quarta-feira, junho 09, 2010

O acesso aos documentos administrativos

A existência de uma longa tradição de segredo na administração, em nome de razões de segurança interna e externa ou de pura operacionalidade burocrática, impediu durante longos anos que se reconhecesse o direito dos jornalistas a conhecer os documentos em poder do Estado.

Para se ter uma ideia, em Portugal, só em 1991, deu-se um importante passo no acesso dos cidadãos aos documentos administrativos, com a publicação do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que garante, entre outros, o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos, bem como à consulta do processo e à passagem de certidões.

Com a publicação, em 1993, da Lei sobre o Acesso aos Documentos da Administração (LDA), todos os cidadãos passaram a exercer aquele direito, em execução do princípio da administração aberta consagrado na CR. Ao contrário do que se pensa, este direito de acesso é extensivo a qualquer pessoa, independente da comprovação de interesse específico ou legítimo, pelo que os jornalistas podem exerce-lo, como qualquer cidadão.

Além disso, instituiu-se a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Uma entidade independente que funciona junto da Assembleia da Republica, competindo-lhe zelar pela observância das disposições relativas a esta matéria.

O Estatuto dos Jornalistas de 1999 veio garantir de forma mais efectiva aquele direito, permitindo os jornalistas o recurso ao disposto nesse código, que conferem direito à obtenção de informações, à consulta de processos e à passagem de certidões.

De realçar que o dever de informar impende não apenas sobre os órgãos de administração pública previstos no CPA, mas também sobre um vasto leque de empresas do sector público, concessionárias do serviço público ou de uso privativo ou exploração do domínio público. Contra a recusa ilícita de acesso, o interessado pode recorrer aos meios administrativos ou contenciosos que no caso couberem, bem como clamar para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos que apreciará a reclamação com carácter de urgência.

Como sucede com todos os direitos, também o acesso dos jornalistas aos documentos administrativos não é ilimitado, comportando excepções, em nome de outros direitos que merecem igual protecção jurídica. São os casos dos processos em segredo de justiça; dos documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação especifica; dos dados especiais que não sejam públicos; dos documentos nominativos relativos a terceiros.

Como gostamos de imitar Portugal em tudo, o Estatuto dos Jornalistas cabo-verdianos acaba de conhecer uma limitação profunda no acesso dos jornalistas a determinadas fontes, nomeadamente, no que concerne aos documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativos à propriedade literária, artística ou cientifica, bem como aos documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual.

Assim fica difícil fazer jornalismo de investigação e cumprir com frontalidade o papel de “cães de guarda” das instituições democráticas a que os media estão obrigados.

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