segunda-feira, maio 06, 2013



Em entrevista a Cabo Verde Directo, o jornalista da RCV não se esconde por detrás de palavras de conveniência ou de redondilhas. Os critérios seguidos por organizações internacionais para avaliar a liberdade de imprensa são “abstratos e generalistas” 



Cabo Verde Directo - Vários relatórios internacionais têm sido muito lisonjeiros com Cabo Verde em matéria da liberdade de imprensa, mas fica a ideia de que não passam de generalidades e são até discutíveis os critérios de avaliação. Há mesmo liberdade de imprensa em Cabo Verde?

Carlos Santos - Do ponto de vista formal, da legislação, não duvido de que existe todo um ambiente que propicia o usufruto da liberdade de imprensa no nosso país. No entanto, não se pode, de forma lapidar, afirmar que ela é um dado adquirido na paisagem mediática cabo-verdiana, uma vez que não temos instrumentos internos que nos permitam aferir nas redacções os ganhos, os limites e os desafios que se colocam ao exercício de informar. É preciso que tracemos o nosso próprio diagnóstico, que pode passar por um inquérito ou um relatório da situação da liberdade de imprensa, sob pena de assumirmos, de forma acrítica, a avaliação feita pela RFS ou pela Freedom House, cujos critérios de aferição, como se sabe, são abstratos e generalistas. O único estudo sério sobre esta matéria que conheço resulta da tese de doutoramento do professor universitário Silvino Lopes Évora, lançado no ano passado, onde o autor analisa com profundidade a legislação, as medidas de política para o sector, os investimentos; entrevista mais de meia centena de jornalistas, gestores dos órgãos, ex-dirigentes políticos, e conclui que existem factores críticos que condicionam a liberdade de imprensa em Cabo Verde. O resto são estatísticas.

É que, apesar de ninguém ter dito ainda expressamente que se sente “pressionado” pelos poderes fácticos instalados, tem-se a sensação de que parece haver uma espécie de “autocensura”. Ou seja, os jornalistas sabem à partida o que é “correcto” e “incorrecto” escrever e/ou dizer.

A autocensura continua a ser, diga-se o que se disser, um sério constrangimento ao normal funcionamento da comunicação social nesta sociedade em busca da consolidação da democracia. Embora não se conheça a real dimensão do problema, porque não existem inquéritos aos profissionais dos media, as rotinas nas redacções e os desabafos de alguns jornalistas, sobretudo daqueles que ainda não têm muitos anos do ofício, deixam antever que o problema é grave e não deve ser escamoteado. A causas são muitas, devem ser identificadas e, imediatamente, debeladas. A fragilidade do nosso mercado, pouco atractivo a investimentos de privados nas empresas de comunicação social; o facto de o Estado continuar a ser o grande grupo mediático, sendo proprietário de uma rádio e televisão nacionais, de uma agência noticiosa e ainda deter interesses no online; o baixo nível de formação de um bom número de jornalistas, a que se acresce a falta de especialização; a precariedade laboral, com destaque para a ausência de contratos de trabalho e salários de miséria; a não existência de mecanismos transparentes, como o mérito e competência na escolha dos jornalistas para cargos de chefia na esfera editorial, etc, são, do meu ponto de vista, alguns dos factores que ajudam a explicar o recurso à autocensura. Quanto a pressões, elas irão sempre existir, quer por parte dos poderes políticos, económicos, ou de outra natureza. O importante é o jornalista não se submeter a elas. É evidente que um jornalista com baixo nível de preparação técnica e académica ou com vínculo laboral instável, não está em condições de fazer valer as normas éticas e deontológicas da sua profissão e, muito menos, de informar “doa a quem doer”.

E há casos, por exemplo, nos canais públicos, mormente na TCV, em que determinadas figuras da política aparecem duas, três e quatro vezes no mesmo noticiário. Há alturas em que o espaço televisivo parece o Conselho de Ministros.

