terça-feira, março 19, 2013

Televisão Experimental de Cabo Verde


Pertence ao então secretário de Estado, Corsino Fortes, a ideia de criação de uma televisão nacional neste arquipélago. Um órgão de comunicação que pudesse funcionar como uma “janela para o mundo, um balcão avançado da afirmação de Cabo Verde como povo, como Nação, como Estado, na intermediação entre a sociedade civil e a sociedade politica.” O país precisava romper o isolamento, abrir-se ao mundo e dar a conhecer a paisagem humana e cultural das ilhas.

A televisão nacional da Islândia - um país, na altura, com uma população quase idêntica a de Cabo Verde, em torno de 250 mil habitantes – com um quadro de pessoal diminuto (30 pessoas), que se dava ao luxo de suspender todos os anos, durante um mês, as suas emissões, foi um caso de estudo e serviu de inspiração para a instalação daquela que viria a ser conhecida por TEVEC.

Um primeiro obstáculo para o arranque do projecto prende-se com a inexistência de um espaço físico adequado às necessidades de funcionamento da televisão, de molde a permitir a sua expansão futura. A ideia de aproveitar as instalações da Emissora Nacional, no plateau, onde funcionara o Banco Nacional Ultramarino e a SAGA, sociedade de abastecimento de géneros alimentícios (actual sede do BCA), depressa foi rejeitada devido à exiguidade do espaço.  A alternativa passa por se ocupar as instalações da Marconi (correios de Portugal), na Achada de Santo António, que para o efeito receberam obras de melhoramento com vista a adequá-las às necessidades da futura televisão oficial. Decidida a localização, urgia começar com alguns testes de transporte do sinal. O Engº Alírio Vicente fala de algumas experiências de campo. “Por exemplo, houve uma primeira experiência de envio de sinal para S. Vicente com um emissor de 10 Watts através do Monte Bidela, sobranceiro a S. Domingos, no dia 26 de Agosto de 1983. Portanto já era possível fazer a televisão.”

Como principais financiadores do projecto, França e Portugal impõem à TEVEC a adopção do sistema misto PALL/SECAM, exigência que Cabo Verde não estava em condições de recusar. No entanto, a A TEVEC viria a uniformizar o sistema, que se revelava bastante dispendioso, obrigando a um desgaste dos equipamentos e cassetes, para além da perda de tempo com transcodificação dos programas que recebia. A partir de 1988, a produção passou a ser em PAL até à mesa de mistura, continuando a difusão a fazer-se em SECAM.  É de justiça reconhecer que a insuficiência de equipamentos limitava sobremaneira o trabalho dos técnicos que, ainda assim, contornavam os constrangimentos com uma profunda entrega e dedicação, num verdadeiro espírito de missão e de “amor à camisola”.

Os testes  de emissão, destinados a avaliar a qualidade da imagem, começaram em Fevereiro de 1984. As pessoas que se aperceberam da novidade mostraram-se bastante satisfeitas e ansiosas pelo início regular das transmissões, o que iria acontecer a 14 de Março do mesmo ano. Nesse dia de expectativa, emoção e nervosismo para muita gente, a transmissão foi basicamente constituída pela apresentação do logótipo da TEVEC, seguido de imagens de cabo-verdianos residentes em Portugal, cedidas pela RTP,  um espaço de informações locais e fecho de emissão.

Inicialmente a emissão da televisão experimental tinha a duração de apenas duas horas (das seis às oito da noite), acontecia duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, e a cobertura limitava-se à cidade da Praia e algumas localidade do interior de Santiago, graças a um retransmissor colocado no Monte Chota. No final desse ano, que marca a história audiovisual do país, a TEVEC aumenta para quatro o número de emissões, incluindo aos domingos, sendo que uma delas era dedicada a uma noite de cinema, resultado de uma parceria com Instituto Cabo-Verdiano do Cinema. A oferta de conteúdos é ainda bastante pobre e a programação resume-se a desenhos animados, documentários (com destaque para os da Transtel, da Alemanha), o telejornal e a telenovela da Globo (Bem Amado). A emissão era toda ela gravada e enviada para S. Vicente e Sal, onde seria transmitida com um dia de atraso.

A história da televisão a nível mundial mostra-nos que ela nasce como um apêndice da rádio: herda-lhe os profissionais, aproveita parte dos seus recursos técnicos, adapta os seus conteúdos e adopta o seu modelo de funcionamento. Por estas bandas, a estratégia parece ter sido a mesma. Não havendo profissionais especializados na área televisiva, nomeadamente, técnicos, produtores, realizadores e operadores de imagem, a comissão encarregada  de pôr a funcionar a TEVEC, vai buscar à rádio, em 1983, um total de 13 pessoas, num claro sinal de aposta na prata da casa. Mas houve também gente que transitou da imprensa escrita para a televisão. Depois de oito anos no semanário “Voz di Povo”, a jornalista Gunga Tolentino viria a ser a primeira apresentadora da novel televisão. “ A televisão era uma sala, com dois ou três ecrãs e um monitor para fazer montagem. As imagens eram trazidas dos correios, as notícias vinham em francês ou em inglês. Às  vezes nem se ouvia a voz, era só imagem. Tínhamos que pegar nas notícias de telexes de algumas fontes, ajustá-las às imagens e fazer a tradução para o português.”

Depois de ter transmitido a Copa do Mundo de 86, realizada no México, cobrindo quase todo o território nacional, a televisão oficial iria conhecer a sua primeira paralisação,  dois dias após ter comemorado com uma programação especial mais um aniversário da independência nacional. A direcção do órgão justificava a suspensão da emissão com a necessidade de manutenção, avaliação e reforço dos equipamentos. Prometia igualmente aproveitar a pausa para definir uma nova programação, “mais  adequada ao momento actual  e mais inserida na realidade nacional” e reflectir sobre o caminho percorrido, bem como os desafios que não se adivinhavam fáceis.

Oportunidade que seria aproveitada para a formação e estágio dos recursos humanos. Em entrevista ao “Voz di Povo”, o director da TEVEC, João Pires, anuncia que alguns profissionais se encontravam em formação na RTP/Lisboa e RTP/Porto, na TVGlobo, no Brasil, e em França, nas áreas de apresentação do telejornal, continuidade, reportagens especializadas em questões rurais, produção, programação, gestão administrativa e financeira, cenografia, montagem, som, régie, montagem e manutenção de televisores a cores, etc. O investimento na capacitação dos quadros tinha como propósito o aumento da produção de conteúdos nacionais, uma obrigação da televisão pública que continua ainda aquém das expectativas dos cidadãos.

Sendo um serviço personalizado do Estado, sob a tutela directa do Governo, a informação, longe de espelhar as preocupações do quotidiano das pessoas, centrava-se na agenda do Governo que, em traços gerais, visava afirmar e consolidar a independência nacional. No fundo, a comunicação social e, especialmente a televisão, devido à carga simbólica de que se reveste a sua narrativa, era uma “caixa de ressonância ideológica” do partido-Estado. A censura estrangulava qualquer veleidade de se fazer um jornalismo crítico e rigoroso. “Lembro-me que depois de o telejornal estar preparado e de irmos para o estúdio, o nosso director recebia uma chamada  do secretário de Estado ou do ministro da Informação, onde ele tinha que ler ao telefone a ordem e as notícias que íamos apresentar e algumas vezes vinha com propostas de alteração que raramente aceitávamos, como era natural” (Entrevista:Gunga, 2009). E assim iria manter-se a TEVEC, até se transformar na Televisão Nacional de Cabo Verde, em 1990.

3 comentários:

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