segunda-feira, junho 03, 2013

O DIA DA RÁDIO


Desde que me apaixonei pelo primeiro e o mais mágico dos meios electrónicos, oiço falar da importância de se fixar o dia da rádio cabo-verdiana. Não para se fazer simplesmente o panegírico do passado ou para repetir os rituais de homenagem a figuras respeitáveis, mas de que ninguém se lembra no dia seguinte. 
Pelo contributo da rádio no reforço da coesão nacional e na sedimentação dos traços constitutivos da nossa identidade cultural, ao levar informação, formação e entretenimento aos cabo-verdianos residentes e na diáspora, julgo ser pertinente parar (sem que a telefonia se cale), avaliar o percurso empreendido e perscrutar os desafios que se colocam ao meio, hoje confrontado com as incertezas da era digital.  

Apesar de a rádio ter revolucionado o modelo de comunicação de massas, continua a ser, em comparação com os demais media, o “patinho feio”. O facto de ela não exigir, ao contrário da televisão, uma parafernália de meios técnicos de produção e de recursos humanos, faz com que seja privada dos indispensáveis meios, nomeadamente, financeiros, de molde a poder desempenhar com a necessária qualidade a sua missão. 

Em Cabo Verde, à semelhança do que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa, a rádio nasceu por iniciativa privada, graças à paixão e ao entusiasmo de alguns “carolas”. Não obstante a censura e o controlo apertado a que estavam submetidas por parte das autoridades coloniais, as emissoras fundadas neste arquipélago, a partir de 1945, esforçavam-se no sentido de projectar a voz de Cabo Verde, não só com agrado, mas com o respeito que merecia.

A rádio destacou-se igualmente como um instrumento de comunicação imprescindível ao serviço das autoridades coloniais. Por exemplo, aquando dos graves problemas sociais decorrentes de mais um ano de seca (1947), o Governador pôde contar com o auxílio da Rádio Clube de Cabo Verde que facilitou, sobremaneira, os trabalhos de distribuição das verbas para socorrer a população, permitindo que os administradores dos vários concelhos recebessem instruções para aplicação de fundos, no preciso momento em que deviam actuar, para melhor se acudir aos necessitados. Aliás, o papel desempenhado pela RCCV, ligando entre si todas as ilhas com as suas emissões e fazendo-as viver mais próximas umas das outras para melhor se ajudarem a enfrentar a diversidade, foi compreendido e reconhecido pelo Governo e pelas Câmaras Municipais que estabeleceram um subsídio para o funcionamento corrente da emissora.  

A rádio foi (e ainda é) um salutar laço de união e ponto de contacto dos cabo-verdianos, sobretudo das comunidades emigradas nas sete partidas do mundo, com estas ilhas do Atlântico. Através de cartas, muitos ouvintes expressam a sua alegria ao escutar a voz destes dez grãozinhos de terra. Veja-se, à laia de exemplo, o que escreve, de Luanda, a 10 de Março de 1947, o ouvinte António Lisboa de Figueiredo Araújo: “Já há muito me vinha o desejo de escutar a única emissora da terra da minha naturalidade. Ontem, andando a “vaguear” na banda dos 50 metros, tive a lembrança de procurar o Rádio Clube de Cabo Verde. Feliz lembrança essa, porque, se bem que com um pouco de dificuldade, consegui o meu intento.” 

Foi também através da rádio que os cabo-verdianos puderam acompanhar o desenrolar da luta armada para a independência da Guiné e de Cabo Verde. As emissões da Rádio Libertação incomodavam, sobremaneira, o governo português, que se viu obrigado a responder através da Emissora Nacional. Foi a rádio que deu a conhecer aos cabo-verdianos, em directo, a declaração de Independência Nacional, proferida no memorável dia 5 de Julho de 1975, no estádio da Várzea. Pela telefonia comunicou-se a queda do artigo 4º da Constituição, abrindo as portas à competição política. Pela rádio ecoaram os cânticos da liberdade e da democracia que atingiram o clímax a 13 de Janeiro de 1991, com a conquista do poder pelo MPD. O regresso do PAICV, depois de dez anos de aprendizagem na oposição, passou pela rádio. Enfim, os grandes momentos da vida deste país, sejam eles, políticos, culturais, sociais ou económicos, passam sempre, quando não em primeira mão, pela rádio.

