Cabo Verde vai em breve poder contar com uma Autoridade Reguladora da Comunicação Social. A proposta de lei do Governo procura responder ao imperativo da Constituição da Republica e inscreve-se na reforma legislativa do sector, cuja paisagem mediática conheceu substanciais alterações nos últimos anos. A opinião de políticos e jornalistas é a de que a necessidade desse órgão já se fazia sentir há muito tempo.
Noutras paragens, a discussão sobre a regulação dos media provoca nos jornalistas um fechamento e a reivindicação, legítima, dos progressos feitos nos domínios da auto-regulação, para além de provocar também a rejeição de julgamentos externos à profissão, fundados no alegado desconhecimento, por parte de terceiros, das condições de produção jornalística. O facto de a auto-regulação ser quase inexistente em Cabo Verde, e de os jornalistas integrarem a entidade reguladora, podem explicar o entusiasmo. Contudo, convém não esquecer que quanto mais fraca é a auto-regulação maior é a tentação de reforçar a regulação.
Quanto ao modelo proposto pela Constituição, estamos perante uma instância de hetero-regulação, legitimada politicamente, enquadrada no Estado, mas independente do Governo. É o Parlamento que lhe traça a estrutura e o funcionamento, determina a sua composição e é aqui que encontra acolhimento institucional. Uma situação que requer acordo interpartidário sempre sujeito a maiorias de dois terços, evitando dessa forma que a ARC fique refém da maioria política circunstancial.
Esta arquitectura visa salvaguardar a sua independência em relação aos demais poderes, mormente, o político, reforçando-lhe, igualmente, as responsabilidades. E isso se consegue pela via da designação parlamentar por maioria de dois terços de todos os seus membros, mandatos únicos de seis anos, descoincidentes com os do parlamento; inamovibilidade como regra, incompatibilidades à entrada e à saida do órgão. No entanto, parece-nos um viés perigoso estipular que apenas os jornalistas que não estejam a exercer a profissão são elegíveis para os dois assentos que o órgão regulador reserva à classe. Isso, do nosso do ponto de vista, reduz o leque de preferências, escancarrando as portas a assessores de imprensa e ao pessoal ligado à propaganda política, quase todos com formação em jornalismo. Ora, qualquer jornalista que preencha os requisitos e que tenha sido convidado sabe que logo à seguir (se não for antes) da tomada de posse, é obrigado a depositar o seu título profissional na comissão de carteira.
Do ponto de vista teórico, a noção de regulação significa que algo está desregulado e precisa de controlo. Se atentarmos ao espírito da lei que cria a ARC, incluindo o estatuto, constatamos que há uma intenção explícita de adesão a um modelo de regulação como intervenção do estado mediada por uma entidade não sujeita à tutela governamental. Ou seja, há várias competências administrativas próprias do poder público que são cometidas à ARC. Desde logo, todas as atribuições adstritas ao Conselho de Comunicação Social, nomeadamente, as que se prendem com as decisões críticas para o funcionamento do sector.
Se o órgão regulador é responsavel pelo registo e classificação dos diferentes meios; pela fiscalização do cumprimento das leis, regulamentos e requisitos técnicos aplicáveis no âmbito das suas atribuições; pela verificação do cumprimento, por parte dos opperadores de rádio e televisão, dos fins genéricos e específicos das respectivas actividades, por que é que se nega à ARC a competência para a concessão e a renovação de licenças e autorizações para o exercício da actividade radiofónica e televisiva?
Limitar a actuação da ARC apenas ao dever de pronunciar-se previamente sobre o objecto e as condições dos concursos públicos para a atribuição de títulos habilitadores do exercício da actividade de rádio e televisão, é contornar a CR no que tange à independência dos meios de comunicação social face aos vários poderes. Sem prejuízo das atribuições de natureza técnica e tecnológica, próprias da ANAC, e das de índole económica, da esfera da Alta Autoridade para a Concorrência, caberá à ARC, enquanto entidade administrativa independente, avaliar a capacidade do candidato para satisfazer, na linha dos objectivos a que se propõe no seu projecto, a diversidade de interesses do público. Aliás, não é atoa que do alvará a emitir deve constar, entre outros elementos, o elenco dos principais deveres a que a sociedade licenciada fica obrigada, em conformidade com a proposta apresentada a concurso.
Um dos grandes desafios da ARC começa justamente na intervenção prioritária junto dos meios de comunicação social do Estado: a Inforpress, a RCV e a TCV. No caso da RTC, confrontar-se-á com a inexistência de um contrato de concessão de serviço público, situação inexplicável que tem dado azo a equívocos de vária ordem, resvalando, muitas vezes, numa intromissão abusiva na esfera de liberdade de programação da rádio e da televisão.
No que diz respeito à televisão, a actuação do regulador deverá ser de molde a repor estrategicamente o serviço público como uma prática de cidadania subordinado ao interesse público, através de dinâmicas de rigor e independência na informação, de uma programação diversificada e de qualidade e do debate público pluralista em geral. Quanto aos operadores privados espera-se da ARC uma postura firme no sentido de cumprirem o caderno de encargos, se é que existe algum.
Carlos Santos
Sem comentários:
Enviar um comentário