Há
muito que virou moda neste país a realização das longas e fastidiosas jornadas
de socialização. Através dos famosos workshops,
seminários ou fóruns, socializam-se ideias, planos estratégicos, de acção,
estudos de variada índole e objecto, reformas que não saem do papel, e
resultados, esses, muito raros, diga-se. Na maior parte das vezes esses
encontros têm subjacente uma elaborada estratégia de marketing que visa mais o
efeito mediático do que propriamente a promoção de uma reflexão aturada e
proveitosa sobre os assuntos supostamente de interesse público. O pior é que na
ausência de uma agenda própria, os órgãos de comunicação social dão imenso
destaque a essas xintadas. Depois é
vê-los espelhados nos jornais e nos alinhamentos das rádios e televisões,
acentuando a ideia de um país pachorrentamente sentado.
Já vi de tudo um pouco,
mas até agora não tinha calhado estar numa socialização em que aos
participantes é vedado o acesso ao documento objecto de análise. Pois bem, na
passada sexta-feira fomos todos, nós os funcionários da RTC e da Inforpress, convidados para uma sessão
de apresentação do projecto de Decreto-lei para a fusão dessas duas empresas.
Para o nosso espanto, não havia documento nenhum, apenas alguns tópicos projectados
em data show. Não, não se tratou de
um descuido por parte da organização do evento. Se dúvidas houvesse, o ministro
Démis Almeida tratou de as dissipar ao dizer que o projecto de diploma é de
consulta reservada, porquanto ainda não foi discutido nem aprovado no conselho
de Ministros. O governante lá nos explicou por que não o pode fazer, sob pena
de incorrer num deslize ético, pois está vinculado ao sagrado dever de sigilo.
Mas, acrescentou muito candidamente, que quando a lei for aprovada e, logo,
promulgada e publicada no B.O., qualquer um pode, querendo, propor alterações,
pois a lei não é imutável. Ou seja, depois do facto consumado, chorem à vontade
sobre a asneira derramada!
Descontando esse
elemento processual, preocupa-nos a pressa com que o Governo quer consumar a
fusão entre a agência de notícias e a rádio televisão cabo-verdiana. O diploma,
segundo nos foi dito, será aprovado já no final deste mês pelo conselho de
ministros, e em Outubro será escolhido um conselho de administração ad hoc que irá criar as condições para
que a E.C.C.I, S.A, (que mau gosto!) entre em funcionamento antes do final
deste ano.
Por ter, em artigo de
jornal intitulado “Um Tremendo Disparate” publicado no ano passado, expressado
o meu entendimento sobre o arranjo do Governo supostamente para reorganizar o
sector público de comunicação social, prescindo, por ora, de aduzir qualquer
outro comentário sobre o assunto. Prometo contudo, logo que tiver acesso ao documento,
continuar a dar a minha contribuição para o debate deste dossiê complexo, se
até lá, claro, não tiver sido aprovado pelo Governo. A continuar neste
secretismo, está-se a proceder exactamente da mesma forma quando se criou a RTC,
em 1997. Uma decisão política concretizada à margem e à revelia dos trabalhadores
das então RNCV e TNCV. Dezoito anos depois desse casamento forçado, os resultados
estão, absolutamente, aquém das expectativas traçadas pelo segundo Governo do
MPD e também dos cabo-verdianos.
Ora, uma reforma como a
que se apregoa e que deverá mexer, em princípio, com a orgânica, o
funcionamento, a imagem de marca da RTC (que irá desaparecer) e com a própria
identidade dos órgãos - no caso da agência noticiosa é tão certo ser engolida
pelo parceiro mais forte da coligação -, não pode ser feita assim, a
toque-de-caixa. Tratando-se de um processo complexo e bastante abrangente, ou
não estivéssemos a falar do maior grupo de comunicação social do país, que
emprega para cima de 350 trabalhadores, as soluções que vierem a ser adoptadas
com vista a fusão das duas empresas, devem ser convenientemente ponderadas e
debatidas, não apenas com trabalhadores da RTC e da Inforpress, mas também com os cidadãos, os principais financiadores
do serviço público de rádio, televisão e de agência.
Ainda que se diga que
não haverá despedimentos, convenhamos que mexidas de tamanho alcance e
profundidade irão, com certeza, criar instabilidade e insegurança laborais de
tal monta que terão reflexos negativos no desempenho dos jornalistas. É de todo
incompreensível que o governo tenha mergulhado numa letargia confrangedora nos
últimos quinze anos, em matéria de políticas públicas, visão estratégica e
medidas que pudessem levar a uma melhoria do serviço prestado pela rádio,
televisão e agência, e num rompante, a escassos meses das eleições, queira dar
a ideia de que está a fazer alguma coisa neste sector. Embora este não seja
ainda um governo de gestão, é evidente que levar avante uma restruturação do sector
público mediático, quando a pré-campanha eleitoral já anda solta pela estrada
fora, só pode ser entendido como uma manobra claramente para pressionar,
condicionar e amaciar os jornalistas. É inevitável pensar nos estragos que a
espada de Dâmocles pode causar de um momento para o outro.
A única vantagem
imediata que até aqui conseguia vislumbrar no projecto de fusão da RTC e da Inforpress era a possibilidade de os
jornalistas da agência, que ganham muito menos que os colegas da RTC, puderem
ver os seus salários alinhados com os da rádio e televisão. De resto, essa era a
única razão por que entendia a apatia, para não dizer conformismo ou
indiferença, dos trabalhadores da Inforpress
face à decisão do executivo de incorporar a agência na RTC, sabendo eles que a
agência irá perder, a breve trecho, a sua identidade, acabando, inexoravelmente,
por sucumbir. A propósito, em 2006, a ministra Sara Lopes, referindo-se ao
estado de agonia em que se encontrava a Inforpress,
sentenciou que o jornal Horizonte tinha comido a agência. Que dizer agora do
futuro casamento com a maior empresa de comunicação deste país? As vantagens,
que nem mesmo o governo tem sabido expor, não são de molde a autorizar o projecto
de fusão.
Desengane-se, pois, quem já contava com uns trocados a mais na sua
conta. É que a equiparação salarial não se fará no imediato, mas sim às
pinguinhas e durante dois anos. Dito de outro modo, teremos na mesma empresa
trabalhadores de primeira e de segunda. É que, segundo explicou o ministro, um
salto desses, de uma assentada, representaria um encargo de quase 7 mil contos
anuais no orçamento da E.C.C.I, SA, o que criaria algum embaraço à
administração da futura empresa.
Já deu para perceber
que o Governo arranjou todo esse abalo, mas não vai meter nenhum tostão furado
nessa operação, antes pelo contrário. Estamos a falar de duas empresas, a RTC e
a Inforpress, cuja situação
financeira inspira cuidados de maior, atoladas em dívidas que já superaram de
longe o capital social, e que não estão, sozinhas, em condições de investir na
modernização tecnológica, na melhoria da qualificação dos seus profissionais e
na qualidade do serviço que prestam cabo-verdianos. Pergunta-se: a quem
interessa essa fusão? Estamos perante mais um acto de ilusionismo, de
faz-de-conta, e de chutar para a frente, claramente.
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