sábado, maio 07, 2011

Liberdade de Imprensa

Como já seria de esperar não faltaram no dia 3 de Maio os habituais discursos, entrevistas e declarações proclamatórias sobre a liberdade de imprensa em Cabo Verde. A ideia que ressalta de todas as intervenções nesse âmbito é que estamos a avançar e que a liberdade de imprensa é um caminho rumo a um ideal, que não tolera recuos nem tão pouco obstáculos.




Penso que todos estaremos de acordo que o panorama da comunicação social cabo-verdiana tem conhecido transformações de variada índole. Esta mudança engloba aspectos que se prendem com a organização das empresas, os mecanismos de financiamento, os processos técnicos e tecnológicos de fabricação da informação, a recomposição social dos produtores e fazedores da informação e até os próprios circuitos e formas de interacção dos media com os seus públicos. A leitura desta realidade só fará sentido se inserida no contexto social, económico e político do país.


A liberdade de expressão e de imprensa é uma marca dos regimes democráticos. Mas entre a liberdade consagrada na legislação e na própria Constituição e as condições proporcionadas para o usufruto dessa liberdade vai uma grande distância. Isso quando não é a própria lei a impor limites ilegítimos ao direito de informar.



Todos nos lembramos da imensa pressão que se exerceu sobre os órgãos de comunicação social e os jornalistas, por parte dos partidos candidatos às eleições legislativas de 6 de Fevereiro, onde a CNE, usurpando competências da Entidade Reguladora da Comunicação Social – que ainda não saiu do papel –, não teve mãos a medir nas multas e nas coimas aos órgãos. E toda esta sanha por conta do artigo 105º do Código Eleitoral claramente inconstitucional.



Como de forma cristalina veio dizer o insuspeito constitucionalista Wladimir Brito “os artigos 48º e 60º da CR estão a ser contrariados manifestamente por essas disposições do CE, quando esses artigos da CR garantem a liberdade de imprensa e de opinião, exceptuando, naturalmente, os crimes de honra e o bom nome, etc.” Portanto, uma lei que impede os meios de comunicação social de fazerem o seu trabalho, em termos tão restritivos como faz o artigo 105º do CE, ofende de facto a liberdade, não só de opinião pessoal como também a liberdade de imprensa que é um valor sagrado no nosso sistema constitucional. Felizmente o Supremo Tribunal de Justiça deu razão aos meios de comunicação social que apanharam da CNE, fixando jurisprudência nesta matéria.



Vale lembrar que a democracia se estriba sempre na possibilidade de se exprimir livremente opiniões diversas e sobre o voto dos cidadãos bem informados. Os media e os jornalistas jogam por conseguinte um papel primordial no processo eleitoral ao assegurarem a circulação das informações bem como as opiniões e a sua confrontação. Eles permitem um melhor conhecimento dos candidatos, dos partidos e dos programas. Contribuem igualmente para a participação efectiva dos cidadãos no debate democrático ao trazerem para o centro da campanha temas de interesse geral.



Garantes da democracia, os jornalistas têm ainda um papel determinante na legitimação e na aceitação dos resultados das eleições, em particular nos países de transição democrática ou que estão a sair de uma crise.



Com essa limitação ilegítima ao direito de informar, os actores políticos não pretenderam outra coisa senão negar à imprensa a sua função de “watchdog” – cão de guarda das instituições perante os desvios, as prepotências e os abusos de poder, enquanto parte integrante do sistema de pesos e contrapesos característico dos regimes democráticos.
Enquanto o artigo 105º do CE não for revisto, o que pressupõe respeitar o limite temporal imposto pela CR, e aguardar que os partidos com assento parlamentar se ponham de acordo nesta matéria, não temos, do meu ponto de vista, motivos para exultação, até porque vêm aí mais duas eleições. Até lá a imprensa tem se sujeitar ao espartilho dessa lei.

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