segunda-feira, julho 23, 2012

Um gigante com pés de barro

O Presidente da Republica, por diversas vezes, tem-se referido à comunicação social, a par da justiça, como um dos pilares mais frágeis da democracia. Ainda antes de ser eleito, o Dr. Jorge Carlos Fonseca prometia, em entrevista ao A Semana, ser um presidente defensor do reforço da liberdade de imprensa. “Costumo dizer que a nossa democracia ainda é frágil porque são frágeis os pilares do Estado de Direito. “Não temos uma opinião pública consistente, forte, capaz de funcionar como uma instância crítica e fiscalizadora dos poderes. Isto tem a ver com a comunicação social e com a sociedade civil que ainda é fraca.” Mais recentemente, o Presidente da Republica tem defendido uma “comunicação social mais autónoma, objectiva e interventiva.”

Tenho por mim que uma das causas da debilidade da imprensa cabo-verdiana radica na exiguidade e na pobreza do nosso mercado. Os meios de comunicação social não são, como se pode pensar, grupos altruístas de profissionais com o único objectivo de informar correctamente sobre o que acontece. São empresas que visam o lucro ou, pelo menos, têm a saudável intenção de sobreviver, de responder, como qualquer outra, ao objectivo prioritário de maximizar os seus benefícios.

Um dos benefícios da estruturação dos meios como empresas e o seu consequente reforço económico é, precisamente, a independência face aos poderes político, empresarial, económico, religioso ou de outra natureza, que queiram impor condições ou exercer pressões. Mas, como “não há bela sem senão”, a procura do lucro e a concorrência no mercado têm levado os media a deslizes éticos e deontológicos, um fenómeno, convenhamos, ainda pouco expressivo entre nós.

Do ponto de vista socioeconómico, temos um mercado interno de pouco menos de meio milhão de pessoas (quase o dobro no exterior), sendo que mais de metade vive nas cidades, uma grande dispersão geográfica, e uma população maioritariamente feminina. Nos últimos dez anos houve uma diminuição da taxa de analfabetismo de 23% em 2000, para 17% em 2010. O país ocupa a 133ª posição, num universo de 187 países, no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Em termos de hábitos de leitura, segundo os dados do inquérito da Afrosondagem sobre a Satisfação e Audimetria (2011), 29% dos inquiridos nunca leram um dos jornais nacionais e 54% não tinham lido nenhum dos jornais nas últimas 4 semanas anteriores ao estudo. Como se não bastasse, a economia cresce em torno dos 5 por cento, incapaz de reforçar o poder de compra e o bem-estar à medida dos anseios dos cabo-verdianos.

É neste contexto que se deve analisar o desempenho da comunicação social, um sector pouco atractivo ao investimento estrangeiro, e que desde sempre viveu com a corda ao pescoço. O fraco poder económico e o sufoco financeiro não permitem às empresas apostarem na capacitação e especialização dos recursos humanos, na modernização das infra-estruturas tecnológicas, e tão-pouco na melhoria da qualidade dos conteúdos e dos serviços (produtos) que oferecem aos cabo-verdianos. Uma imprensa que não pode contar com o mercado e, principalmente, com a publicidade como principal fonte de financiamento, para além de não poder realizar um jornalismo de excelência, corre o risco de alienar a sua independência, imparcialidade e objectividade, se depender de fundos de proveniência duvidosa ou de entidades que apostam no controlo e na manipulação do poder editorial.

Aquando do fórum, pomposamente, denominado “Comunicação Social – Momento de Viragem”, realizado pela DGCS, em 2006, a jornalista Filomena Silva apresentou um diagnóstico realista de um sector que clama, há muito, por um urgente programa-choque. No dizer da directora do A Semana, “a televisão pública está longe, muito longe mesmo, de cumprir o papel de informar com qualidade, de educar com qualidade, de servir como opção de acesso ao conhecimento (…) a rádio Nacional também, em linhas gerais, carece de recursos humanos com qualidade, não tendo acompanhado em termos de ritmo e de estilo o que vem sendo feito lá fora, sendo a formação (ou a falta dela) um problema de que enferma o sector.

Quanto à imprensa escrita, as incertezas são muitas: “Estarão os jornais existentes a responderem com qualidade à necessidade de informação a que o publico tem direito? Estarão eles em condições de acompanhar os novos desafios em termos de qualidade e diversidade de informação e de aumentar as suas tiragens, num quadro de crescimento da população? Ou sucumbirão ao avanço da televisão, um meio aparentemente mais barato e acessível ao publico? Estarão outros serviços, como as gráficas, em condições de acompanhar a necessidade de desenvolvimento do sector? Haverá profissionais das diversas áreas capacitados para trabalhar neste sector tão especifico e exigente?

O que mudou de lá para cá na paisagem mediática cabo-verdiana? Pouca coisa. Sem realizar um estudo de viabilidade do mercado, o Estado concedeu, pela via de concurso público, alvarás para difusão a quatro operadores privados de televisão, estando a emitir apenas a Record Cabo Verde e a TIVER. No sector público, o Estado, finalmente, desengajou-se da imprensa escrita. No entanto, apesar das melhorias evidentes na Inforpress, o grande salto em matéria de qualidade está ainda por acontecer, tudo por causa da indefinição do Governo em relação ao modelo de negócio e de sustentabilidade financeira desse importante órgão de comunicação social.

Na RTC, para além de apoios pontuais na rede de difusão, o executivo limitou-se a incentivar a administração a recorrer à banca para a introduzir melhorias tecnológicas na RCV e TCV, sem que se possa ainda falar de uma rádio e televisão digitais, como por vezes se ouve dizer, com ligeireza. O contrato de concessão parece ter sido relegado para as calendas crioulas.

A fragilidade económica de algumas empresas de comunicação social é confrangedora, e os seus efeitos fazem-se sentir de várias maneiras, desde a precariedade laboral através de contratos de trabalho a termo, ou a inexistência de qualquer vínculo laboral, passando pela falta de condições de trabalho, baixos salários, até exploração de mão obra estudantil, a coberto de estágios profissionais, etc. Uma situação já denunciada pelo sindicato dos jornalistas, AJOC.

Continua...

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