sexta-feira, junho 10, 2011

Conversa em Dia

A penúltima edição do programa “Conversa em Dia” da TCV aflorou alguns temas ligados ao jornalismo e à comunicação social cabo-verdianos, sobre os quais gostaria de tecer breves comentários.

Há vários anos que se fala da necessidade de os media cabo-verdianos adoptarem a figura do provedor, um mecanismo de auto-regulação que como os demais tem como objectivo melhorar o conteúdo e a oferta dos meios de comunicação social, beneficiando assim o público que é quem os consome.


Penso que neste particular, a AJOC não deve limitar-se a constatar, mas sim adoptar medidas tendentes a sensibilizar e incitar os jornalistas, os gestores dos órgãos, e os poderes públicos, no sentido de se concretizar esta medida. Por exemplo, a AJOC podia, à semelhança do que fez o sindicato dos jornalistas portugueses, em 1990, realizar uma grande conferência sobre a ética, a deontologia profissional e a responsabilidade social dos media, convocando especialistas nacionais e estrangeiros de molde a cotejar experiências e realidades de várias latitudes.

De todo o modo, se a nível da imprensa escrita a implementação da figura do provedor dos leitores pode ser feita no imediato, já o mesmo não se pode dizer em relação à rádio e à televisão públicas. Estes meios são responsáveis pela prestação de um serviço público devidamente garantido pela Constituição da Republica, pelo que qualquer intervenção, quer seja na esfera editorial, quer seja nos domínios da regulação, hetero-regulação e auto-regulação, deve ter respaldo legal.

Em Portugal, por exemplo, o provedor do ouvinte da RDP e o provedor do telespectador da RTP só passaram a existir depois da aprovação e publicação da Lei nº 2/2006 de 14 de Fevereiro que cria essas figuras nos serviços públicos de rádio e televisão. Estas entidades estão ainda contempladas na lei que procede à reestruturação da concessionária do SPRT e nos estatutos da RTP. Assim se constata que cabe ao Conselho de Administração indigitar os provedores, decisão condicionada a um parecer vinculativo do Conselho de Opinião. Até lá os directores dos órgãos públicos estão de mãos atadas.

Sobre a premente necessidade de se especializar os jornalistas, julgo que não podíamos estar mais de acordo. A dificuldade existirá porventura na forma de se conseguir esse desiderato. A quem deve ser assacada a responsabilidade por ainda não termos um jornalismo especializado? Aos gestores dos órgãos, aos jornalistas ou ao Estado? Julgo que a todos nós. Não creio que pelo facto de um jornalista evidenciar alguma vocação, uma propensão, ou que demonstre interesse (vontade) em trabalhar determinado tema, que isso o transforme em especialista nessa área. Deve haver, isso sim, um investimento na qualificação contínua dos jornalistas, quer a título individual, quer em decorrência da política de formação gizada pelas empresas e pelo próprio Estado. A espacialização do jornalismo cabo-verdiano passa também pela contratação de outras competências que não apenas as ligadas às ciências da comunicação. O que não ganharíamos se tivéssemos nas redacções jovens licenciados em Economia, Ciências Políticas, Direito, Relações Internacionais, Cultura, etc., e ainda detentores de conhecimentos próprios do ofício de informar?

Infelizmente continuamos a ter um jornalismo tendencialmente descritivo e generalista, apesar de alguns fiapos de inovação na imprensa escrita, sem que se possa contudo falar com propriedade de editorias especializadas. Não pretendo entoar loas sobre as vantagens da especialização, contudo, não restam dúvidas de que mais do que descrever os assuntos, os jornalistas especializados fazem analises e interpretações. É evidente que um jornalista especializado domina melhor os assuntos, cultiva fontes privilegiadas, organiza uma agenda e um arquivo pessoal que lhe são de grande utilidade. Por isso, dispõe de competências para interpretar e analisar os acontecimentos que noticia, ao contrário do jornalista generalista, que se fica pela superfície dos factos, destacando muitas vezes a aparência das coisas, olvidando a sua essência.

