sábado, novembro 26, 2011

Da Cabopress à INFORPRESS - Duas décadas de Jornalismo

Esta obra reveste-se de suma importância uma vez que vem preencher uma lacuna existente em termos do conhecimento histórico de Agência Cabo-verdiana de Notícias. Há com efeito um desconhecimento a nível quase geral do funcionamento de uma agência de notícias. Ao contrário dos jornais, da televisão, do jornalismo online e da rádio, as agências noticiosas não têm merecido a devida atenção por parte dos académicos, dos investigadores, não obstante a sua importância na paisagem mediática.

São órgãos de comunicação social que trabalham para outros órgãos. A sua actividade enquanto “grossista de informação” desenvolve-se nos bastidores da arena mediática, e só indirectamente se reflecte no diário informativo das ocorrências notáveis promovidas a notícia. Para muitos de nós as agências de informação constituem entidades abstractas, das quais temos apenas um conhecimento muito superficial. Só nos percebemos da sua existência quando lemos ou ouvimos frases como: “uma informação de última hora; de acordo com o despacho divulgado há instantes pela agência Inforpress...”; “esta é uma informação avançada pelo correspondente da agência LUSA na cidade da Praia…”

Trata-se com efeito de um desconhecimento imerecido e prejudicial para a compreensão do funcionamento do campo jornalístico, pois, mostra a realidade, as agências noticiosas desempenham um papel fulcral na recolha, filtragem e difusão de notícias. Constituem importantes “gatekeepers”, ou, se quisermos, os decisores primários das ocorrências que poderão ascender à notícia e das que permanecerão ignoradas. Podemos então concluir que as agências são definidoras por excelência da agenda jornalística.

Quem conhece, minimamente, a história da imprensa cabo-verdiana sabe que durante muito tempo a informação internacional chegava até nós através das agências mundiais. Facto possibilitado pela instalação do primeiro-cabo submarino na cidade do Mindelo, em Março de 1874, passando o arquipélago a estar no cruzamento dos cabos que uniam os grandes continentes.

À laia de curiosidade, importa referir igualmente que foi por causa da agência, no caso, a Press Lusitânia, que a radiodifusão nasceu em Cabo Verde, em Maio de 1945. É pelo menos o que nos conta Manuel Tomas Diaz, considerado o pai da Rádio Praia, que depois viria a evoluir para a Rádio Clube de Cabo Verde.

Se a rádio nasceu de iniciativa privada, a agência cabo-verdiana de notícias é um projecto pensado e concretizado pelo Estado. Ao contrário do que foi a génese daquela que é considerada a primeira agência mundial, a Havas, fruto da perspicácia do poliglota, ex-banqueiro e ex-negociante, Charles-Luis Havas, nos idos de 1835, em Cabo Verde é o Estado (através do Governo) que reconhece a importância de uma agência nacional de notícias.

Desde logo, a agência deveria contribuir para reforçar os laços entre os cabo-verdianos residentes e os milhares de conterrâneos espalhados pelas sete partidas do mundo. Impunha-se também como forma de preservar a soberania nacional, reforço da coesão e identidade nacionais.

Era um serviço personalizado do Estado e como tal não devia pôr-se à margem do processo de desenvolvimento do país. Pelo contrário, a agência era vista como uma aparelho fundamental para consciencializar os cabo-verdianos da ingente tarefa de reconstrução do Estado que acabara de ascender à independência.

Aristides Pereira, o primeiro Presidente da Republica, citado pelo autor, clarifica a missão da futura agência cabo-verdiana de notícias, num contexto em que era imperioso “fazer face aos poderosos meios de difusão de ideias existentes, que chegam a dissolver as fronteiras nacionais”. À informação estava pois reservado um papel decisivo na preservação da nossa personalidade, do nosso património cultural e na informação e formação do homem novo, indispensável para a reconstrução do país.

À agência estava reservado um papel militante e pedagógico. Devia, no dizer do então secretário de Estado-Adjunto do Primeiro-Ministro, tutela da comunicação social, Corsino Fortes, levar a “verdade” a todos os cantos da nossa terra, seja ela a bela verdade das nossas vitórias e conquistas, seja o reconhecimento humilde dos nossos erros. A informação deveria ecoar em todos os cantos do nosso país cada passo dado no sentido de ultrapassar o desastre económico e a injustiça social que herdamos, indo assim ao encontro das imensas esperanças que conseguimos despertar no povo.

Esta imposição de sentido põe em causa alguns princípios basilares de uma agência de notícias: ela não toma partido em conflitos políticos ou armados, nem em questões sociais, laborais, religiosas ou ideológicas. Não tem opiniões, simpatias ou antipatias. É rigorosamente factual. A sua missão é informar, transmitindo aos clientes os acontecimentos de que tem conhecimento.