Caso estivesse a funcionar, a Autoridade Reguladora da Comunicação Social seria obrigada a pronunciar-se, periodicamente, sobre o pluralismo informativo nos órgãos públicos, mediante análise dos conteúdos emitidos nos noticiários e nos programas de grande informação, como de resto constitui obrigação da ARC. Infelizmente por falta de vontade política o sector mediático caiu num vazio em matéria de regulação, situação, aliás, reconhecida esta semana pelo Procurador Geral da República.

O facto de o alinhamento dos jornais estar repleto de notícias de actividades do Governo é, na minha opinião, o resultado de uma cultura jornalística que privilegia a “agenda institucional” em detrimento das preocupações, necessidades e expectativas dos cidadãos. Com isto não estou a defender que se deva banir a cobertura dos actos do governo, desde que o seu agendamento se submeta ao crivo dos critérios jornalísticos, tendo sempre em conta o interesse público, e não meras operações de propaganda. Para isso, torna-se importante que os jornalistas se organizem e comecem a participar na gestão editorial dos órgãos onde trabalham. É também imperioso que os órgãos públicos mudem o paradigma de informação - completamente desajustado das exigências de uma sociedade que se quer democrática -, que mantém ainda um registo declarativo, para uma lógica de aprofundamento das consequências que os acontecimentos terão na vida dos cabo-verdianos, dando voz às correntes de opinião mais relevantes na sociedade, ampliando assim o pluralismo.

E até há o anedótico e recente caso, em que uma ministra deste governo (Cristina Duarte) sustentou, aludindo a um relatório internacional, que os jornalistas não deveriam publicar sem autorização do governo. Isto não será um alerta laranja para a liberdade de imprensa?

Bom, provavelmente a ministra ter-se-á esquecido de que já não estamos sob o domínio asfixiante do partido único, onde os jornalistas eram militantes obedientes ao serviço do regime. Ainda bem que Cabo Verde é hoje um Estado de Direito democrático, onde a prestação de contas e a transparência na gestão da coisa pública devem (ou pelo menos deviam) nortear a actuação dos decisores e das instituições. Que se saiba esse relatório do FMI não constituía segredo de Estado. É por estas e por outras que os jornalistas cabo-verdianos começam a dar-se conta das inúmeras dificuldades no acesso às fontes e informação. Ainda tempos uma administração fechada sobre si mesma, no mais absoluto secretismo, que bastas vezes se furta ao dever de prestar informações solicitadas pelos jornalistas, sem qualquer fundamentação plausível. Uma postura que viola de forma flagrante o direito que os cidadãos têm de ser informados pela administração directa ou indirecta do Estado.  

Aliás, rumores antigos aludem a nomeações de chefias onde os critérios políticos e o amiguismo se sobrepõem às questões editoriais e ao sagrado direito público a informação sem nebulosas.

Pois, referi-me há instantes ao facto de não existir ainda uma cultura de valorização do mérito e da competência técnica na escolha das pessoas que exercem cargos de chefia na érea editorial. Julgo, e falo dos órgãos públicos, que é chegado o momento, até para se poder aumentar os níveis de competição interna, de as nomeações, muitas vezes baseadas na confiança ou no amiguismo, serem substituídas por concursos internos. Há que romper com este ciclo pernicioso, desde logo adoptando um novo modelo para a nomeação dos conselhos de administração das empresas públicas de comunicação social. Não faz sentido que num sector onde estado é de longe o maior grupo mediático, detendo mais de 80 por cento dos recursos técnicos, humanos e financeiros; onde o privado não constitui, não por sua culpa, concorrência nem alternativa aos operadores públicos; em que se confunde o aumento do número de jornais, rádios, televisões e online, com o reforço do pluralismo, dizia, não faz sentido que o governo continue a nomear sozinho os gestores dessas empresas. No caso da RTC, que, como se diz, se encontra praticamente em falência técnica, a responsabilidade deve ser assacada ao governo e às pessoas que lá colocou na gestão. É razoável esperar que um administrador escolhido e nomeado por um governo para dirigir uma empresa pública vá “brigar” com esse mesmo governo em defesa dessa empresa? É evidente que não. Mas a cadeia de fragilidades continua. O conselho, escolhido com base na confiança política, depois escolhe o director do órgão que, por sua vez, convida os chefes de programação e Informação, a serem nomeados pelo PCA. Pergunto se já não é altura de, pelo menos, as chefias de informação e de redacção serem eleitas ou escolhidas pelo colectivo de jornalistas. A seriedade e a legitimidade começam por aqui.