Uma última nota sobre a aparente fraca investigação jornalística na rádio, cuja responsabilidade se atribuiu às lideranças deste meio. Desde logo, parece-me despropositado comparar a rádio e o jornal (ainda para mais semanário) no que concerne à investigação. São dois meios com lógicas de funcionamento e gramáticas completamente diferentes. Enquanto a imprensa escrita se dá ao luxo de afectar um ou mais jornalistas para investigar determinado assunto durante vários dias, a rádio encontra-se refém do relógio, respondendo à actualidade com as armas que a distinguem dos outros meios: o imediatismo, a acumulação e a instantaneidade da transmissão. Não é à toa, aliás, que é considerada, muito justamente, a cavalaria avançada da informação, sem que com isso se pretenda dizer que não existe investigação jornalística na rádio. Em Cabo Verde ainda é a rádio que continua a marcar a agenda mediática.

Importa perguntar, em jeito de provocação, se teria sido possível desenvolver o “caso Watergate” na rádio, em vez de um jornal como o “Washington Post”? Seria viável alimentar durante mais de um ano, ao longo de dezenas de notícias, um caso com o impacto deste, apenas com fontes anónimas? Um presidente da Republica se demitiria por uma investigação feita por uma rádio, sem haver uma fonte identificada?

quinta-feira, junho 09, 2011

Não, obrigado

Antes que me venhas com mais disquisições sobre a comunicação social cabo-verdiana, um tema inesgotável, aproveito para te dizer que esta é a minha última carta sobre os motivos que concorreram para a minha desmotivação, e ditaram a minha decisão, não intempestiva, como parece, de fechar o ciclo como gestor de conteúdos da rádio público.

Não, não há lapso nenhum, leste bem, “gestor de conteúdos”, é o que os directores da RCV e da TCV são no actual contexto. Uma espécie de super-chefes de programas e, no limite, de informação, mas aqui claramente confinados à redacção central. Como deves recordar, o que tínhamos acordado era estabelecer um diálogo de um nível muitíssimo mais elevado sobre as politicas públicas para a comunicação social cabo-verdiana. É verdade que ainda não me debrucei sobre as questões com que me bombardeias logo no teu primeiro e-mail e que se prendem com a filosofia, os modelos de financiamento e de governação do serviço público.


Achei piada teres-me ligado ontem a queixar-te de fala de energia eléctrica, o que te privou de escutar o BOM DIA CABO VERDE. Sim porque, não sei se sabes, não trabalho na ELECTRA e acabo de cessar funções de chefia na RTC. Se te serve de consolo, acho que estás coberta de razão. Se pagas religiosamente a tua taxa de rádio e televisão todos os meses, tens o direito de ouvir as emissões da rádio pública onde quer que te encontres, ainda que seja através do velhinho rádio de pilhas.


De facto é de todo incompreensível que nenhuma das quatro delegações da rádio e televisão públicas possua um simples gerador de electricidade para responder aos constantes cortes de energia por parte da Electra. A radiodifusão em Cabo Verde é bastante antiga, remonta a 1945, e a RCV é herdeira principal desse legado histórico. É verdade que parece mentira, mas não é. A Rádio Nacional, formalmente criada em 1985, e a TEVEC (hoje TCV), cujos 27 anos de existência foram efusivamente comemorados em Março último, com o alargamento da emissão para 18 horas, até hoje não dispõem de geradores nos seus centros produção.


O facto de não teres podido ouvir o BOM DIA deve-se exactamente à inexistência de energia alternativa nessas delegações. Explico-me: quando se regista um corte de energia em S. Vicente, por exemplo, é toda a região norte que fica privada de escutar as emissões do operador público. Igualmente, e porque o sinal áudio enviado da Praia passa primeiro pelo Sal antes de chegar a Mindelo, se houver um corte de energia na ilha do aeroporto, toda a região de Barlavento fica impedida de acompanhar as emissões da rádio pública. Caricato não é?