Ainda assim, importa enquadrar essa opção política/editorial no contexto social, político e económico em que surge. Para já, como lembra José Mário Correia, o país vira-se para dentro tentando refazer-se do golpe de estado que pusera fim à integração política e económica de Cabo Verde com a Guiné-Bissau.

Estamos em plena Guerra Fria. Uma nova estrutura dos sistemas internacionais de informação instituiu uma espécie de (re) divisão global das agências de notícias: do lado capitalista: AP, UPI, Reuters e AFP, constituíram um novo oligopólio, apelidadas de “Quatro Grandes” (ou Big Four), enquanto a TASS de Moscovo actuava como agência principal no bloco socialista, embora não exercesse monopólio de recolha e distribuição nos países satélites.

O terceiro mundo, por sua vez, ficou a mercê das quatro ou cinco agências internacionais, que detinham não só as tecnologias de transmissão como praticavam preços competitivos. Nos países em desenvolvimento, portanto, o jornalismo de agência foi desenvolvido como uma espécie de resposta às frustrações com a cobertura feita pelas agências do “Norte” (incluindo aí não só as potências ocidentais, mas também a URSS) e com um acentuado papel político no processo de construção das identidades nacionais que se seguiu à descolonização.

Em diversos casos, as agências nacionais eram uma questão de política de Estado, o marco regulatório sobre as suas actividades frequentemente lhes garantia o monopólio sobre a assinatura e a redistribuição interna do conteúdo das agências internacionais. Graças a esta estratégia, as agências nacionais do mundo em desenvolvimento exerciam um filtro primaz sobre o que se passava e dizia no exterior – particularmente o que fosse publicado a respeito do próprio país em questão. A agência era a mão do Estado fechando e abrindo, directamente, a porteira do gatekeeping, numa altura em que não existia a Google à disposição para mapear, buscar ou encontrar outras fontes de informação.

Na África, a enorme diversidade do continente e o longo e desigual processo de descolonização impedem uma categorização uniforme do jornalismo de agências africano. Contudo, podem-se detectar alguns traços comuns: o carácter demasiado oficial (institucional) no tratamento das matérias, por exemplo, a atenção dada a assuntos de viés positivo (em contraste com a ênfase em guerras, violência, tragédias naturais e humanas, dadas pelas agências transnacionais…

Além disso, as agências africanas foram pioneiras nas iniciativas de cooperação com as agências de outros países em desenvolvimento para ampliar e melhorar a circulação de notícias no sentido Sul-Sul, e não só Sul-Norte. É basta ver como as agências do Gana e da Nigéria lideram o movimento pela formação da agência de Noticias Pan-Africana (PANA), até hoje existente. Aliás, como nos faz saber José Mário Correia, a Cabopress mal viu a luz do dia, tratou de tecer uma parceria com a PANA, que era descrita pelo seu director como uma “voz africana para distribuir a sua informação sobre África… informação que é parte da soberania dos estados-membros…”

João Nobre de Oliveira, autor da monumental História da Imprensa Cabo-Verdiana (1820-1975), citado pelo autor, é mais peremptório na definição do controlo dos media pelo regime: “O peso do Estado na imprensa em Cabo Verde independente era assumido naturalmente pelo Governo do PAIGC. Este partido via-se a si próprio como o partido guia da sociedade, com legitimidade conquistada na luta pela independência e por conseguinte com legitimidade para impor o rumo que achava melhor à sociedade. Como todos os regimes de partido único, o PAIGC procurou controlar todos os mecanismos do exercício do poder e a imprensa era vista apenas como mais um desses mecanismos. Assim definiu muito rapidamente uma política para o sector e levou-a a cabo.

Se do ponto de vista político e a ideológico havia um rumo traçado para a agência, o mesmo não se poder dizer em relação às condições logísticas e humanas para o seu funcionamento. Criada oficialmente em 1984, embora os preparativos remontem a 1981, só em 86, o governo dota a Cabopress de um quadro de pessoal restrito, colocando-a em desvantagem em relação aos demais órgãos. A ausência de profissionais com perfil adequado é uma das razões que justificam o adiamento do início de funções da Cabopress. Não havia jornalistas na praça. Os poucos que existiam estavam integrados nos outros órgãos de comunicação social, nomeadamente, na RNCV, TNCV, Voz di Povo e Tribuna. Portanto, a agência precisava de gente que soubesse fazer um jornalismo especializado de agência.

