Uma democracia repousa
na possibilidade de se exprimir opiniões diversas e sobre o voto de cidadãos
bem informados. Os meios de comunicação social e os jornalistas desempenham,
por conseguinte, um papel crucial durante o processo eleitoral ao assegurarem a
circulação de informações, opiniões e a sua confrontação.
E isto permite
um melhor conhecimento dos candidatos, dos partidos e respectivos programas. Os
media contribuem sobremaneira para a
participação efectiva dos cidadãos no debate democrático, mormente ao trazerem
para a praça pública mediática, durante a campanha eleitoral, os temas de
interesse geral.
Em Cabo Verde,
infelizmente, a concretização dessa
missão cometida à imprensa pela organização Repórteres sem Fronteiras,
no “Guia Prático do Jornalismo em Período Eleitoral”, tem sido cada vez mais
difícil em virtude da uma limitação claramente ilegítima imposta pelo código
eleitoral no seu artigo 105º.
A mesma lei que
atribui às entidades proponentes de lista, aos candidatos e aos próprios
cidadãos o direito de livre expressão de ideias e princípios políticos,
económicos e sociais (art. 104), proíbe, acto contínuo, os meios de comunicação
social de, entre outras coisas, “difundir
propaganda política ou opinião favorável ou desfavorável a órgãos de soberania
ou autárquicos, a seus membros, e a candidato, partido, coligação ou lista;
difundir programa com alusão crítica a candidato, partido, coligação ou lista,
mesmo que dissimuladamente, excepto tratando-se de debates políticos ou sobre
as eleições”.
Nas suas
anotações ao Código Eleitoral, o jurista Mário Silva (2005:103) cita, nem
propósito, um acórdão do STJ, segundo o qual, em sede de campanha eleitoral “é necessário e se impõe que se dê toda a
liberdade de expressão aos concorrentes, por todas as vias, para que possam
livremente e com eficácia transmitir as suas mensagens ao eleitorado, expondo e
debatendo as suas ideias, fazendo promessas, propondo soluções, esclarecendo
dúvidas, apontando pretensos defeitos às outras candidaturas, criticando os adversários”.
Toda esta
liberdade de expressão visa o esclarecimento dos cidadãos para que possam
exercer o seu direito de voto de forma consciente e verdadeira. Ou seja, enquanto
os actores políticos, os candidatos, beneficiam de uma esfera de acção sem quaisquer
peias, aos media, através dos quais
os cidadãos exercem o seu direito de informar e de ser informado, colocam-se
entraves de toda a ordem.
Estamos pois
perante um artigo inconstitucional e que urge alterar em nome de uma imprensa
livre, forte e plural. Note-se que a RSF aconselha os meios de comunicação
social, durante a campanha eleitoral, a realizar debates entre os candidatos;
mesas redondas com a participação de um painel de especialistas; emissões
interactivas, na rádio e na televisão, que permitam aos concorrentes apresentar
as suas ideias e responder em directo às questões dos cidadãos; reservar, na
imprensa escrita, espaços e número de páginas destinados à livre expressão de
opinião dos candidatos, eleitores, especialistas e dos próprios jornalistas,
através de editoriais e comentários.
Por causa dessa lei draconiana, os meios de
comunicação social cabo-verdianos praticamente têm-se cingido ao relato das
propostas dos diversos candidatos e às acções de campanha, sem as confrontar e
analisar, sobrevalorizando a igualdade de oportunidade e de tratamento, em
detrimento dos critérios jornalísticos. Mas mais, as estações de rádio e
televisão, sobretudo as públicas, optam por retirar da grelha todos os
programas de informação que, de certo modo, ponham em xeque o famigerado artigo
105º do CE, nomeadamente os debates, as grandes entrevistas e até, imagine-se, a
revista de imprensa. Só é pena que lá deixem ficar os programas institucionais
do Governo. Ou seja, num contexto em que os cidadãos precisam de cada vez mais
informação para que possam conhecer as diversas propostas e ideias em liça,
formar a sua opinião e, logo, votar de forma esclarecida, damos-lhes música em
troca.
Antes de deixar
a presidência da CNE, a magistrada Rosa Vicente alertou para a urgência de se
dar uma melhor atenção ao Direito eleitoral. E, de facto, assim é. O artigo que
limita a actuação da comunicação social não é a única incongruência do CE, há
outras mais escorregadias. Por exemplo, a interdição da divulgação e o
comentário dos resultados de quaisquer sondagens ou inquéritos de opinião,
desde o início da campanha eleitoral e até a hora de fecho das mesas de
assembleias de voto (art. 99º).
Há outra igualmente
perigosa, do meu ponto de vista. Faz sentido a Comissão Nacional de Eleições
ter como um dos seus assessores permanentes “um
profissional da comunicação social designado pelo membro do Governo responsável
pela área da comunicação social”?
Aquando das últimas
eleições legislativas resolvi suspender da grelha, com base no nº 2 do tão
falado artigo 105º do código eleitoral, todos os programas institucionais do
Governo. Fi-lo por considerar que a emissão desses conteúdos produzidos por
assessores de imprensa dos ministérios punha em causa os princípios de
neutralidade e imparcialidade que norteiam um operador de serviço público, sobretudo
durante o período eleitoral. Como era expectável, as pressões vieram de dentro
e de fora da RTC, mas a todas suportei, irredutível, por acreditar que a lei e
a razão estavam do meu lado. Ainda assim, para legitimar a minha decisão, expus
a situação à consideração da CNE.
Baseando-se num
parecer do assessor permanente para a imprensa, que é, nem mais nem menos, o
próprio Director Geral da Comunicação Social, a CNE através de uma deliberação,
comunicava, dias depois, à direcção da rádio pública que não via qualquer
problema na emissão desses espaços de propaganda, mesmo durante o período
eleitoral. Uma decisão a todos os títulos infeliz por parte de quem deve
garantir a igualdade de tratamento por parte dos media a todos os candidatos no
pleito eleitoral. Ora, como se explica que a CNE mande o governo retirar das
ruas outdoors onde publicita
realizações e recomende a suspensão da revista da Administração Pública, por
considerar tratar-se de peças de propaganda do executivo, e, por isso, susceptíveis
de abusar da bondade dos eleitores… e considere normal que a rádio de serviço
público mantenha no ar programas dos ministérios? Felizmente prevaleceu a minha
decisão, uma vez que os produtores desses programas reconheceram as armadilhas
do artigo 105º do CE.
Agora que
terminou o ciclo eleitoral com as autárquicas do passado domingo, é hora de se
pensar seriamente na revisão, mais uma, da lei eleitoral, expurgando-a dos
resquícios do partido único, extemporaneamente, recuperados na década de 90. No
que à Comunicação Social diz respeito, espera-se uma intervenção pró-activa do
sindicato dos jornalistas, sob pena de a imprensa continuar a ser apenas uma
caixa de ressonância dos actores políticos durante os actos eleitorais.
Carlos Santos
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