Por causa desta situação, há dois princípios basilares do serviço público que são desrespeitados. A universalidade, isto é, a obrigatoriedade de o operador, no caso a RTC, fazer chegar a emissão onde haja um cabo-verdiano e, de preferência, em óptimas condições de audibilidade.


O segundo princípio é a continuidade. O serviço público não pode, em caso algum, ser descontinuado. Tomemos como exemplo, o serviço nacional de saúde. Imagina o que não aconteceria se os nossos hospitais não fossem contemplados com fontes alternativas de energia eléctrica. Houvesse um corte de electricidade, e isto já se tornou o “pão-nosso de cada dia”, todos os doentes ligados à máquina morreriam.


Estamos pois perante um problema de definição de prioridades. Hoje qualquer estação de rádio a emitir no país, por mais pequena que seja, como são os casos das rádios comunitárias, dispõe de um pequeno gerador (motor eléctrico) para no caso de…


Como deves calcular, para um programador, um gestor de conteúdos, é frustrante ver uma boa parte da sua programação cair por terra, ou ter que ser preenchida por música só porque, azaradamente, há um corte de energia na delegação onde ela estaria a ser produzida.


Peço desculpas por estar a maçar-te com os pormenores técnicos, mas não faz sentido falar da rádio, sem os nomear. Suponho que deves estar a par da intenção do governo em introduzir em Cabo Verde, em Junho de 2015, a televisão digital terrestre. E a rádio, será que também não têm direito a um up grade em termos da qualidade sonora? Não gostaria de esgotar a tua paciência descrevendo as virtualidades que a rádio digital traria para um país arquipelágico como o nosso. Se estiveres interessada aconselho-te a espreitares o meu blogue, onde coloquei uma série de artigos sobre esta matéria, com destaque para o DAB.

Perguntas-me sobre a digitalização da rádio e dos arquivos. E eu a pensar que estes assuntos não te interessavam! O projecto de digitalização da rádio vem atrasado há pelo menos uns 15 anos. Com base na carolice de alguns jornalistas e técnicos, a RCV adoptou, nos inícios do ano 2000, ferramentas de edição e gestão de conteúdos. Desde essa altura até hoje vem trabalhando nesse ambiente digital, apesar de boa parte desses softwares não ser profissional. Ainda assim, pode dizer-se que a Rádio Nacional fez há muito tempo a transição do analógico para o digital, ao contrário da televisão que só agora enceta esse passo de gigante. Estamos actualmente na fase de instalação de um sistema integrado e profissional, que vai interligar as várias fazes de produção e de gestão de conteúdos.


Termino esta carta que já vai longa com uma menção à RCV+. Desde que iniciei o segundo mandato, constatei que o projecto do segundo canal não era do agrado do actual conselho. Aliás, só assim se explica que se me tenha sugerido transformar o canal jovem num canal para as comunidades emigradas.

Os obstáculos e o desinteresse em investir na RCV+ saltam à vista dos menos visados. Em Dezembro último, o canal comemorou 3 anos de existência. Pelas nossas previsões, o canal já deveria estar a ser ouvido numa boa parte do território nacional. Infelizmente depois de ter sido inaugurado com pompa e circunstância, a RCV+ apenas tem emissores na Praia e no Mindelo.

É verdade que mesmo dentro da própria rádio nacional há gente que nunca entendeu filosofia que norteou a criação da RCV+. Há também quem considere que se deveria ter optado por um outro modelo de rádio menos temático. Por exemplo, há quem defenda que a RCV+ deveria receber uma parte considerável da programação da RCV, numa espécie de distribuir o mal pelas aldeias.


