terça-feira, agosto 18, 2009

Sobre o mau uso da língua portuguesa entre nós, e não só

Não pretendemos com este artigo trazer ensinamentos da língua portuguesa a ninguém, nem tão pouco meter foice em seara alheia, pois existe gente com qualidade, formação e em quantidade suficiente para o fazer.

Porém, constata-se que ela tem sido tão maltratada, e a sua utilização, seja na modalidade escrita ou falada, tem sido recheada de erros tais e tantos, que de tão repetidos, levam-nos a, não raras vezes, pensar se somos nós que desaprendemos ou se houve inovações que ignoramos.
Dantes, em grupo reduzido de amigos, ora de forma fortuita, ora provocada, reuníamo-nos e em encontros informais, trocávamos ideias sobre a problemática.

Da nossa parte, depois de tanto ver e ouvir, optámos por nos distanciar da questão e conseguimo-lo, embora parcialmente. Entretanto, a situação ganhou tamanha dimensão, o que nos levou a quebrar o nosso silêncio para chamar a atenção de quem de direito, para que a situação não se agudize mais, especialmente agora que a língua cabo-verdiana está num processo de oficialização, que esperamos seja para breve.

O português continua a ser a língua oficial do país e, como tal, deve ser tratada com mais respeito, até porque, em nosso modesto entender, com os faladores do português que existem e proliferam entre nós, vemos poucos dotados das condições mínimas para o ensino da língua crioula.

Repare-se que de entre o vasto leque de professores que enformam a classe docente, não muitos conseguem construir uma frase em português, curta que seja, sem erros. Diga-se, em abono da verdade, que também os há que o fazem tão bem, que até fazem inveja a muitos, especialistas na matéria e que exclusivamente a isso se dedicam no seu país, que se proclama, e com razão, como berço da língua em apreço. A excepção só vem confirmar a regra.

Não pretendemos ultrapassar com essas reflexões as fronteiras deste país, para não contrariar o que no início dissemos (não meter a foice em seara alheia), mas não resistimos à tentação de citar alguns exemplos de erros que frequentemente nos chegam, através dos meios de comunicação social, seja do pais “berço”, seja do nosso.

Vejamos alguns:

Eles hadem vir, quando devia ser eles hão-de vir (este mais lá do que cá)
Os meus alunos obteram boas notas nos exames, em vez de obtiveram…….
Ele foi um dos que se esforçou ao invés de ele foi um dos se esforçaram.
Pedro interviu intensamente nas discussões, quando devia ser interveio intensamente
Enfim, haveria múltiplos exemplos desses que poderiam engordar essa lista, mas não é esse o nosso objectivo e não cabe no âmbito deste artigo.

A sua verdadeira razão (do artigo) prende-se com parte do noticiário que na TCV ouvimos e vimos ontem (dia 12) durante o qual convivemos com o à vontade com alguns responsáveis nos brindaram com determinados e graves erros, atropelando impiedosamente a língua que Camões e vários outros, incluindo não poucos cabo-verdianos, tão bem souberam glorificar. Iremos tentar reproduzir dois desses momentos, pecando talvez pela não precisão das frases proferidas (não foram gravadas), mas não no essencial, que constitui a causa deste apontamento.

Disse-se:

1) O festival teve a aderência de grande parte….. O festival não pode ter aderência, mas sim adesão.
2) Os objectivos traçados pelo Partido X, no âmbito da juventude, vão de encontro ao plano traçado pela organização que dirijo.….. Ir de encontro significa embater, chocar, portanto discordância. O político em causa com certeza que quereria dizer: os objectivos…. vão ao encontro de, que significa coincidem com.

Infelizmente erros destes ouvem-se por todo o lado e a toda a hora, mas preocupa-nos mais, quando na classe política, por exemplo, um Deputado (o que acontece com frequência) diz que ele está ali para defender interesses que vão de encontro às pretensões daqueles que o elegeram, ou então quando um Advogado em defesa de um cliente e argumentando em pleno Tribunal, diz que a dissertação da acusação foi ao encontro da dele e portanto das acusações de que o seu cliente é objecto. Obviamente que uma boa interpretação da afirmação da defesa confundiria qualquer Juiz.

