terça-feira, setembro 15, 2009

E tudo a chuva levou...

Elisângelo Ramos
O Festival de Música, este fim-de-semana, na Praia de Santa Maria, no Sal. Consequência da chuva que Sábado e Domingo bateu sobre o País. A suspensão do certame põe, entretanto, a nu as fragilidades da produção cultural no País. Apupada pelos festeiros - desiludidos - a Organização - também triste - pediu desculpas e deu vivas a chuva. A este propósito publicamos o comentário do Jornalista Elisângelo Ramos, emitido esta segunda-feira, 14 de Setembro de 2009, no Pulsar Cultural da RCV.

A queda do Festival deveu-se a necessidade de garantir a segurança – de pessoas e bens. Por esta razão se procurou justificar a suspensão do evento. Uma justificação, diga-se, subjectiva. A única culpada pelo episódio seria a chuva que felizmente do alto do céu não tinha acesso ao microfone para se defender.

Os factos: após se ter reunido com artistas, técnicos de som, palco e iluminação a Organização decidiu pela suspensão do certame. A comunicação da decisão ao público no areal de Santa Maria, para quem ouvia a RCV, era algo indesejado para Jorge Figueiredo. Para um político é sempre difícil ser portador de más notícias.

A seu aparente favor tinha a chuva. A Empresa responsável pela sonorização dos espectáculos contava já alguns equipamentos danificados e apontava outros em estado de observação.

Embora seja legitimo julgar que esses equipamentos devam estar cobertos por algum seguro é de se compreender as razões que levaram o responsável pelo sistema de som a optar pelo seguro. Tanto mais que recordou: água e electricidade nunca fizeram casamento. Nada podia ser feito aquela hora – tudo era para ser feito antes, muito antes. E é aqui que as justificações para tanto investimento sem retorno (antes pelo contrário Santa Maria terá que reconquistar a credibilidade perdida) não colhem do ponto de vista da produção cultural.

O ocorrido vem abrir – caso haja gente aberta a fazê-lo – dizíamos, vem lançar o debate sobre em que condições logísticas são realizados os festivais de música em Cabo Verde.

É sabido - é tradição: festivais de música no País quanto mais sobre a boca do mar – melhor, e todos os festivais por cá realizados em época das chuvas – têm sido autênticos desafios a força da natureza e da resistência humana, cientifica e tecnológica.

O programador e planeador de qualquer evento deve ter sempre como primeira abordagem de trabalho uma equação transversal que não se resume ao espectáculo em si mas que concorrem para o sucesso ou desastre do mesmo.
Os poderes instituídos sempre podem dizer que em Cabo Verde inexistem espaços para eventos semelhantes. Real e tristemente não existem. Apontar no País um espaço cultural que garanta, pelo menos, a resposta às múltiplas exigências; de segurança, acústica, alimentação, saneamento, protecção ambiental e mesmo de transporte.

Todas as instituições que são chamadas – as vezes tardiamente – na realização deste ou daquele festival – são quase sempre contactadas em cima dos joelhos. Um trabalho que face a ausência de espaços paridos para esse tipo de evento acaba por ser defeituoso para todos.
O trabalho de improviso e/ou as pressas impera, em detrimento da programação e do planeamento.

Daí que os prejuízos económicos e financeiros resultantes do episódio deste fim-de-semana na Ilha do Sal sejam assacados aos promotores do evento. Não se pode culpar a natureza pela ausência de um acto humano. A atitude e decisão do planeamento, calendarização, logística e programação do Festival foram obra humana. O Homem erra. Mas convenhamos que os prejuízos poderiam ser evitados caso as condições logísticas fossem encaradas como rubricas fundamentais no desenho e na orçamentação do Festival.

É que nem sempre - e desta vez ficou provado – nem sempre é o artista o dono do espectáculo. O planeamento combinando a natureza e a criação humana bem poderia ser uma resposta eficaz as eventualidades climatéricas.

Mais: os acontecimentos de Santa Maria interpelam os poderes políticos para a necessidade de se dotar o País de infra-estruturas culturais para a realização dos Festivais de Música; combinando os interesses financeiros, ambientais e culturais. Em resumo: a tão propalada indústria cultural não se compadece com uma agenda de adiamentos sucessivos.

Nunca se saberá quanto o País perde com a suspensão do Festival, assim como nunca há de se saber porque motivo muitos apuparam a Organização do Festival que mesmo não tendo total responsabilidade pelo facto não deixa de ser a principal visada.

Cabo Verde tem excelentes produtores e agentes culturais capazes de assegurar os caprichos do céu. Portanto vir dizer que a chuva estragou tudo é desculpa que não colhe, por ser o Festival de Santa Maria um evento de teor profissional e longe do amadorismo de outros tempos. O trabalho de casa começa exactamente na proposta de orçamento municipal e na aplicação da política cultural autárquica, e do Governo que sabe também da sua quota-parte de responsabilidade; não fosse a segurança em toda a sua plenitude, também, uma função do Estado.

Os Festivais de Música em Cabo Verde são – hoje – um elemento de promoção cultural que ultrapassa de longe os limites do entretenimento e de lazer. Mais do que dar música ao vivo nas praias de Cabo Verde são provadamente uma importante fonte de receita ao bolso público e de milhares de cidadãos; de muitas famílias que apenas vivem desse expediente. Depois de meses de trabalho e milhares de contos investidos o Festival de Santa Maria morreu na Praia. Resta saber se o contribuinte será, uma vez mais, chamado a pagar o prejuízo.

1 comentário:

  1. É preciso repensar... os festivais de verão.... Mais... directa ou indirectamente somos obrigados a pagar também pela sua (nossa)saúde. Olha o cigarrinho! :)
    Eu tb fum mas,

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