A criação do segundo canal é um sonho que os profissionais da rádio pública acalentam há mais de 20 anos. Apesar de alguma insistência, nunca houve vontade “política” dos conselhos em avançar com o projecto. Justiça seja feita ao Dr. Marcos Oliveira. No estudo de consultoria mandado realizar recomenda-se claramente a abertura ao segmento jovem. Os inquéritos realizados pela DGCS demonstram à saciedade que os ouvintes que preferem a RCV situam-se numa faixa etária que não é propriamente a juventude. E isso explica-se com a segmentação do mercado que advém do aparecimento das rádios, acentuando-se cada vez mais com as televisões. O modelo de programação que antes consagrava uma hora de conteúdos para os mais jovens na grelha generalista esgotou-se e era preciso ir ao encontro das expectativas dos mais novos. Não se inventou nada. É esse o destino das rádios públicas em todo o mundo.


Infelizmente quer aqui, quer em Portugal, o operador público apercebeu-se dessa realidade quando os privados já estavam devidamente implantados no mercado. Quem se der ao trabalho de ler o projecto de criação da RCV+, há-de constatar que outra coisa não se pretendeu que não fosse ter um canal que cumprisse as obrigações em matéria de programação para os adolescentes e os jovens, um segmento que paulatinamente se foi distanciando da programação institucional da RCV. Não foi à toa, aliás, que a inauguração foi feita pelo Presidente da Republica.


Ora, como se explica esse desinteresse a que se votou a RCV+, indo ao ponto de condicionar futuros investimentos em recursos humanos e equipamentos a níveis de audiência.


Noutro dia estava eu a falar com o gestor de uma dessas rádios temáticas que se mostrava muito cáustico em relação à RCV+, um canal comercial, dizia, e que não tem qualquer razão de ser. Que ignorância! Ou será esperteza saloia? Dizia-me esse especialista que a criação da RCV+ foi um tiro no pé, pois corre-se o risco de ter mais audiência que a própria RCV. Se fosse em S. Vicente dir-se-ia “grande escabês”.

Mesmo que algum dia a RCV+ venha a ultrapassar a RCV no nível de audiência, não será nenhuma desgraça porque ela representa a RCV. Isso quererá dizer que pelo menos estamos a satisfazer as expectativas dos jovens cabo-verdianos. Veja-se o caso da RFM em Portugal que bate de longe a Rádio Renascença. Quem sabe se num futuro próximo a RCV+ não irá contribuir para o rejuvenescimento da rádio pública.


O que a concorrência quer é que se acabe com tudo o que lhes emagreça o bolo publicitário. Que se feche a RCV+, ou que seja travestida um canal para a diáspora, que se acabe com o portal da RTC e que se elimine a publicidade da TCV e da RCV. Se a solução for mais radical, como por exemplo, privatizar a rádio e a televisão públicas, tanto melhor. Viva o mercado!


Tenho que te pedir desculpas por me ter alongado demasiado nesses desabafos de consciência. Se pela leitura dessas cartas terás pelo menos entendido os motivos que me levaram a “bater com a porta”, sentir-me-ei recompensado pelas horas subtraídas às minhas férias. Concordo que as “razões pessoais” não se discutem, mas quando se alega desmotivação para não se continuar à frente de determinado cargo é porque há elementos, há razões, há factores, que determinaram esse estado de espírito, impelindo a decisão de saída. Foram, no fundo, esses os motivos, as frustrações (muito mais haveria a dizer, mas julgo que apenas teriam a virtude de reforçar o que acabo de te contar), uma boa parte do conhecimento dos meus colegas de equipa e da própria administração, que tentei expor nesta correspondência que já vai longa. Como te disse no início, acredito num serviço público de qualidade e por ela comprarei as guerras que forem necessárias.


Uma coisa é certa: Quando um director de uma Rádio Nacional de um país já não tem competências para autorizar o estágio de um aluno dentro da redacção de ele é o responsável máximo e objectivo; quando o director de uma rádio de serviço público não tem poderes para conceder um pequeno patrocínio, em jeito de apoio cultural, a um grupo musical ou de teatro, porque quer num caso, quer noutro, são competências exclusivas do presidente do conselho de administração, alguém já está a mais…

Por isso, a afirmação de que “para esta administração Carlos Santos permaneceria Director para sempre”, só pode ser entendida com uns óculos de ironia.