Cuidemos mais e melhor da língua que, embora não seja a nossa, é a que temos por oficial. Se se proporcionar numa próxima oportunidade voltaremos ao assunto.

Óscar Ribeiro
Fonte: asemanaonline

4 comentários:

  1. ... vi este artigo no Liberal on line.

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  2. Copiei isto aqui no Semana:

    Vamos lá dar mais uma lição de borla convocando o mito de Babel.Sim, nestas coisas linguisticas ha que ir sempre às fontes. Porque nos disseram que somos de cultura ocidental, apesar de fundamentalmente pretos, ha que portanto chamar à pedra um dos seus mitos fundadores: a metáfora das linguas.

    Para a Biblia, o livro dos livros é a confusao das linguas, porque o homem resolveu desafiar Deus. Desafiando Deus, a mao pesada caiu sobre os atrevidos que duma língua passaram a conviver com uma multidao de linguas. Havia que confundir a cabeça de um para nao entender a língua do outro, reza a Génesis. Da confusao das linguas nascia também o bem e o mal.


    O homem passaria a saber destrinçar as boas acçoes das más acçoes. Passaria a haver linguas do saber, os vernaculos sagrados, hebraico, grego, aramaico, arabe e latim, e as linguas profanas, digamos português, alemao, francês, crioulo etc.


    Mas paragrafos antes ainda no livro Génesis, o sofrimento do homem ja havia começado com a outra metafora do bem e do mal: o mito da sabedoria, a ética do bem e do mal, quando Adao e Eva resolveram provar o fruto proíbido. O fruto era o sexo de Eva que Adao provou e ficou consciente da sua nudez. Descobriu que tinha feito algo de mal, algo que nao era bem.

    Os dissabores do homem começavam porque nu e expulso do paraíso por Deus tinha que sofrer para poder comer e adquirir vestuario.Adao que nunca falava, que tinha apenas dirigido a palavra a Deus, descobriu a fala, começou a gaguejar dialectos, enquanto a Eva que nunca dava à lingua com o seu homem falara apenas com a serpente, o diabo que a tentou.

    Estávamos pois nesta selva de confusoes de espíritos e de linguas. Entrávamos no labirinto do ser e da essencia dos entes e das coisas. Criados à imagem de Deus, pecámos, fomos deitados assim para este mundo, como dizia inocentemente a minha avó, fazendo metafisica profunda que mais tarde eu descobriria na pena de Heidegger que também utilisaria a mesma expressao.

    Mas como? Como é que uns têm que devorar livros, manuais e enciclopédias entre diplomas e júris de teses e outros sabem tudo porque Deus assim quis?

    Como é que uns têm acesso a linguas sagradas complicadas e outros mal conseguem alinhar uns alupeques na lingua dita materna?Porquê toda esta confusao?

    Porquê todo este questionamento permanente, sem garantias de que falaremos amanha a nossa lingua e mais uns dialectos quaisquer sem autoridade nenhuma? Porquê esta recorrente constância na aprendizagem que nao tem fim? Seria o tal fim que nunca mais acaba porque nao ha uma compreensao consciente da teleologia? Ou será mais uma escatologia de um fim que teve um inicio sem fim?

    Mitos, diria o meu Mestre; metáforas e alegorias e outras figuras sem forma dirá a minha voz interior que me vai guiando entre saberes, tentativas de ignorância, quedas e levantamentos, caídas e recaídas? Quem sabe?!

    Alguém que mesmo cometendo calinadas de lingua vai fingindo entender linguagens e metalinguagens, discursos e metadiscursos...

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  3. AFINAL JA NAO TEMOS DIREITO DE OUVIR A RADIO NACIONAL NA INTERNET?

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  4. Lamento dizer isto, pois acho que comentários como este são de facto precisos. Mas o certo é que:
    - a terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo é OBTIVERAM.
    - e "ir de encontro" significa concordância (ver, por exemplo, aqui:
    http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=2824

    Cumprimentos

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