os administradores dos vários concelhos recebessem instruções para
aplicação de fundos, no preciso momento em que deviam actuar, para melhor se
acudir aos necessitados. Aliás, o papel desempenhado pela RCCV, ligando entre
si todas as ilhas com as suas emissões e fazendo-as viver mais próximas umas
das outras para melhor se ajudarem a enfrentar a diversidade, foi compreendido
e reconhecido pelo Governo e pelas Câmaras Municipais que estabeleceram um
subsídio para o funcionamento corrente da emissora.
A rádio foi (e
ainda é) um salutar laço de união e ponto de contacto dos cabo-verdianos,
sobretudo das comunidades emigradas nas sete partidas do mundo, com estas ilhas
do Atlântico. Através de cartas, muitos ouvintes expressam a sua alegria ao
escutar a voz destes dez grãozinhos de terra. Veja-se, à laia de exemplo, o que
escreve, de Luanda, a 10 de Março de 1947, o ouvinte António Lisboa de
Figueiredo Araújo: “Já há muito me vinha
o desejo de escutar a única emissora da terra da minha naturalidade. Ontem,
andando a “vaguear” na banda dos 50 metros, tive a lembrança de procurar o
Rádio Clube de Cabo Verde. Feliz lembrança essa, porque, se bem que com um
pouco de dificuldade, consegui o meu intento.”
Foi também através da
rádio que os cabo-verdianos puderam acompanhar o desenrolar da luta armada para
a independência da Guiné e de Cabo Verde. As emissões da Rádio Libertação
incomodavam, sobremaneira, o governo português, que se viu obrigado a responder
através da Emissora Nacional. Foi a rádio que deu a conhecer aos
cabo-verdianos, em directo, a declaração de Independência Nacional, proferida
no memorável dia 5 de Julho de 1975, no estádio da Várzea. Pela telefonia
comunicou-se a queda do artigo 4º da Constituição, abrindo as portas à
competição política. Pela rádio ecoaram os cânticos da liberdade e da
democracia que atingiram o clímax a 13 de Janeiro de 1991, com a conquista do
poder pelo MPD. O regresso do PAICV, depois de dez anos de aprendizagem na
oposição, passou pela rádio. Enfim, os grandes momentos da vida deste país,
sejam eles, políticos, culturais, sociais ou económicos, passam sempre, quando
não em primeira mão, pela rádio.
Até aqui têm sido
apontadas duas datas que mais se prestam ao propósito de assinalar o dia da
rádio em Cabo Verde. Uma é o 9 de Dezembro, dia que assinala, nos idos de 1974,
a tomada da Rádio Barlavento. A outra, 1 de Julho de 1985, marca o início das
emissões em cadeia da Rádio Nacional de Cabo Verde. Não obstante reconhecer que
o assalto à RB constitui um marco incontornável na história da radiodifusão
neste arquipélago, porquanto possibilitou o reforço das acções de
sensibilização dos cabo-verdianos para o imperativo da independência nacional,
julgo que a carga ideológico-partidária de que se reveste esse momento
desaconselha a sua escolha. Igualmente, optar pelo início das emissões da RNCV,
parece-me extremamente redutor do que tem sido o percurso e o contributo da
rádio por estas bandas, para além de restringir “o dia da rádio” ao momento da
criação efectiva da emissora nacional.
Na impossibilidade de
se identificar o dia em que foi realizada a primeira emissão radiofónica
produzida e emitida a partir destas ilhas, tarefa que não se afigura fácil,
tomo a liberdade de propor o dia 5 de
Maio como o dia da comemoração simbólica da rádio. Faço-o porque foi nesse
dia, nos antanhos de 1945, que foram publicados no Boletim Oficial, nº18, os
estatutos (e o Alvará 2/945) da Rádio Clube de Cabo Verde. Embora a estação emitisse
desde finais de 44, a título experimental com designação de “Rádio Praia”, a
criação RCCV representa o corolário de um movimento impulsionador que
originaria, mais tarde, o surgimento da Rádio Clube do Mindelo e depois da
Rádio Barlavento, um departamento do Grémio Recreativo Mindelo.
Em abono da
minha singela sugestão, acrescento outros elementos de natureza histórica. Em
carta enviada ao Governador da Colónia de Cabo Verde, no dia 7 de Maio de 1946, alguns cidadãos
residentes na cidade do Mindelo, de entre os quais se destacam os nomes de José
Diogo Luiz Terry, Cândido A. da Cunha, Henrique de Albuquerque e José Pedro Afonso,
como organizadores do “Rádio Clube do Mindelo”, requerem a aprovação dos
estatutos e pedem que lhes seja passado o alvará. Pois bem, embora o Alvará
(nº1/946) e os estatutos tenham sido publicados no Boletim Oficial nº 37 de 6
Setembro de 1946, a RCM já vinha emitindo meses antes, ao abrigo de um despacho
do Ministro das Colónias que concede, a título provisório, autorização para
funcionamento do emissor da Rádio Clube do Mindelo.
Quanto à Rádio
Barlavento, inauguarada oficialmente no dia 30 de Junho de 1955 pelo Governador
Manuel Abrantes Amaral, já vinha transmitindo em regime experimental, tendo
emitido pela primeira vez o seu sinal no dia 13 de Maio do mesmo ano.
Pelo que fica
exposto, Maio deveria ser
considerado o mês da rádio em Cabo Verde. Até porque, a data ora proposta se
encaixa na semana em que se assinala, em todo o mundo, a liberdade de imprensa,
de que a rádio tem sido uma acérrima defensora. De
igual modo, poder-se-ia a aproveitar o momento para se reconhecer o contributo
abnegado de homens e mulheres que, imbuídos de paixão e entusiasmo, lançaram para
o éter os sons e as cores destas ilhas afortunadas. Cito apenas alguns: Manuel
Tomaz Dias, responsável pela primeira emissão rádiofónica nestas ilhas, Telmo
Bárrio Vieira, Antero Osório, Guilherme Rocheteau, Arnaldo França, Bento levy,
Maria Helena Spencer, Jaime de Figueiredo, José Pedro Afonso, Aníbal Lopes da
Silva, Mário Matos, Silvestre Rocha, Francisco Lopes da Silva, Evandro de
Matos, Rolando Martins, e tantos outros. O repto está lançado.
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