Depois do festival da Gamboa, também como um cabo-verdiano de gema adoro festas, sobretudo onde há muito povo, vamos reflectir sobre a natureza do serviço público de rádio e televisão que temos em Cabo Verde, os modelos de financiamento e de governação. Pelo caminho iremos comentando o que de mais importante for acontecendo na paisagem mediática cabo-verdiana.

Teu amigo
Carlos Santos


Achadinha, 20 de Maio de 2011

terça-feira, junho 07, 2011

O Social Porreirismo

Folgo em saber que ainda, apesar de não estares a trabalhar na área para a qual passaste quatro anos e meio a graduar-te, continuas com a mesma preocupação de estares informada. Ainda me vais ter que explicar um dia desses como é possível que alguém formado em Ciências da Comunicação tenha como principal actividade profissional estar atrás de um balcão a vender grogue, cigarros e outras bugigangas. Adiante…


Tens toda a razão, já me tinha apercebido disso. De facto, nos últimos dias os políticos, de um lado e do outro do corredor do poder, têm-se desdobrado em visitas e contactos com os profissionais da comunicação social. É como se estivessem a preparar-se para algum debate sobre a comunicação social, daqueles que por mais que se fale, dão sempre em nada.


Depois das muitas declarações sobre a liberdade de imprensa – a propósito, a TCV passou uma reportagem interessante na qual se percebe que em Cabo Verde existem vários níveis, ou se quiseres, velocidades, da liberdade de imprensa, o que quer dizer que não se pode generalizar – os actores políticos dão a sensação de estarem a preocupar-se um pouco mais com a comunicação social.


Digo sensação porque tenho que te confessar, fiquei desiludido com o debate do programa do governo no Parlamento, no que concerne à comunicação social. Já ia dizer “nenhuma palavra”, mas a um jornalista exige-se rigor. O programa do executivo é bastante lacónico em relação ao sector, preferindo tecer loas sobre as suas virtualidades enquanto esteio da Democracia. Ao incluir, e bem, os media no eixo Reforma do Estado, esperavam-se propostas e medidas de política concretas com vista a erigir a comunicação social num vigilante dos vários poderes, numa peça fundamental do sistema de pesos e contrapesos característico das democracias modernas…


Caso tenhas acompanhado o debate pela rádio, recordas-te com certeza da bateria de perguntas sobre o sector da comunicação social desferida pela deputada estreante, Eva Marques, do MPD. Algumas até muito sensíveis, como é o caso da privatização da Rádio Nacional e da Televisão Nacional e da criação da Entidade Administrativa que um dia há-de regular a actividade da Comunicação Social. Nenhuma reacção por parte do Governo. Nada! A ministra Cristina Fontes lá desfiou as peças que enfeitam a paixão do executivo, a reforma do Estado, mas sobre a comunicação social… zero.


Confesso-te que sempre que o MPD fala na privatização da RTC sinto calafrios. Não sei se as perguntas da jovem deputada espelham a sua convicção enquanto cidadã, se eram ingénuas, lançadas assim ao jeito de “quem não quer a coisa”, ou se se tratou de uma casca de banana atirada sub-repticiamente para o ministro da tutela, Rui Semedo, escorregar e cair no politicamente incorrecto.


Sim porque, se me recordo, o manifesto eleitoral do MPD em nenhum momento fala em privatizar os órgãos de serviço público. Pelo contrário, as ventoinhas vão até muito longe nas propostas que fazem para reforçar os órgãos públicos. Mas sei que há gente da esfera do maior partido da oposição que defende a privatização pura e simples da RTC. Por ora, peço-te que não esgotemos esse debate.

