A recente notícia publicada pelo jornal Expresso das Ilhas no início deste mês – ainda não desmentida pelo conselho de administração - em relação às dívidas da RTC, a rondar os 700 mil contos, não pressagia nada de bom. A manter-se o ritmo de crescimento da dívida, a médio prazo, a empresa estará condenada a uma situação de estrangulamento financeiro, o que, certamente, porá em causa a sua sustentabilidade e, logo, a incapacidade em cumprir a missão de prestação do serviço público de rádio e televisão.
Na verdade, estamos perante sinais que indiciam uma crise em três dimensões: de identidade, de funcionamento e de financiamento. Julgo ser consensual que é urgente clarificar o modelo de serviço público cometido à RTC, reformar a sua forma de governo, de gestão e de financiamento. É igualmente imprescindível tornar mais eficiente a organização da empresa, reduzindo os custos e aumentando a produtividade. Para isso, há que adoptar técnicas modernas de gestão e administração desde a contabilidade industrial ao controlo de gestão, da criação de planos a curto médio prazo à gestão dos recursos humanos.
O financiamento do operador de serviço público exige legislação específica e instâncias fiscalizadoras ou de regulação das actividades em curso. Importa dizer que a lei que cria a Autoridade para a Comunicação Social, recentemente aprovada no parlamento, prevê “a fiscalização do cumprimento das obrigações de serviço público no sector da comunicação social, a determinação da prática de infracções respectivas e a aplicação das competentes sanções.” À ARC compete ainda “promover a realização e a posterior publicação integral de auditorias anuais às empresas concessionárias dos serviços públicos de rádio e televisão e verificar a boa execução dos contratos de concessão.” Pensamos que a transparência nos actos de gestão sairia reforçada se, como aliás acontece nalguns países europeus, o Tribunal de Contas tivesse competências para fiscalizar as contas do operador público. Afinal, estamos a falar do dinheiro dos contribuintes.
O financiamento do serviço público de televisão (e de rádio) não é, como se pode pensar, um assunto de somenos. A tendência é, por vezes, analisar a questão apenas pelo lado da obtenção de verbas suficientes para o desenvolvimento das actividades do operador público. Pelo contrário, a origem dos montantes, a dimensão e as suas diversas modalidades, são de importância capital, porquanto estes aspectos podem condicionar a independência da concessionária, bem como o tipo de programação emitida. Estamos, pois, perante um dos principais pilares do serviço público.
Cabe ao Estado assegurar um quadro seguro e apropriado de financiamento, de molde a permitir ao radiodifusor de serviço público planificar a longo prazo as suas actividades. Recomenda-se, outrossim, uma diversificação da origem das fontes de financiamento, o que favorece tendencialmente a sua independência e minimiza os riscos provenientes da vinculação às receitas de uma fonte única. À semelhança do que acontece a nível europeu, onde nasceu o serviço público de rádio e televisão, a RTC beneficia de um modelo de financiamento misto, composto pela taxa, a indemnização compensatória e receitas publicitárias. Há, no entanto, diversas formas de financiamento que convém não ignorar: a taxa, as subvenções públicas, as dotações de capital, a emissão de divida pública, as operações de crédito, a publicidade comercial e as receitas provenientes de outras actividades de natureza comercial, incluindo a venda de programas, a pay tv e as actividades no âmbito do multimédia.
É evidente que não faz sentido analisar o financiamento do serviço público de televisão desligado da exigência de uma programação de qualidade. Se é verdade que abundam argumentos e razões para justificar a existência da televisão pública, não se pode negar que há cada vez mais vozes a exigir que se reformule e aprofunde os seus objectivos e funções no contexto de transformações tecnológicas e de maior oferta televisiva com o concurso de operadores privados. Quanto ao canal público, deve dar resposta às solicitações de uma programação de qualidade, promover a inovação criativa, reflectir a diversidade cultural, social e regional, garantir uma informação equilibrada, plural e autónoma.
Tudo isto exige, certamente, para o conceito de cidadão a que a televisão pública se dirige, garantir a sua independência “face à autoridade política do Estado, como à arbitragem económica do mercado”. Isso, só será possível através de uma estrutura política e de gestão autónoma, baseada no controlo e na nomeação parlamentar e não coincidente com os períodos legislativos. Pressupõe igualmente bases económicas realistas, sem as quais não há projecto político ou cultural que possa vingar; um financiamento predominantemente público, estável e garantido plurianualmente, regido por contratos específicos com o Estado.
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