Salários de miséria, salários em atraso, lógicas de direcção editorial ao nível das repartições públicas são, também, queixa antiga de muitos jornalistas da comunicação social pública e privada.

A abertura do mercado ao sector privado, com o surgimento de mais rádios, mais televisões, jornalistas e online, pôs a nu as fragilidades do sector. Como se não bastasse a regulação foi ignorada, o que faz com que a legislação se torne letra morta. Quanto à precariedade laboral, a começar pela ausência de contratos, salários baixos e ainda por cima com atrasos de mais de três meses, tenho defendido que o sindicato dos jornalistas não se deve limitar apenas a denunciar estas situações, deve, antes de mais, negociar com as entidades patronais as soluções para estes casos; deve accionar o governo, a Direcção Geral do Trabalho e as demais instituições com responsabilidades na matéria, inclusive os tribunais e, caso as reivindicações não forem atendidas, mobilizar os trabalhadores para outras formas de luta. É preciso ter em atenção que a AJOC deixou de ser uma mera associação para se transformar num sindicato, pelo que a sua postura deve ser mais reivindicativa, mostrando-se sempre disponível ao diálogo.

E, por falar em jornalistas, como interpreta o facto de, em seis camaradas de profissão contactados por Cabo Verde, cinco tenham, amavelmente declinado o convite para opinarem. Há medo na comunicação social cabo-verdiana?

Bom, tendo em conta que não conheço as razões evocadas pelos colegas para declinarem o convite, não posso, como é evidente, afirmar que o tenham feito por medo. Talvez não tenham querido dar-se ao trabalho de pensar, reflectir sobre a nossa profissão. Por vezes somos muito críticos em ambientes informais, mas quando somos chamados a pronunciar-se com maior acuidade sobre aspectos estruturantes da nossa profissão, remetemo-nos ao silêncio, permitindo que os políticos tracem sozinhos o nosso destino profissional. Por exemplo, ainda hoje não entendo como é que permanece no código eleitoral o artigo 105º, unanimemente considerado inconstitucional. Enfim, uma autêntica lei da rolha.

Como se compreende que não haja ainda, apesar de contemplada legalmente, uma entidade reguladora para a comunicação social?

Compreende-se perfeitamente uma vez que não existe da parte do governo e dos partidos políticos com assento parlamentar qualquer intenção de dotar o país de um conselho regulador funcional e eficaz. Fosse uma matéria de interesse exclusivo dos partidos, já teriam chegado a um consenso quanto aos nomes que irão integrar a ARC. Dizer, como disse há dias o ministro Rui Semedo, que se trata de uma questão da alçada do parlamento e que, portanto, o governo não deve interferir nessa esfera de decisão, é, no mínimo, protelar a solução. Estamos a falar de uma entidade central para garantia de um direito fundamental dos cidadãos, que é o direito à informação, um bem simbólico no Estado de Direito democrático. Se estiverem interessados em resolver esta questão, o governo e o partido que o sustenta encontrarão, de certeza, uma plataforma de entendimento com os partidos da oposição.

E a AJOC, tem estado “em cima” do quotidiano dos jornalistas? Por exemplo, falou-se há pouco em salários em atraso, mas só há memória de a associação ter intervindo quando se tratou da RCV. Sabe-se que em "A Semana" há jornalistas a passar dificuldades, a alimentarem-se precariamente porque a administração do jornal falha reiteradamente com as suas obrigações, e este parece não ser caso único.

É o que eu disse há instantes, a AJOC tem de começar a funcionar como um sindicato que é. De facto, uma das críticas que se ouvem dos jornalistas que trabalham no sector privado é a de que a AJOC só defende os direitos dos profissionais da RTC. Não estou a dizer que concordo com essa crítica, de todo o modo, penso que o sindicato deve estender a sua actuação a todos os media nacionais. Talvez esse desabafo se deva ao facto de a AJOC não ter conseguido eleger, até hoje, os delegados sindicais nas empresas de comunicação social, como aliás está consagrado nos estatutos. Se o sindicato tem desenvolvido ou não acções em defesa dos jornalistas que trabalham no sector privado, não sei dizer, porquanto não fui informado dessas eventuais intervenções. O que é facto é que poder e a importância do sindicato devem fazer-se sentir sempre que a classe necessitar ou seja imprescindível a sua actuação.