O que certo é que nestes dias, dirigentes dos dois partidos têm sido pródigos nas propostas sobre a comunicação social. O próprio Primeiro-Ministro admite que o governo vai engajar-se na busca de financiamentos para continuar o processo de modernização tecnológica da RTC; A deputada Filomena Vieira garantiu que vem aí, finalmente, o tão aguardado plano estratégico para os media nacionais que beneficiarão ainda de alguns investimentos que estarão previstos no Orçamento do Estado para este ano. Aliás, achei curioso a deputada ter-se limitado a pedir um centro de produção digital e não uma televisão regional para S. Vicente. É disso que a ilha e a região norte precisam, não tenhamos ilusões.

A propósito esqueci-me na minha última carta de me referir às declarações do PM sobre o pluralismo, que considera existir sobretudo no serviço público. Não sei como é que os privados hão-de reagir… Um outro dado importante dessa curta intervenção, depois da visita às instalações da TCV, prende-se com a necessidade de haver mais qualidade nos conteúdos produzidos. Apetece-me dizer: espetou o dedo na ferida! Havemos de falar sobre isso um dia destes, de preferência antes de as minhas férias terminarem.

Depois de andar à deriva, regresso ao assunto que motivou esta troca, por enquanto, fluida de comunicação. Na minha anterior mensagem julgo ter-te esclarecido sobre os mecanismos de nomeação do Director, Delegado e Chefe de Divisão.


Pois bem, falemos agora de algumas aspectos que, não tenho pejo em dizê-lo, continuarão a emperrar qualquer dinâmica que se queira introduzir na rádio pública. Comecemos pela gestão dos recursos humanos que, diga-se, nunca constituiu prioridade das sucessivas administrações. Foram anos de laxismo e de deixa andar, a tal ponto de hoje a situação requer reformas consistentes, e não paliativos. Como se não bastasse, os Directores das estações sequer detêm poderes disciplinares, porquanto estes são da estrita competência da administração.

Por serem do domínio público, não me coíbo de te falar de dois casos gritantes de indisciplina que não mereceram do conselho de administração qualquer reparo.


Um primeiro diz respeito a uma carta aberta publicada no jornal A NAÇÃO por um jornalista, como forma de protestar pela instauração pelo conselho de um processo disciplinar a um seu colega. Na carta, o jornalista, que já desempenhou funções de chefia na RTC durante vários anos, desanca o director, mimoseando-o com atributos que nem a um inimigo repulsivo desejamos. Na ocasião, pedi ao Conselho que analisasse o caso, pois estávamos perante uma situação insólita, quanto mais não seja porque a AJOC, sem se dar ao trabalho de esclarecer junto da administração e da direcção o que de facto teria acontecido, achou por bem acusar a direcção da rádio de estar a perseguir o trabalhador.


Sabes qual foi a resposta da administração? É de morrer a rir: pedir-me para, demonstrando a minha nobreza de espírito, convidar o jornalista para um café. É de facto risível! Repara que em nenhum momento requeri qualquer sanção disciplinar para esse jornalista, pretendia apenas conhecer as suas motivações para agir da maneira como o fez nas páginas dos jornais. Resultado: acabei por ficar com os mimos e os desaforos… É evidente que esse tipo de impunidade faz escola e contribui para fragilizar o director.


Os feitios, as manigâncias e as arrogâncias, sejam de quem for não me impressionaram, sobretudo quando vindos de colegas de profissão. Tenho-me como uma pessoa frontal. Não sou do género de dar palmadinhas nas costas e depois trucidar a pessoa na sua ausência. Não me escondo debaixo da saia do anonimato para, em comentários demolidores, mas covardes, nos on-line, apoucar e enxovalhar pessoas. Não decanto em público tiradas de proeminentes pensadores, nem apregoo valores espiritualistas grandiloquentes que, acto contínuo, são contraditados pelo meu comportamento mesquinho nas relações sociais. Isto é hipocrisia e cinismo, fraquezas que a minha evolução neste planeta já extirpou.