Até aqui têm sido apontadas duas datas que mais se prestam ao propósito de assinalar o dia da rádio em Cabo Verde. Uma é o 9 de Dezembro, dia que assinala, nos idos de 1974, a tomada da Rádio Barlavento. A outra, 1 de Julho de 1985, marca o início das emissões em cadeia da Rádio Nacional de Cabo Verde. Não obstante reconhecer que o assalto à RB constitui um marco incontornável na história da radiodifusão neste arquipélago, porquanto possibilitou o reforço das acções de sensibilização dos cabo-verdianos para o imperativo da independência nacional, julgo que a carga ideológico-partidária de que se reveste esse momento desaconselha a sua escolha. Igualmente, optar pelo início das emissões da RNCV, parece-me extremamente redutor do que tem sido o percurso e o contributo da rádio por estas bandas, para além de restringir “o dia da rádio” ao momento da criação efectiva da emissora nacional.

Na impossibilidade de se identificar o dia em que foi realizada a primeira emissão radiofónica produzida e emitida a partir destas ilhas, tarefa que não se afigura fácil, tomo a liberdade de propor o dia 5 de Maio como o dia da comemoração simbólica da rádio. Faço-o porque foi nesse dia, nos antanhos de 1945, que foram publicados no Boletim Oficial, nº18, os estatutos (e o Alvará 2/945) da Rádio Clube de Cabo Verde. Embora a estação emitisse desde finais de 44, a título experimental com designação de “Rádio Praia”, a criação RCCV representa o corolário de um movimento impulsionador que originaria, mais tarde, o surgimento da Rádio Clube do Mindelo e depois da Rádio Barlavento, um departamento do Grémio Recreativo Mindelo.

Em abono da minha singela sugestão, acrescento outros elementos de natureza histórica. Em carta enviada ao Governador da Colónia de Cabo Verde, no dia 7 de Maio de 1946, alguns cidadãos residentes na cidade do Mindelo, de entre os quais se destacam os nomes de José Diogo Luiz Terry, Cândido A. da Cunha, Henrique de Albuquerque e José Pedro Afonso, como organizadores do “Rádio Clube do Mindelo”, requerem a aprovação dos estatutos e pedem que lhes seja passado o alvará. Pois bem, embora o Alvará (nº1/946) e os estatutos tenham sido publicados no Boletim Oficial nº 37 de 6 Setembro de 1946, a RCM já vinha emitindo meses antes, ao abrigo de um despacho do Ministro das Colónias que concede, a título provisório, autorização para funcionamento do emissor da Rádio Clube do Mindelo.
Quanto à Rádio Barlavento, inauguarada oficialmente no dia 30 de Junho de 1955 pelo Governador Manuel Abrantes Amaral, já vinha transmitindo em regime experimental, tendo emitido pela primeira vez o seu sinal no dia 13 de Maio do mesmo ano.

Pelo que fica exposto, Maio deveria ser considerado o mês da rádio em Cabo Verde. Até porque, a data ora proposta se encaixa na semana em que se assinala, em todo o mundo, a liberdade de imprensa, de que a rádio tem sido uma acérrima defensora. De igual modo, poder-se-ia a aproveitar o momento para se reconhecer o contributo abnegado de homens e mulheres que, imbuídos de paixão e entusiasmo, lançaram para o éter os sons e as cores destas ilhas afortunadas. Cito apenas alguns: Manuel Tomaz Dias, responsável pela primeira emissão rádiofónica nestas ilhas, Telmo Bárrio Vieira, Antero Osório, Guilherme Rocheteau, Arnaldo França, Bento levy, Maria Helena Spencer, Jaime de Figueiredo, José Pedro Afonso, Aníbal Lopes da Silva, Mário Matos, Silvestre Rocha, Francisco Lopes da Silva, Evandro de Matos, Rolando Martins, e tantos outros. O repto está lançado.




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