A lógica de funcionamento da agência é a do funcionalismo público. Os directores e colaboradores estão ao serviço de uma Secretaria de Estado, que tinha a prorrogativa de definir as linhas gerais da actuação dos mesmos. A Cabopress estava totalmente dependente do Estado, entidade que suportava todo o orçamento de funcionamento e investimento da empresa e, naturalmente, decidia, sobre o perfil dos seus dirigentes e conformava os suportes legais que lhe conferiam existência formal.

1997 é o ano charneira na história da agência cabo-verdiana de notícias. Foi nesse ano que Cabopress foi extinta, 13 anos após a sua criação (1984) para dar lugar à Inforpress EP (1997). Portanto, no total são 27 anos de funcionamento, comemorados há dias com o fórum internacional das agências e o seu papel no reforço da democracia. Um percurso que esta obra pretende assinalar.

Não houve apenas a mudança de nome de Agência. Tratou-se, como explica o autor, de uma transformação do ponto de vista do reforço do poder dos órgãos de gestão, da própria filosofia de acção do meio, com a inforpress a assumir uma vocação empresarial. Os ventos da democracia também sopravam pela agência. Em teoria a Inforpress EP estava mais livre para agir.

Se a Cabopress encontrava-se amarrada aos Decretos e regulamentos, a Inforpress EP passa guiar-se por estatutos próprios. Um respaldo para a expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, permitindo-se, ao mesmo tempo, o fomento da participação cívica, social, cultural e política dos cidadãos. De igual modo, garantia-se “ a independência dos jornalistas e a liberdade de expressão e de informação (…) tendo como limites o direito de todo o cidadão à honra e o bom nome, à imagem e à intimidade da vida familiar.”

A tutela ocupar-se-ia mais da criação das condições para o exercício da actividade jornalística, dando mostras de querer afastar-se do controlo dos conteúdos. Pela primeira vez aparece o Conselho de Utentes, um órgão de consulta da Inforpress, com responsabilidades na definição da qualidade dos conteúdos e do pluralismo de expressão. No entanto, a tentação do poder político de se imiscuir na esfera editorial dos órgãos (uma vez que havia também o jornal Horizonte) ainda fala mais alto. É assim que o Governo se reserva o direito de designar três cidadãos de reconhecida idoneidade e competência para o Conselho de Utentes.

Com a reestruturação dos meios da comunicação social operada em 1997, dá-se a junção administrativa da agência noticiosa e Novo Jornal de Cabo Verde, na forma da Inforpress EP. Isto, apesar de alguns pareceres em sentido contrário. A própria Lusa advertia que a “fusão da Cabopress com o Novo Jornal (…) é mais um elemento de agravamento das dificuldades, em virtude da duplicação de redacções e outros serviços.

Diga-se, como de resto no-lo demonstra José Mário Correia, que desde o início o processo de reestruturação se revelou conturbado, com protestos generalizados do colectivo profissional dos dois órgãos fortemente apoiados pelo sindicato. Os trabalhadores diziam-se marginalizados em todo o processo para a qual não haviam sido minimamente envolvidos.

Franklin Palma, jornalista, que desempenhara funções de director e membro do conselho de administração da Inforpress, em declarações recuperadas pelo autor, confessa não guardar boas recordações desse controverso processo que juntou a agência e o jornal: “Há uma triste memória dessa coabitação, senão mesmo a pior fase da agência que, em meados de Setembro de 2000, viu a sua redacção tomada de assalto pelas hostilidades do exército do jornal Horizonte comandado por Apolinário das Neves assessorado por um grupo de brasileiros ao serviço do MPD/Governo de Carlos Veiga.”

A empresa parece afundar-se em dívidas para com terceiros, nomeadamente junto do Fisco e do INPS, para além de outros fornecedores. Na verdade, o percurso que vai da Cabopress à inforpress é descrito pelo autor como penoso e eivado de atritos, se se tiver em conta a própria história dos sucessivos periódicos (Voz di Povo, Novo Jornal de Cabo Verde, e Horizonte) que estiveram directa ou indirectamente ligados à empresa.

Assim que ganhou as eleições, em 2001, governo do PAICV confirma a sua determinação em desengajar-se da imprensa escrita. De resto, havia estudos que demonstravam que as dificuldades de sobrevivência do Horizonte iam absorvendo também os recursos da Agência. Esta era cada vez mais arrastada para uma posição de menor relevância no contexto dos órgãos de comunicação social, perdendo assim a quase totalidade dos seus clientes. Com a agência em situação de agonia, a ministra Sara Lopes ironizava, no encerramento do Fórum Comunicação Social em Momento de Viragem, realizado em 2006, que “o Horizonte comeu, literalmente, a agência de Notícias, ficando com todos os recursos humanos e financeiros e a agência praticamente desapareceu.”


Texto de apresentação do livro "Da Cabopress à Inforpress - Duas Décadas de Jornalismo"

Continua

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