De quem aliena os valores sacrossantos da profissão de jornalista, quais sejam, a ética, a independência e a credibilidade, só para citar estes, desempenhando, ao mesmo tempo, a actividade de propaganda, incompatível com o ofício de informar, a troco de patacos, não tenho lições de probidade, honestidade e muito menos profissionalismo a receber, ainda que a minha postura tenha sido sempre (e continuará a ser) de abertura de espírito, de humildade para aprender. Lá diz o povo na sua eterna sabedoria, quem tem telhados de vidro…


Um outro caso gritante de indisciplina aconteceu na sequência de uma decisão da direcção de não incluir na grelha principal da rádio, depois da pausa do verão, o programa de debate feito a partir do Mindelo, “Palavras Cruzadas”.


Depois de me ter disponibilizado a dar explicações ao jornalista, fundamentando a decisão da direcção, sou surpreendido com uma carta escrita pelo editor do programa, na qual acusa-me de ter “faltado à verdade”. A carta, num tom deveras insolente, para além de ser remetida às pessoas que semanalmente colaboravam no programa, foi enviada através da internet para uma vintena de pessoas amigas ou próximas do jornalista, estranhas, contudo, ao assunto. Apesar de ter dado conhecimento ao presidente do conselho dessas manobras, este se manteve quedo e mudo… no seu quadrado.


Incentivado com o silêncio dos gestores da empresa, o jornalista voltaria à carga no seu jornal on-line “Notícias do Norte”, ridicularizando o director e amplificando, inclusive com juízos de valor, como é timbre desse escriba, os insultos e as ofensas veiculados no facebook contra a minha pessoa.


Coligi os textos publicados nesse pasquim on-line e pedi ao conselho que se pronunciasse. Na nota remetida ao PCA dizia-lhe que caso não houvesse uma posição inequívoca da empresa em relação a mais este caso de rebeldia que seria forçado a concluir que já não tinha a confiança institucional do conselho. Até hoje desconheço qualquer iniciativa desencadeada pela administração da empresa visando por cobro a esse acto a todos os títulos inqualificável. O jornalista, cujo nome prescindo de “mentar”, deixa entender que tem contas velhas a ajustar comigo, quiçá desde a minha passagem pela chefia da delegação do Mindelo. Pois bem, cá as aguardo, pelo menos agora posso defender-me, uma vez que já não me encontro preso ao colete-de-forças da chefia e nem me considero mais sujeito ao dever de reserva.


Deves também ter dado “fé” da celeuma desnecessária que se criou em torno da suspensão temporária do programa musical “Quando o Telefone Toca”, legitimamente decretada pela direcção. Não me vou alongar nos comentários a esta e outras decisões consideradas polémicas, pois tenciono pronunciar-me em breve, e em detalhe, sobre estes “casos” que tantos mal-entendidos fizeram correr.


O que me deixou deveras perplexo foi ter sabido que houve alguns políticos, pessoas a quem devotava a máxima consideração e respeito, mas que se mostraram autênticos liliputianos, que exortaram o governo no sentido de intervir e pôr cobro aos desmandos da direcção da RCV. Alegavam que não se podia tolerar que a direcção da rádio tomasse medidas (explicitamente referiam-se ao programa musical QTC) susceptíveis de mergulhar uma ilha e toda uma região no silêncio! Agora não tenho dúvidas: a culpa por S. Vicente ter parado no tempo, ruminando os tempos áureos do Porto Grande e da radiodifusão, é dos políticos. Talvez coragem terá faltado a essa gente para, abertamente, trazerem a lume, o “Palavras Cruzadas” e, já agora, o “Noite Ilustrada”.


A isso se chama resvalar para o chavascal da política. Com tantos problemas por que passa S. Vicente, sobretudo os de índole social, e os nossos políticos entretidos a discutir a suspensão temporária pela direcção da rádio, de um programa de música. Convenhamos!


Teu amigo
Carlos Santos