E o que lhe merece dizer sobre a promiscuidade entre jornalistas-assessores e assessores-jornalistas?

É uma autêntica pouca vergonha. E essas praticas só demonstram o grau zero de regulação neste sector. Se as leis existem mas não são cumpridas, então mais vale que sejam revogadas. Assim, vai cada um tratar da sua vida!

O que falta, mesmo, para Cabo Verde ser – de facto – um exemplo em termos de liberdade de imprensa?

Costuma-se dizer que a liberdade de imprensa não é uma dádiva, nem tão pouco uma realidade fechada. É um processo, um ideal, para o qual lutamos todos os dias, alargando cada vez mais as margens dessa liberdade, reforçando os ganhos que forem sendo alcançados. Dada a sua centralidade na paisagem mediática cabo-verdiana, deve-se assegurar à RTC a sua autonomia e independência em relação aos poderes, como estipula a Constituição da Republica. Isso passa pela adopção de uma nova modalidade de nomeação dos conselhos de administração, mais plural e democrática; um novo modelo de financiamento do serviço público, substancial e previsível, que não o coloque na dependência do governo e nem a reboque do mercado publicitário; é preciso que se acabe de vez com a transmissão nos órgãos de serviço público dos chamados programas e publicidades institucionais, diga-se dos ministérios, que mais não são do que propaganda do governo, a coberto de compromissos comerciais. Ora se se permite que um governo compre espaços de antena na rádio e na televisão públicas, pela via comercial, para divulgar as suas actividades, quando tem à sua disposição outros canais de comunicação e de visibilidade, é lícito que também se dê aos partidos da oposição a mesma oportunidade para propagandear as suas actividades. Estamos perante uma interferência grosseira na esfera editorial e na liberdade de programação de que gozam os operadores públicos.

Para que Cabo Verde seja de facto um exemplo em matéria de liberdade de imprensa, é importante que se ponha a funcionar a ARC; que a autorregulação também seja assumida pelos jornalistas; que participem mais na definição da agenda mediática; que haja mais e melhor formação técnica e académica dos jornalistas, a começar pela especialização; que haja mais investigação jornalística; que sejam criadas as condições para que os privados possam competir em pé de igualdade com os órgãos públicos; que o sindicato de jornalistas seja mais proactivo... à laia de remate final, diria que para que sejamos campeões da liberdade de imprensa, os jornalistas têm que redescobrir os fundamentos da sua missão de informar, aproximando-se dos cidadãos, tornando-se em fiéis “cães de guarda” da democracia.

A RTC anunciou na última quinta-feira, no meio de grandes parangonas e até com a presença do Primeiro-ministro, o lançamento da TCV Internacional, mas os trabalhadores da empresa em São Vicente continuam a queixar-se do abandono a que estão votados e a precariedade dos meios de que dispõem. Faz sentido avançar com mais um canal, quando não se oferecem condições dignas de trabalho? Não será tudo mais publicidade enganosa do que uma mais-valia real?

Penso que a TCV Internacional é, de facto, uma grande janela que se abre à diáspora que assim poderá acompanhar o pulsar destas ilhas. Há dias o PCA da RTC, respondendo a esta mesma pergunta disse que a empresa pode assumir estas duas direcções, ou seja, reforçar a sua presença junto das comunidades emigradas e melhorar as condições de trabalho e de emissão a nível interno. Julgo que o grande desafio da TCV Internacional será na produção de conteúdos nacionais de qualidade que atendam aos interesses dos nossos emigrantes, mas mais, este canal só faz sentido se permitir que a 11ª ilha faça ouvir a sua voz no processo de desenvolvimento de Cabo Verde. Temos uma Nação Global que não conhecemos e a que a TCV Internacional deve dar visibilidade.



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