segunda-feira, março 26, 2012

A Espiral do Silêncio

De quando em vez ouvem-se reclamações de deputados e presidentes de câmara quanto à necessidade de se instalar uma delegação da RTC no seu concelho ou na sua ilha. Julgo tratar-se da expressão de uma reivindicação legítima das populações locais. No entanto parece-me que o sufoco financeiro que atravessa a concessionária do serviço público de rádio e televisão não lhe permite erguer semelhante estrutura em cada ilha. Nem penso que esta seja a forma mais apropriada para tirar da zona de penumbra mediática vários recantos deste país. Prometer espalhar, nos tempos mais próximos, delegações pelas ilhas soa a populismo e à irresponsabilidade. A abertura de delegações da RTC, com os inerentes custos de funcionamento, na lógica da satisfação de interesses, muitas vezes, político-partidários tem dado os resultados que se conhecem. A delegação da Assomada é um exemplo desse tipo de expediente.

Coisa diferente, perfeitamente exequível, é colocar nas ilhas, onde ainda não existem delegações da RTC, jornalistas profissionais, polivalentes, equipados com meios técnicos indispensáveis de tal sorte que possam, diariamente, trazer à antena nacional os principais acontecimentos da ilha ou do concelho. Imaginemos os ganhos em termos de rentabilidade social que este modesto investimento não traria para as ilhas de S. Antão, S. Nicolau, Maio e Brava… O modelo adoptado para a Boa Vista, onde existe apenas uma jornalista para os dois órgãos, TCV e RCV, deve ser reforçado com mais recursos humanos e técnicos.

Embora reconhecendo o esforço e a dedicação de alguns correspondentes, entendo, todavia, que a aposta deve ser em jornalistas a tempo inteiro. As obrigações de serviço público que recaem sobre os ombros da RTC, nomeadamente, a de espelhar as realidades regionais, não se compadecem com o amadorismo e o part-time que têm caracterizado a informação de algumas ilhas e concelhos. Como pode, por exemplo, um cidadão do Maio, Brava ou de S. Nicolau aceitar que, pagando a taxa da RTC como outro qualquer da Praia ou de S. Vicente, não tenha sequer direito ao trabalho de um jornalista profissional que lhe conte, com uma periodicidade aceitável, na televisão pública, as “estórias” da sua terra e das suas gentes?

Urge também reflectir sobre o percurso e o desempenho das delegações. Ou seja, avaliar os resultados em função dos objectivos, das estratégias e dos meios de produção. Importa indagar até que ponto as populações do Fogo (não apenas a de S. Filipe) e da Brava viram as suas necessidades em matéria de informação, formação e entretenimento supridas com a instalação da delegação regional da RTC na ilha do Vulcão. O quotidiano dos cidadãos do vasto e disperso interior de Santiago está a ser reflectido pela estrutura de produção de conteúdos de Assomada? As expectativas das pessoas da Boa Vista estão a ser satisfeitas pela delegação do Sal?

Depois de vários anos a debater-se com uma gritante falta de meios técnicos, foi inaugurada em S. Vicente, no início de 2007, com as habituais pompa e circunstância, um estúdio de produção que, dizia-se na altura, estava equipada com o último grito tecnológico em matéria de produção televisiva. Finalmente tinha chegado o momento porque tanto os mindelenses ansiavam: uma televisão que ia mostrar S.Vicente a Cabo Verde, a partir do Mindelo. Tinha acabado essa estória de ver o país pelos olhos da Praia. Esse sentimento foi expresso pelo povo nas entrevistas de rua que antecederam o tão aguardado momento.

Cedo as virtualidades tecnológicas mostraram que não estavam à altura das demandas e desafios preconizados, não por falta, diga-se, de inúmeros avisos por parte dos realizadores, operadores de imagem e alguns jornalistas. Como se não bastasse, o tão propalado estúdio que iria tirar a ilha e a região do isolamento, de tão exíguo (sem profundidade de campo suficiente), só serve como apêndice do Telejornal.

Há nisto tudo algo que me faz matutar. Com muito menos recursos técnicos do que hoje, a divisão da TCV no Mindelo produzia, nos idos de 1995, três grandes programas semanais: “Estrela da Noite”, um programa de variedades, com público, gravado no auditório, entretanto transformado em lixeira; “Aos Pares”, um magazine jovem, e um musical “Alta Frequência”. Para além, disso ainda havia produções pontuais assinadas pelos realizadores João Gomes e Aristides Silva.

2 comentários:

  1. Sem dúvida que naquele tempo até podiam fazer mais do que agora. Mas e a qualidade?programas como Alta Frequência, Aos Pares, etc podemos neste momento fazer um por dia. E a qualidade?Estes programas foram feitos com grande esforço na época precisamente no sentido de sensibilizar a Administração para a questão de falta meios nesta delegação.Para quem lê este artigo fica a impressão de que os profissionais desta casa não fazem mais porque não querem, o que é um erro.

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  2. A intenção não foi apoucar os profissionais da delegação do Mindelo e nem tão pouco a sua dedicação e profissionalismo. Não escamoteio a situação periclitante por que passa essa estrutura. Apenas, em nome do rigor, recordei o facto de, mesmo com parcos recursos técnicos se terem feito bons programas. Quanto à qualidade em televisão, como sabe, ela é discutível e tem dado várias teses de doutoramento, sem que se chegue a uma conclusão... podemos discutí-la se estiver interessado, mas com uma condição, identifique-se primeiro.

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